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É corriqueira no jornalismo, ainda que lúgubre, a preparação para a morte. Se algum personagem de maior relevo vive problemas de saúde ou passa dos 60 anos, é bem provável que já exista um material elaborado sobre sua trajetória, prontinho para publicação assim que for assinado o atestado de óbito.
Coronel, lateral esquerdo do Vasco nas décadas de 50 e 60, não era exatamente um desses personagens. Não que lhe faltasse importância, mas reconhecê-la em 2019 exigia memória e sensibilidade incomuns.
O próprio Vasco se limitou a soltar uma "nota de falecimento" de três parágrafos, na quinta, quando ele morreu. Não foi necessário mais do que isso porque o ex-jogador já tinha, de certa maneira, preparado o próprio obituário, jargão jornalístico para os textos biográficos post mortem.
Explico. Na semana passada, o colega Toni Assis, que escreve para este Agora e também para a Folha, resolveu ir até Porto Real, no estado do Rio de Janeiro, para ouvir o ex-lateral. Não havia nenhum motivo muito específico além do já citado, ouvir.
Toni é dessas figuras das quais é impossível desgostar, uma espécie de Zeca Pagodinho friorento. De Ubatuba a Xerém, ele está sempre com sua japona à mão.
Coronel o recebeu alegremente ("achei que ninguém se lembrasse de mim") e recordou o tempo em que tentava marcar Garrincha. Seu Vasco mais ganhou do que perdeu do Botafogo, mas parar o Mané na bola era tarefa impossível.
"Eu puxava pela camisa", contou o vascaíno, que evitava os pontapés no ponta-direita rival: "Como eu ia fazer isso com um amigo?".
Dias depois de finalmente receber alguém disposto a lhe ouvir, Coronel partiu. Nem deu tempo a Toni para publicar a reportagem programada inicialmente. Ela acabou virando um obituário, quase que redigido a quatro mãos entre o repórter friorento e o ex-jogador.
Para não cair na pieguice, evitarei a tentação de dizer que o velho Coronel foi embora depois de falar o que tinha para falar.