Descrição de chapéu Opinião

Marcos Guedes: Ralf não pensa

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"Antes de atravessar a rua, ou de chupar um Chicabon, o homem normal é lacerado de dúvidas", escreveu Nelson Rodrigues, em 1958, apontando o “penoso processo mental” envolvido em qualquer atividade.

"Ele estaca diante da carrocinha amarela e, acometido por uma perplexidade hamletiana, pergunta, de si para si: — 'Tomo ou não tomo o Chicabon? Talvez seja melhor não tomar o Chicabon. Ou devo tomar?'", prosseguiu o cronista.

O raciocínio desembocaria em Garrincha. A ideia era que o craque, "tido como retardado", levava vantagem sobre os adversários porque eles dependiam do raciocínio, ao passo que o Mané vivia "do instinto, da prodigiosa e instantânea clarividência do instinto".

"Enquanto os outros se atrapalham e se confundem de tanto pensar, Garrincha age com rapidez instintiva e incontrolável", afirmou o escritor, antes de concluir: "Diante dele, que não pensa, todos nós, que pensamos, somos uns lerdos, uns bovinos, uns hipopótamos".

Instinto não é exclusividade de atacante. E, por mais absurdo que possa parecer, a descrição que Nelson Rodrigues faz do histórico ponta-direita se aplica ao volante Ralf, um atleta incrivelmente subestimado.

Ralf vai ao ataque em sua espetacular partida na final do Campeonato Paulista - Nelson Almeida - 21.abr.19/AFP

​​Ralf também "não pensa". Quando necessita do intelecto, como ocorre em suas áridas entrevistas, apega-se à fórmula que memorizou: o resultado anterior foi ou o próximo jogo será "de suma importância".

Em campo, porém, ele cumpre suas obrigações no jato puro e irresistível do instinto. Antes de o torcedor do Corinthians começar a se preocupar com uma investida do rival, o cabeça de área já está no lugar certo para frustrá-la.

O paulistano é um dos melhores marcadores já vistos no futebol. E, em uma posição na qual o cartão é parte do ofício, jamais foi expulso.

A capacidade de antecipação é impressionante. A eficiência em disputas pelo alto, algo muito valorizado pelos técnicos atuais, é grande. A propalada dificuldade com a bola no pé é tratada de maneira mentirosa — em 405 jogos pelo Corinthians, nunca errou um passe fatal, embora tenha recentemente falhado e causado uma expulsão de Cássio.

Faz tempo que o instinto de marcação de Ralf rende frutos ao Corinthians - Toru Yamanaka - 16.dez.12/AFP

O volante de 34 anos, aliás, só conta um Paulista a menos do que Cássio e foi importante em cada uma de suas oito conquistas em preto e branco, mas não tem nem metade do (justo) cartaz do goleiro. Deve ser o jeitão chucro, não sei.

Só sei que Ralf é de suma importância. E conheço a história do Corinthians a ponto de afirmar sem medo, com enorme respeito a Brandão, Roberto Belangero, Biro-Biro e Rincón: estamos diante do melhor volante em 109 anos de clube. Aprecie.

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