A bola é um detalhe: Xenofobia de mão dupla
Entrevistas de Abel são ridículas, mas ele não é o único culpado
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Abel Ferreira tem se especializado em conceder entrevistas ridículas. No último sábado, derrotado por um Corinthians claramente superior, disse que seu Palmeiras “dominou”. Na terça, classificado à final da Copa Libertadores, preferiu exaltar Cristiano Ronaldo a enaltecer Gabriel Veron.
Mais do que demonstrar seu orgulho português —o que seria perfeitamente legítimo— e ir à forra com vizinhos imaginários —o que foi só constrangedor mesmo—, o treinador procurou se colocar em posição de superioridade com base em sua nacionalidade. Foi patético.
“Sou europeu, com muito orgulho”, afirmou. “Competência, trabalho árduo, disciplina, que é coisa que às vezes falta no Brasil. Rigor, disciplina, trabalho e dedicação diária”, bradou.
Poder-se-ia discutir aqui a insignificância de Abel no grande centro do futebol —onde dirigiu os miudinhos Sporting Braga e PAOK—, mas nem é o caso. Ele é um bom técnico e pode, quem sabe, construir uma carreira relevante no continente que evidentemente considera excelso, até do ponto de vista moral.
Se o fizer, no entanto, terá sido também por causa do Palmeiras e, veja só, do Brasil brasileiro. Que começa a despertar para o fato de que não é mulato, nem mula, como já pintaram os ancestrais de Ferreira —e os meus, ora, pois sou Guedes, com muito orgulho.
Isso posto, é preciso entender por que Abel falou o que falou depois de ter colocado de novo o Palmeiras na decisão da Libertadores. Se não é mulato inzoneiro, o Brasil também não é muito do que se fabricou na construção de sua identidade.
O brasileiro cordial é uma farsa, como é uma farsa o mito do país que recebe a todos de braços abertos. A xenofobia é clara em uma parcela considerável da população, algo que, além de abjeto, não faz nem sentido lógico em uma nação construída por imigrantes —infelizmente, os únicos que poderiam se proclamar donos da terra foram e continuam sendo dizimados.
A avaliação do trabalho de Abel Ferreira é frequentemente carregada de preconceito, como se o sucesso de um estrangeiro fosse incômodo de alguma maneira. Há evidente reservas com os triunfos do português, comparado jocosamente a treinadores claramente piores e chamado pejorativamente de “gringo” ou “portuga” com assiduidade assustadora.
O vizinho do técnico alviverde é imaginário, mas o preconceito que ele sofre, não. De modo que, embora não seja o caso de aplaudir as ridículas entrevistas do comandante, é necessário compreender de onde vêm algumas de suas frases mais lamentáveis.
Ele está errado, mas não é o único.