Idosos com mais de 90 mostram força e dão um chega pra lá no coronavírus
Levantamento aponta que 6 em cada 10 infectados nessa faixa etária sobreviveram à Covid-19 em SP
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Idosos com 90 anos ou mais compõem uma pequena minoria da população paulista (menos de 0,5%), já passaram por poucas e boas e, nessa caminhada, conheceram as dificuldades e alegrias da vida. Parte deles foi contaminada pelo coronavírus, resistiu a expectativas pessimistas e provou que a Covid-19 pode não ser sentença de morte para quem beira o centenário.
Levantamento feito pela reportagem, com base em dados do Seade (Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados), mostra que 6 em cada 10 idosos nessa faixa etária sobreviveram à contaminação. O Agora levou em consideração apenas infectados entre 90 e 110 anos para evitar distorções por falhas no preenchimento dos cadastros.
O coronavírus contaminou cerca de 5.300 idosos com 90 anos ou mais no estado, e quase 3.200 sobreviveram. Mais longevas, as mulheres representam dois terços desse grupo. Entre elas, foi maior a sobrevida: 62%. Para homens, foi quase um par ou ímpar com a morte --52% escaparam.
A aposentada Maria Rosária, 107 anos, é certamente uma das pessoas mais idosas no planeta a sobreviver depois da contaminação pelo coronavírus. Mais que isso, não precisou nem mesmo ser internada, ficando em casa por 14 dias aos cuidados da família, recebendo visita de profissionais da saúde de Cardoso (560 km de SP), onde vive.
Tanta força para resistir ao vírus não vem de um cardápio tão regrado assim. Maria gosta de carne, torresmo, porco e piau, um peixe cheio de espinhos pescado por um dos netos. No último fim de semana, viu os parentes passando com uma garrafa por perto em um churrasco. "É cerveja? Não esquece de mim, não", disse a aposentada, segundo a filha Maria Aparecida Soares, 78. Também não abre mão do vinho. "Acabou uma garrafinha e já tem outra na geladeira. Não é vinho de marca, não. Sendo suave, tá ótimo", diz a filha.
Maria fumava e, em consequência disso, tem DPOC (Doença Pulmonar Obstrutiva Grave). O clínico geral José Ricardo Amadeu Magro tratou da centenária e conta que o coronavírus atacou apenas as vias aéreas da aposentada, não chegando ao pulmão. Para ele, é uma história impressionante e inspiradora. "Provavelmente, ela tem uma condição genética muito favorável, um sistema imunológico muito bom", diz. No fim do tratamento, Maria ganhou uma garrafa de vinho.
Italiana de 98 anos teve apenas febre
A Covid-19 provocou um pouco de febre e deixou Rina Antonini, 98 anos, internada por quatro dias no hospital apenas por precaução, onde foi medicada. “Nem perdi o gosto da
comida”, conta.
Mais que isso, Rina só soube que tinha sido infectada pelo coronavírus ao chegar em casa e ouvir o diagnóstico da própria filha, a empresária Gabriela Antonini, 63. “A minha mãe está fora da curva. Ela tem 98 anos e é completamente lúcida. Assiste à televisão e conversa desde fofoca até política”, diz.
“Tem muita vontade de viver. Minha avó era igual. Não se enxerga como uma pessoa
de idade”, diz a filha.
“Gosto de coisa moderna, não de coisa velha”, afirma Rina, que viveu a juventude na Itália, durante a Segunda Guerra Mundial, antes de vir para o Brasil.
Quase centenária, Rina ainda se dedica à fisioterapia, a qual chama de ginástica, duas vezes por semana. É a forma encontrada para se manter ativa fisicamente e, como diz a filha Gabriela, “não enferrujar”. “Todos os médicos ficam surpresos com ela”, afirma.
Rina também se considera vaidosa e cuidadosa com a saúde. “Tudo simples. Só que tenho hora certa para levantar, almoçar, jantar e dormir. Não faço nada de extraordinário”, diz.
Sobre o futuro e a vida após os 100 anos, Rina prefere não fazer tantos planos. “Não tenho doença nenhuma. Nem penso em quanto tempo mais vou viver. Passa o ano sem perceber. Se penso nisso, não é bom”, afirma a idosa.
Aposentado ficou 17 dias intubado e sobreviveu
“Como vou saber? É por Deus. Deus quis assim e, com a ajuda dos nossos médicos, estou aqui”. Dessa maneira, o aposentado Nicola Colloca, 90 anos, descreve o motivo pelo qual conseguiu sobreviver à Covid-19, que o deixou 17 dias intubado na Santa Casa de São Carlos, em maio passado. Hoje, vive sem sequelas e comemora a vida ao lado da família.
Colloca também não gosta de ser chamado de senhor e se sente jovem desde sempre. “Os 90 anos para mim considero como se tivesse 40”, fala.
Filha do aposentado, a conferente de logística Fátima Cristina Colloca, 43, temeu pelo pior ao vê-lo, de repente, “amuado”, em maio. “Meu pai sempre foi vaidoso, sempre se cuidou. É cheiroso, faz a barba todos os dias. Nunca o tinha visto doente”, conta.
Além do pai, Fátima viu a mãe e o namorado serem contaminados e escaparem. “Só por Deus. Aos olhos humanos, meu pai iria morrer”, diz. “É muito gratificante mostrar que as pessoas podem sair da Covid-19.”
Família deve acreditar na recuperação
O geriatra Clineu de Mello Almada Filho afirma que é um equívoco da família acreditar que, por causa da idade, o paciente não suportará tratamentos mais invasivos, o que poderia, em muitos casos, salvar a vida do idoso, mesmo após os 90 anos.
“Geralmente, há vários filhos, vários familiares envolvidos, com opiniões diferentes. Isso gera uma dificuldade de quebrar a resistência. Mesmo se considerando que alguns desses pacientes teriam condição, sim, de serem submetidos a tratamentos invasivos com boa resposta clínica”, afirma o profissional.
Segundo o geriatra, a idade cronológica é importante, mas não o principal marcador da condição de saúde. Almada Filho explica que cada pessoa tem uma reserva funcional (capacidade de funcionamento dos órgãos) e nem todo mundo é contaminado com a mesma carga viral, por isso os resultados podem ser tão diferentes, mesmo entre aqueles com mesma idade.
Média de idade dos mortos aumenta desde março
A média de idade dos mortos por Covid-19 aumentou mês a mês, gradualmente, desde março do ano passado, no estado de São Paulo. Se entre os contaminados em março a média de idade dos mortos era de 67 anos, em dezembro foi de 70 anos e 5 meses.
Entre as hipóteses, estaria o fato de que as equipes de saúde aprenderam com o tempo a lidar melhor com a doença e, dessa maneira, passaram a salvar com frequência os mais jovens, com maior capacidade de resposta ao coronavírus. Para o infectologista Renato Grimbaum, é difícil atribuir uma razão sem um estudo epidemiológico, embora pareça plausível a melhoria no tratamento.
Segundo Grimbaum, muita coisa mudou desde o início. “Além de todo o ganho de conhecimento, hoje temos muito mais clareza e segurança nas tomadas de decisão. Não é mais uma doença misteriosa”, diz. “No inicio, exagerávamos em uma série de coisas, terapia ineficazes como a cloroquina, excesso de antibióticos”, cita, entre os exemplos.