Dificuldade para conseguir UTI aumenta drama de famílias com parentes internados
Em Taboão da Serra, onde não há leitos de tratamento intensivo, 14 pessoas já morreram aguardando transferência
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Sentada na frente da UPA (Unidade de Pronto Antendimento) Doutor Akira Tada, em Taboão da Serra (Grande São Paulo), na manhã desta terça-feira (16), a professora Isabela Aleixo, 32 anos, chorava sem saber como seria o destino da mãe, internada no local com Covid-19. Intubada na quarta (10), quando deu entrada no posto, Iraci de Sousa, 63 anos, aguardava transferência para uma UTI (Unidade de Terapia Intensiva) desde então. "Eu me sinto impotente por não poder fazer nada e minha mãe ficar sem o atendimento que precisa", lamentava a professora.
Todos os dias a filha buscava informações na UPA à espera da vaga. "Eu estou cansada", Isabela desabafa. Na sexta (12), a Justiça determinou, a pedido do Ministério Público, a transferência da mulher e de outros 16 pacientes em caráter de urgência, mas a vaga de Iraci só foi liberada no início da tarde de terça, para Hospital das Clínicas da USP (Universidade de Sâo Paulo).
Além da preocupação com a vaga da mãe, a professora tem que prestar assistência ao pai, José Neves Guimarães, 70 anos. Ele foi internado na UPA no domingo (14), também com Covid-19. Isabela conta que o pai ficou muito agitado com a situação da mulher e piorou a ponto de precisar ficar na enfermaria da unidade.
"Eu estou desesperada. Meu pai fica nervoso e eu tenho que passar forças para ele falando que está tudo bem, mas não sei se está tudo bem mesmo."
A demora por uma vaga de UTI também afetou a vida da operadora de telemarketing Camila Ramos, 30 anos. Na segunda (15), ela perdeu o marido Amaury da Silva Júnior, de apenas 29 anos. Um dia antes, ele foi levado da UPA Akira Tada para o Hospital Emílio Ribas, na capital paulista --vaga pela qual aguardava havia três dias.
"Foi muito difícil, a gente recorrendo, precisando de ajuda e de nada adiantava. Tentamos internação particular, mas não temos condição. Colocamos na mão de Deus", diz Camila. Quando a transferência finalmente aconteceu, ela achou que tudo ficaria bem, mas diz achar que a demora pode ter feito o quadro se agravar.
Ainda sem saber da morte do filho, a mãe de Amaury também está tratando a Covid-19 na UPA de Taboão da Serra. Agora, com dois filhos pequenos, Camila diz não saber como serão os dias. "Estou bagunçada."
"Nesse momento, o que nos resta é acreditar em Deus", diz a auxiliar de Farmácia Pamela Rivitti, 30 anos. Nos últimos 15 dias, ela perdeu a mãe e o tio para a Covid-19 e viu o pai e uma tia serem internados para tratar a doença.
A mãe dela, Dinéia Firmino, 71 anos, morreu no dia 6 na UPA Akira Tada enquanto aguardava um leito de UTI. O tio, Samuel Firmino, 49 anos, morreu na segunda-feira, três dias depois de ser transferido para o Hospital de Parelheiros. "Quando ele precisou ser intubado, a gente já foi para cima para lutar para tentar não deixar acontecer o que aconteceu com a minha avó e o meu avô." No caso dele, a espera pela UTI foi de um dia.
O pai, José Firmino, 76 anos, foi internado no dia 4 e aguardou seis dias pela transferência para a UTI, também para o Hospital de Parelheiros, na zona sul da cidade de São Paulo. "Meu avô continua lutando pela vida dele. Ele foi muito tarde para lá, mas estão fazendo de tudo."
UPA foi transformada em referência para a Covid-19
Sem leitos de UTI para a população de 290 mil pessoas, Taboão da Serra conta apenas com a UPA Doutor Akira Tada para realizar a internação de pacientes com Covid-19. Desde segunda-feira, a unidade passou a ser dedicada apenas à doença, com 70 leitos de enfermaria e emergência com suporte respiratório. Nesta terça-feira (16), 65,7% dessa capacidade estava ocupada, segundo a prefeitura da cidade.
Entre eles estava o marido da vendedora Maria Antônia da Silva, 55 anos. Depois de 10 dias de diagnóstico e se tratando em casa, Caio da Silva, 70 anos, piorou e teve de ser internado com suplementação de oxigênio na unidade. "Se Deus quiser, vai dar certo. Ele me deu 40 anos de casada com ele, não vai me tirar agora."
O filho do casal, o bancário Caio Júnior, 27 anos, diz que a torcida, agora, é para que o pai melhore sem precisar de tratamento intensivo. "Estou apreensivo e agoniado. A gente se sente abandonado. Espero que não precise de UTI, porque a gente sabe que não tem em lugar nenhum."
Já a assistente comercial Sandra Rodrigues, 46 anos, teve que sair da UPA sem atendimento. Ela buscou a unidade pela segunda vez em 10 dias depois de piorar da Covid-19. "A falta de ar não passa. Fui atendida pela primeira vez aqui, nem sabia que tinha mudado. Eu só queria ser atendida logo."
Em nota, a prefeitura de Taboão da Serra afirma que a mudança no modelo de atendimento da UPA se deu para ampliar os leitos da unidade e melhorar o fluxo, pois os pacientes passam por uma triagem anterior num pronto-atendimento montado na UBS (Unidade Básica de Saúde) Clementino, a cerca de três quilômetros dali.
Sistema de transferência está sobrecarregado, diz Saúde
Somente em Taboão da Serra, 14 pessoas morreram de Covid-19 aguardando transferência para uma UTI, segundo a prefeitura. Até a noite de segunda-feira (15), havia 22 pessoas na Cross, o sistema estadual de transferência de pacientes, aguardando leitos.
Questionada, a Secretaria de Estado da Saúde, gestão João Doria (PSDB), não informou o balanço de quantas pessoas aguardam transferência no estado. Segundo a nota enviada, o sistema tem recebido mais de 1.400 pedidos de transferência por dia para leitos Covid-19, enquanto no pico anterior da doença (junho de 2020), essa demanda era de 690 leitos diariamente.
"A sobrecarga na rede de saúde já é uma realidade em diversos locais e os serviços do SUS [Sistema Único de Saúde] esforçam-se para garantir assistência adequada e oportuna a todos. Isso é feito para demandas não apenas de Taboão da Serra, mas de todas as 645 cidades do estado", afirma a nota.
Essa situação se estende, segundo o texto, também para a central de regulação. Nesta terça, na região da Grande São Paulo, os leitos para COVID-19 registraram ocupação de 90,6% em UTI e 84% em enfermaria.
"[A Cross] funciona 24 horas por dia como mediadora entre os serviços de origem e de referência. Seu papel não é criar leitos, mas auxiliar na identificação de uma vaga no hospital mais próximo e apto a cuidar do caso. Nenhuma negativa parte deste serviço, que é apenas intermediário."