Tudo é contradição, mas o carioca parece ser ainda mais. Desde que “dom João deu uma volta em Napoleão” e “fez da colônia dos malandros capital”, como cantará a São Clemente no próximo Carnaval, o Rio de Janeiro se estabeleceu como solução-problema, algo maravilhoso e terrível, porém especialmente maravilhoso.
Mas esqueça o clemente João e seus inclementes hábitos alimentares no século 19. O Rio de 2019 tem Gabigordo, o torcedor do Flamengo que se fantasia de Gabigol e se recusa a admitir a diferença de peso em relação ao sósia artilheiro: “Eu sou o Gabigol da Galera; Gabigordo é pilha”.
“É o patético raiando pelo sublime”, talvez dissesse Nelson Rodrigues, o pernambucano carioca, figura ainda mais contraditória e fascinante do que seus fascinantes e contraditórios personagens.
A bem da verdade, a pretensão de imaginar o que poderia dizer Nelson em qualquer situação é só patética, sem qualquer sublime, mas serve ao propósito da coluna. De mais a mais, citá-lo é sempre ótima muleta.
Ele não está mais aqui para ver suas frases em textos de qualidade duvidosa. E não estava no Rio no último final de semana para relatar mais uma invasão.
Nelson se sentiu “um estrangeiro na doce terra carioca” em 1976, quando a Fiel derrubou seu Fluminense. Mais de 40 anos depois, não pôde presenciar o terror causado por Basílio.
Não o João Roberto, em campo na célebre Invasão. Entre 12 e 13 de outubro de 2019, o Rio foi de outro Basílio, o popular Basa, que reinou do Jardim Botânico criado por dom João à Estação Primeira de Cartola.
No morro, no asfalto ou na areia, o sobrinho da coluna exibiu seu sorriso fácil, capaz de desarmar fuzis. Posou para fotos para agradar ao pai, sambou para puxar o saco do tio e só perdeu a paciência ao ver o Corinthians pela televisão, em uma atuação terrível que resumiu em três letras: “Ôxe”.
Seu time, hoje, é bem pior do que o do Flamengo. Mas, por um fim de semana, Gabigordo teve de ceder seu reinado a Basa.
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