Descrição de chapéu Opinião

Caneladas do Vitão: Triste planeta em que amor é sinônimo de ausência

São Paulo

Toda família é igual. Quem casa quer casa. Quem separa, também. Quem não quer casar, se puder se bancar, também sai de casa. Mesmo que o objetivo seja limpar a poupança para meter o louco e passar o rodo.

É cada um por si. Em dia útil. E todos na casa de Irene no domingo. É lá que os casados, os solteiros, os filhos, os netos e os amigos dos agregados se encontram, todos juntos e misturados, para cerrar a lasanha com frango. E, dependendo do quórum, ainda levar um pote para viagem com a coxa que sobrou da mistura do almoço.

charge da coluna caneladas do vitão do dia 4 de abril
claudio oliveira

Talheres, pratos, copos e rango compartilhados. Exatamente do jeito que não manda o figurino do coronavírus. Há décadas, todo domingo, é assim no sobrado do Tatuapé. Ou era. A pandemia isolou a viúva.

Nem o filho caçula, vizinho de porta, entra na casa. No máximo, a nora, que tem a chave, deixa a compra do mercado no quintal. Pressão alta, idade, diabetes, ninguém se aproxima por respeitar o que dizem os especialistas sobre os grupos de risco.

O aquecimento para o jogo do Corinthians no domingo era na mesa da são-paulina. Ali, entre uma garfada e outra, que treinadores eram derrubados, jogadores, contratados, jornalistas, xingados, rivais, secados.

Irene ficava isolada no próprio sobrado. “Não vai pagar o estádio” para cá, “Tiago Nunes não dá” para lá, “volta, Tevez” acolá e ela vidrada no “canal 4” no programa do Celso Portiolli. Que assiste, entre um cochilo e outro, no último volume. Sem admitir nem que está ouvindo mal, nem que dormiu.

Isolamento social na TV da sala enquanto a família quebra o pau na cozinha é uma coisa. Faz parte do show e ninguém destoa mais o que é grito de amor do que é grito de desequilíbrio.

Outra coisa é ficar isolada na própria casa sendo inimiga da tecnologia. Sem saber quando abraçará de novo os netos e vai responder de forma malcriada o filho por que se atrasou para o almoço porque ficou com os amigos no bar enchendo a cara de cerveja.

Fique em casa, Irene. Não escute o lunático que elegeram, escute o teu sobrinho. Amanhã, não te abraçar e filar a boia no seu 77º aniversário é o presente possível. Esperamos pelo bolo quando fizer 78.

Carlos Drummond de Andrade: “O melhor remédio contra a saudade é a falta de memória”.

Vitor Guedes
Vitor Guedes

43 anos, é ZL, jornalista formado e pós-graduado pela Universidade Metodista de São Paulo, comentarista esportivo, equilibrado e pai do Basílio

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