Camelôs enfrentam fiscalização e risco de contaminação para levar comida para casa
Mesmo com as ruas mais vazias, ambulantes se arriscam no centro de São Paulo vendendo de máscaras a temperos
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"Tudo o que tenho consegui trabalhando nas ruas, onde estou há 25 anos. Não sou um à toa, pago contas como todo mundo e não posso parar de trabalhar", afirmou o ambulante Edmilson Viegas Silva, 40 anos, no centro da capital paulista, na manhã desta segunda-feira (12), resumindo o sentimento dos vendedores informais, que se arriscam diariamente nas ruas do centro para garantir alguma renda no fim do mês.
Mesmo antes da pandemia da Covid-19, que já completou pouco mais de um ano, a vida dos ambulantes não era fácil, mas pelo menos tinha como única preocupação a fiscalização e eventual apreensão de seus produtos, feita por agentes municipais.
Usando máscara e sempre atento ao movimento —reduzido por causa da fase vermelha do Plano São Paulo, retomada nesta segunda-feira em todo o estado, e que se estende ao menos até o domingo (18)— Silva afirmou calcular seus ganhos por semana.
Antes da pandemia, ele conseguia garantir semanalmente cerca de R$ 600 de lucro, vendendo carregadores de celular e controles remotos de televisão. Com a chegada do novo coronavírus e a imposição do distanciamento social, o ambulante viu o centro de São Paulo se esvaziar, da mesma forma que sua renda —que caiu para entre R$ 150 e R$ 200 semanalmente.
Casado e com uma filha de 18 anos, o ambulante sabe sobre a irregularidade de sua atividade, principalmente durante a fase vermelha, que proíbe o atendimento presencial na maioria das lojas. Porém, ele diz que não se for para a rua trabalhar, se expondo, inclusive ao novo coronavírus, sua família pode passar fome, como já ocorre ao menos com 19 milhões de brasileiros, desde o início da pandemia, segundo dados do Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, conduzido pela Rede Penssan (Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional).
“O dinheiro que consigo são para pagar as contas de água, luz, de gás e para comprar o básico de alimentação, além do transporte”, afirmou o ambulante, que se desloca diariamente do Capão Redondo, no extremo sul da cidade, para o centro.
A poucos metros de Silva, a artesã Marilei Jaguszewske 52, também se arrisca na região central de São Paulo para não ficar no vermelho. Há 18 anos vendendo adereços para cabelos nas ruas da capital, ela afirmou trabalhar, pois “não há respaldo financeiro” do poder público “suficiente para todas as pessoas”. “Se tivesse um auxílio com dinheiro para todos que precisam, imagino que isso ajudaria as pessoas a permanecerem em casa, respeitando o isolamento social”, disse.
Assim como Marilei, todos os ambulantes ouvidos pela reportagem afirmaram que não recebem auxílios emergenciais.
Marilei afirmou sentir medo de se infectar com o novo coronavírus, mesmo usando máscaras e higienizando as mãos constantemente durante o trabalho. “Como moro no centro, venho para cá vender, pois tenho muito medo de usar o transporte público e pegar o vírus. Se eu morasse em outro bairro, não estaria aqui neste momento e não sei como faria [para vender produtos]”, explicou ela, na região do largo São Bento, sempre protegendo boca e nariz com uma máscara.
A artesã, que mora sozinha, vende seus produtos para garantir também o pagamento de contas e o básico para a alimentação —que mudou “para a pior”, segundo ela, desde o início da pandemia. Na fase vermelha, as vendas de Marilei caíram cerca de 90%. Já na fase laranja, menos restritiva para comércio de rua, ela afirma que comercializou a metade do habitual antes da pandemia.
O vendedor de óculos Cláudio dos Santos, 52, também viu suas vendas diárias, em média de R$ 150, caírem para R$ 30 por causa da pandemia.
Solteiro, Santos afirmou temer também ser infectado, por causa de sua exposição diária nas ruas da cidade, mas se arrisca mesmo assim. “E também tenho medo de perder minhas mercadorias [para a fiscalização] como já aconteceu duas vezes na pandemia”, disse.
A entrevista foi interrompida uma vez, no momento em que um carro com fiscais passou perto da ambulante, na região da igreja São Bento. Porém, o veículo não abordou o trabalhador informal.
Máscaras dão lugar a bonés e camisetas
Com o pedido de que seu nome não fosse publicado, um ambulante de 37 anos trocou bonés e camisetas por máscaras, vendidas por ele perto da estação São Bento, da linha 1-azul do metrô.
Ele afirmou, na rua Boa Vista, que a permanência dele neste e em outros pontos de vendas dura o tempo de alguma equipe de fiscalização se aproximar. “A gente corre 30 vezes por dia dos fiscais para não perder as mercadorias. Mas não é sempre que dá certo, já perdi muita coisa.”
Por permanecer em uma via de grande movimento, mesmo durante a pandemia, o ambulante fica atento a qualquer mudança do ambiente, como ao ver colegas se retirando às pressas, levando suas mercadorias nas mãos. Isso aconteceu uma vez durante a entrevista dada ao Agora, por volta das 11h.
“Você [repórter] está vendo? Nós, trabalhadores, precisando fugir porque estamos tentando levar comida para a mesa de casa”, desabafou o homem, logo após a fiscalização sair da região.
Ainda na rua Boa Vista, uma jovem de origem haitiana, de 21 anos, vendia alho em um carrinho improvisado. Sem falar português, ela disse em inglês que está no Brasil há cerca de três anos, de forma irregular.
“Por isso, não consegui empregos formais, como eu tinha no Haiti. Mas mesmo passando apertos, depois da pandemia, a situação por aqui é melhor do que em meu país”, afirmou a jovem, que também pediu anonimato. Ela viu suas vendas diárias, de cerca de R$ 200, caírem para até R$ 60.
Posicionado em frente a saída de uma grande loja de departamento na rua 25 de Março, um ambulante de 54 anos vendia massageadores para a cabeça.
Pedindo anonimato, o vendedor afirmou que a pandemia o prejudicou com relação às vendas que fazia em estádios de futebol. “Vendia boné, camiseta, bandeira. Ia a todos os jogos na cidade. Mas desde que foi proibido público nos estádios, perdi essa fonte de renda”, explicou, enquanto ajeitava sua máscara de proteção no rosto.
O jeito foi se concentrar na venda dos massageadores, que ajudavam a complementar a renda em dias sem jogos de futebol. “Fico das 8h30 até umas 18h todos os dias por aqui [na rua 25 de março]. No fim do mês, dá para garantir o pagamento do aluguel, das contas e para mais nada”, afirmou.
Resposta
A Secretaria Municipal das Subprefeituras, da gestão Bruno Covas, afirmou em nota que realiza ações de fiscalização para combater o comércio irregular na cidade. "No mês de janeiro foram apreendidos 7.264 lacres de produtos irregulares, no mês de fevereiro, 12.257, e em março, foram cerca de 6.698 lacres", disse. "Os dados do último mês estão sendo contabilizados e podem sofrer alterações."