Corpo de balé abriga meninas negras na periferia de São Paulo
Grupo de 28 meninas faz parte da oficina de balé oferecida na zona norte da capital
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Ayo é uma palavra de origem nigeriana que significa "alegria". Também é o nome do corpo de balé formado por 28 meninas negras que moram na região dos bairros Pirituba, São Domingos e Jaraguá, na zona norte de São Paulo.
O grupo Ayo faz parte de um programa da ONG PAC (Projetos Amigos das Crianças), que atende pessoas em situação de vulnerabilidade social da região. O projeto oferece aulas de balé para meninas com idade entre 6 e 15 anos e conta com cerca de 150 participantes no total.
A criação de um corpo de balé de meninas negras foi uma iniciativa da professora e bailarina Alcione Brasilio, 45, que dá aulas no projeto há nove anos. Ela conta que o movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam) fez com que entendesse a importância de um grupo com representatividade.
A ideia é trazer disciplina sem a rigidez e cobrança que acaba afastando muitas meninas da modalidade. "Formamos o grupo para que as meninas se espelhem umas nas outras", explica.
Nas aulas, realizadas na própria sede da ONG, não é preciso usar o famoso coque de bailarina, que geralmente segura os fios bem presos na cabeça. Os cabelos, cacheados ou não, podem ficar soltos, caso a aluna queira. "As meninas fazem aula muito mais livres, se sentem mais à vontade", diz a professora.
O projeto fornece todo o equipamento necessário às meninas, desde o grampo de cabelo até as sapatilhas. Há uma preocupação, por parte das professoras, em buscar sapatilhas de ponta para peles negras, adequadas às meninas.
"Aqui, nosso balé é diferente. Trabalho o balé clássico, mas também um pouco do moderno", relata Alcione. "É uma forma dessas meninas negras daqui serem empoderadas e livres, fazendo algo que gostam de fazer. É sobre tirar a frustração e a visão pesada do que é o balé clássico."
A aluna Samily Arcardi começou a fazer aulas de balé quando tinha apenas cinco anos de idade. Hoje, com 15, ela afirma ter evoluído junto com o projeto. "Aqui, é um lugar em que eu sinto prazer. Faço balé porque gosto, não porque sou obrigada a fazer", conta.
Por conta da pandemia, as aulas foram reduzidas a um encontro por semana, que dura cerca de duas horas. Para as meninas que fazem balé, é preciso participar também do Edupac, aulas com atividades complementares ao ensino das escolas.
"Falo para as meninas e para as mães que, para elas serem bailarinas, é preciso saber ler e escrever corretamente. Não conseguimos gerar oportunidades reais para elas sem o conhecimento e a educação", explica a diretora do Projeto Amigos da Criança (PAC), Rosane Chene.
Samily diz que pretende seguir praticando a dança como uma de suas atividades nas horas extras. "Hoje em dia, poucas pessoas negras têm essa oportunidade como nós temos. Quero ser advogada, mas pretendo fazer balé por muito tempo", conta.
Alunas são apaixonadas pelo balé
Djenyffer Victoria, 11, e Gabrielle Soares, 14, também fazem parte do grupo Ayo. Ambas começaram a fazer aulas de balé há menos tempo, mas já são grandes fãs da modalidade.
"Era uma coisa que eu queria fazer desde pequeninha e minha mãe também. Só que geralmente tinha que pagar para fazer balé e a gente não tinha condição", conta Gabrielle.
A família dela ficou sabendo da oportunidade após uma visita do serviço de assistência social do Projeto Amigos das Crianças. Assim, Gabrielle e sua irmã mais nova, Sofia, 10, começaram a frequentar as aulas.
Quando sua mãe foi diagnosticada com câncer recentemente, Gabrielle desistiu de outras oficinas das quais participava na ONG e disse ter parado com o balé por um período. "Eu ia desistir também, mas vi que o balé para mim é um refúgio, porque eu danço, converso com as meninas e esqueço dos problemas", conta.
Para o psicólogo Ricardo Milito, além dos benefícios para a saúde física, a dança realmente traz melhorias psicoemocionais. "Ela corrobora para uma melhora na autoestima da criança ou jovem e, consequentemente, ajuda a combater problemas como ansiedade e depressão, aumentando o bem estar da pessoa", defende.
Milito complementa dizendo que o esporte em equipe desenvolve habilidades interpessoais. "Trabalha-se muito a questão da comunicação, porque é preciso haver o diálogo para, em conjunto, alcançar o mesmo objetivo", explica.
É o caso de Djenyffer, que faz balé há cerca de três anos e, nesse período, foi conquistando amizades no grupo. "No começo, eu não me dei muito bem com as pessoas, mas fui me desenvolvendo e, hoje, me dou bem com todo mundo", relata.
Segundo ela, fazer as aulas de balé era algo que queria muito, já que via na televisão e admirava a dança. Para Djenyffer, que gosta de usar o cabelo solto, é muito legal que as professoras incentivem isso dentro do grupo. "Quando a professora veio com a ideia do Ayo, a gente já amou. Com a ideia do cabelo solto, gostamos muito mais", diz.
Sonho para mães e filhas
A dona de casa Lucineide de Oliveira, 35, fica com o coração cheio de orgulho. Sua filha, Ana Júlia, 8, frequenta as aulas de balé no PAC há cerca de dois meses. "Ela está superfeliz, porque era o sonho dela. Antes, ela tinha uma roupa de balé e ficava colocando em casa", conta Lucineide.
Em fevereiro, Ana Júlia foi diagnosticada com diabetes tipo um e os médicos indicaram que ela fizesse algum exercício físico. Foi quando a mãe descobriu a oportunidade da oficina de dança. "A própria psicóloga me aconselhou que ela precisava ocupar a mente com alguma atividade para não ficar pensando somente na diabetes", diz Lucineide.
Assim, o balé surgiu como uma oportunidade para Ana Júlia se movimentar e se divertir. "É um sonho dela e meu. Sempre morei em comunidade, negra, de família pobre, jamais imaginei que uma filha minha podia dançar. Para mim, era uma coisa de rico", relata a mãe.
Para Gislaine da Conceição Cruz, 30, o balé também despertou paixão e disciplina em sua filha, Isabelly, 9. "Ela acorda me chamando para ir pro balé, porque gosta muito do grupo de meninas", conta.
Agora, o grupo Ayo ensaia para uma apresentação que acontece no final de outubro, cujo tema será uma homenagem a mulheres que marcaram a História. Além da dança, as alunas aprendem sobre a vida de cada mulher para entenderem o contexto e importância delas.
"Antes, as meninas negras não eram princesas em apresentações de balé e a Isabelly está muito feliz em poder representar uma mulher negra", conta Gislaine.
O psicólogo Ricardo Milito afirma que estar em um grupo que gere identificação entre as pessoas, como o Ayo, é fundamental para crianças e jovens. "Nessa fase de pré adolescência, o jovem busca referências para seu processo de construção de identidade. Isso é importante para ele entender quem ele é e quem ele quer ser", diz.