Primeiros corpos de acidente no interior de SP são enterrados às pressas na madrugada
Nos sepultamentos, familiares lembram sonhos das vítimas e relatam reclamações por alta velocidade do ônibus
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“Tem lugar para pôr ela?”, foi perguntado à família de Ana Cláudia dos Santos, à 0h54 desta quinta-feira (26), em frente ao cemitério municipal de Itaí (SP). Ela foi a primeira vítima a ser enterrada no local, onde 37 dos 41 mortos em acidente, na rodovia Alfredo de Oliveira Carvalho, por volta das 6h30 do dia anterior, seriam seputados.
O questionamento foi feito às dez famílias que enterraram seus parentes na necrópole, até por volta das 4h30 desta quinta, para saber se as vítimas seriam enterradas em uma cova particular ou pública.
Uma força-tarefa abriu as 37 covas em aproximadamente oito horas de trabalho, com a ajuda de uma retroescavadeira. Isso equivale a mais do dobro de sepultamentos feitos no local normalmente por mês.
Vinte e nove corpos foram enviados para Itaí até o meio da madrugada: 22 passaram ou estão em velórios, cinco seriam velados em casas ou igrejas e dois, levados para outro município.
Os enterros em Itaí terminaram por volta de 9h30 desta quinta.
“A Ana era uma moça feliz, trabalhadora e estava para realizar um sonho”, afirmou Ricardo Carlos Almeida, 30, primo da vítima.
Ele disse que Ana juntou dinheiro por 12 anos, com o intuito de investir no próprio negócio. “Este ano seria o último dela na fábrica, mas tudo foi interrompido pelo acidente”, lamentou, se referindo à indústria têxtil para onde a parente pretendia ir, no coletivo que colidiu contra um caminhão, na altura do km 171 da rodovia. Os passageiros eram funcionários da firma e a maioria morava em Itaí.
O rapaz não soube informar em qual segmento a prima pretendia começar uma nova atividade profissional.
Em menos de cinco minutos o caixão dela foi retirado da entrada do cemitério e levado para uma cova na quadra 18 da necrópole. Todas as vítimas foram enterrados às pressas, por quatro coveiros em cada uma das vezes.
À 1h26, o caixão com o corpo de Lucielen Firmino dos Santos, 27, chegou ao cemitério.
A mãe dela, Tereza Firmino, 50, relembrou a alegria da filha, que segundo ela tinha jeito para modelo. “Ela gostava muito de desfiles e de moda.” A jovem trabalhou por sete anos na indústria têxtil.
Cerca de meia hora após o enterro de Lucielen, Aline Fernandes de Oliveira Antunes e Vanessa Carolina Vieira dos Santos, 25, também foram rapidamente sepultadas, da mesma forma que Márcio Lima de Freitas, às 2h15.
Claudinei Carlos Barboza e Leandro Máximo Pereira foram sepultados, respectivamente, às 3h49 e 3h52.
Barboza trabalhou sete anos na indústria têxtil, mesmo tempo em que ficou junto de Margarete Aparecida dos Santos, 39. “Ele gostava muito de pescar, era uma pessoa divertida, de riso fácil. As crianças adoravam ele”, afirmou a viúva.
Ela acrescentou que o companheiro reclamava sobre a suposta alta velocidade e imprudência do motorista que guiava o ônibus que se envolveu no acidente.
Já era possível ouvir galos cantando e os primeiros cantos de pássaros quando chegaram os caixões de Valquíria de Oliveira Cruz, Rosana Rodrigues de Oliveira e de Tiago Aparecido Aulfs, 25 anos.
Além de trabalhar na fábrica têxtil, Aulfs também era técnico do time e futebol de várzea Unidos do Capitão. “Ele era uma pessoa muito trabalhadora e alegre, dedicado. Todo mundo gostava dele”, afirmou o amigo João Carlos da Rocha, 26. O time ganhou dois campeonatos da cidade, desde 2018, quando a vítima assumiu a função de técnico.
O goleiro e cunhado de Aulfs, Wesley de Souza, 24, afirmou ter conversado com o amigo uma hora antes do acidente. “Ele acordava cedo todo dia para trabalhar e reclamava que o motorista [do ônibus] corria e fazia curvas em alta velocidade. É uma tristeza que isso aconteceu [morte do cunhado]”, afirmou.
Aulfs foi enterrado com a bandeira do clube que defendeu sobre seu féretro.
O dia começava a raiar, por volta das 5h, e os coveiros do cemitério municipal estavam a postos para dar continuidade aos enterros, que em média duraram menos de dez minutos, segundo acompanhado pelo Agora.
“Não sabemos quando iremos parar de trabalhar”, afirmou um deles, sem se identificar.