Jovens ignoram os cuidados e ficam mais expostos à Covid-19
Justificativa é a necessidade de ter que sair para trabalhar, ou mesmo se divertir, em qualquer classe social
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O inquérito sorológico divulgado pela Prefeitura de São Paulo na primeira quinzena de agosto mostrou que a taxa de contaminação pela Covid-19 na cidade é maior na faixa etária dos 18 aos 34 anos, atingindo praticamente uma em cada seis pessoas (17,7%) -- uma em cada dez na população geral.
Quando questionada, essa parcela de jovens e adultos justifica os números pela maior necessidade de se expor ao risco, seja no trabalho ou na diversão, e em todas as classes sociais.
Em bares e bailes na periferia, ou em aglomerações em bairros como Vila Madalena (zona oeste) e ruas como a Dom José de Barros (região central), sempre há jovens reunidos na capital paulista. "Tem festa, rolê. Você vê ônibus lotado, trânsito. É como se não existisse mais o coronavírus. Hoje em dia, andar de máscara é estilo para as pessoas", afirma o assistente administrativo Pedro Henrique Rodrigues Nunes, 20 anos.
Para ele, a população está se acostumando à nova realidade e descuidando da proteção. "É como se perdesse o medo. Você sai e se descuida", diz.
Com a máscara abaixada, a atendente Jeniffer Mello, 21, aguardava pelos clientes no formigueiro humano da Santa Ifigênia (região central) na última segunda-feira (24). Estava ao lado da irmã, Larissa, 18, sem qualquer proteção. Para as duas, o risco vai além do local do trabalho. "Moro na zona leste e está funcionando tudo normal. Clandestino, mas funciona. Todo mundo sem máscara. O pessoal fala que bebe e o álcool já mata", afirma, citando os "fluxos" (aglomerações e bailes funk) em locais como Caititu, Fábrica e Nitroquímica. "A maioria pensa que está imune", fala.
A situação é ainda mais crítica na periferia da capital porque o levantamento aponta que a chance de alguém das classes D e E (14,3% de infectados), mais pobres, contraírem o coronavírus é de três vezes a de uma pessoa das classes A e B (4,7%). O inquérito mostrou também que, entre negros, 14,8% já tiveram contato com o vírus, ante 8,1% dos brancos. No geral, quatro em cada dez pessoas estavam assintomáticas.
Com amigos na rua Dom José de Barros (região central), Igor Brito, 20, que trabalha com logística, disse, porém, que não são apenas os jovens quem tem se descuidado, lembrando que mais velhos também frequentam bares e deixam de usar máscara. "A sociedade inteira não está preparada para o nível de responsabilidade que se exige."
Grupo está saturado, diz infectologista
A infectologista da Universidade Federal de SP Nancy Bellei diz que os jovens estão naturalmente mais expostos ao vírus, mas que há uma "saturação da condição psíquica e social".
"Os jovens tendem à socialização maior, a frequentar eventos. As pessoas estão saturadas da pandemia. É uma situação prolongada e com perspectiva distante em relação à vacina", diz.
Segundo Nancy, era muito provável que isso iria ocorrer. "Chegaria um momento em que as pessoas não aguentariam mais. Mais valeria o risco do que o bem estar físico", diz.
A infectologista diz que não é possível atribuir o contágio maior entre jovens apenas à necessidade de sair para trabalhar. Ela diz que a fiscalização das aglomerações se deu de forma desigual, mais concentrada na região central, e que continuaram a acontecer entre os mais novos na periferia.
"Achar que a grande incidência é por causa da atividade de trabalho é não enxergar o que acontece nos bairros periféricos. Não houve lockdown de evento público. Em nenhum momento, bares deixaram de funcionar e bailes funks de acontecer."
'Confiança vai voltando aos poucos'
A gerente comercial Juliana Silva, 34 anos, e a empresária Vanessa Dantas, 33, encontraram-se na quarta-feira (26) pela primeira vez para um happy hour desde o início da pandemia.
Em um bar na Vila Madalena, elas afirmaram que o medo da contaminação existe, mas que tentam voltar à rotina dentro do possível. "Naturalmente, a gente vai ganhando confiança", diz Juliana. "Saímos para trabalhar, ir ao mercado. Faz parte esse lado social, também", completa.
Para aliviar pressão da quarentena, amigos vão relaxar em cemitério
Quatro amigos da periferia da capital paulista aproveitaram o dia livre na última quarta-feira (28) para espairecer um pouco. O destino foi a região da Vila Madalena, em Pinheiros (zona oeste). Mas eles não foram a um bar, e sim à Necrópole São Paulo. Segundo eles, o cansaço mental provocado pelos seis meses de pandemia no Brasil tem tornado a vida mais difícil.
"Hoje, ficar em casa está desgastando muito a cabeça. Está complicado", diz Sabrina Slemer, 19 anos, que deixou o ensino médio e agora procura emprego, assim como os outros três.
"Tivemos que ficar trancados em casa. As doenças mentais vão surgindo, um milhão de vozes falando na sua cabeça. Agora está mais flexível, deu uma ajudada, mas ainda assim as coisas não voltaram ao normal", conta Denise Ventura, 19. "Ninguém vai conseguir ficar 100% relaxado enquanto as coisas não voltarem ao normal", completa.
Sobre a visita ao cemitério, a escolha foi por exclusão, conta Robert William Lima, 22. "Não tem mais uma balada, um lugar legal para ir. Então vamos ao cemitério", diz, brincando. Nenhum dos quatro jovens estava com máscara durante a conversa com a reportagem.
Além da falta de diversão, a pandemia trouxe também danos financeiros para quem está começando a vida adulta. Ian da Silva, 20, perdeu o emprego em um motel no início da quarentena. Já a família de Denise teve que adiar o início da abertura de um restaurante. "Era um risco", diz.