O TST (Tribunal Superior do Trabalho) recebeu de março a agosto deste ano 16.301 ações trabalhistas enquadradas na categoria Covid-19. Apesar de representarem 2,2% das ações enviadas no mesmo período nos tribunais, a categoria foi uma das poucas que teve aumento de processos nesses meses. No geral, houve diminuição de 25% no número de novas ações em comparação com os mesmos meses de 2019, segundo dados do TST.
Para a advogada trabalhista Karolen Gualda Beber, o número ainda não demonstra o real impacto da pandemia da Covid- 19 na Justiça do Trabalho. “Com as atividades judiciais presenciais suspensas e com muitas empresas ainda impactadas pelos contratos suspensos e salários reduzidos, o número de processos ainda não evidencia como a doença em si e as demissões causadas pela crise econômica da pandemia serão refletidas na Justiça do Trabalho. Na minha opinião, a tendência é crescer, e muito”, diz ela.
A advogada acredita que, quando as medidas criadas para tentar conter os efeitos da pandemia se encerrarem, vamos saber o real impacto da crise do coronavírus nas ações trabalhistas. “Como ainda estamos vivendo as medidas, isso acaba inibindo as ações. Assim como muitas pessoas ainda não tiveram a oportunidade de procurar seus advogados ou conseguir os documentos necessários para o processo por conta do isolamento social, o que acaba afetando também o número total de novas ações, e não só as relacionadas a pandemia”, afirma.
Para Karolen, os casos vão ser julgados caso a caso, principalmente os que precisarem de perícia médica. “Precisamos pensar que esse assunto é muito novo e as ações relacionadas a ele ainda estão tramitando. Só saberemos a tendência do Judiciário quando as ações estiverem na segunda instância, sendo julgadas pelo tribunal. Certamente cada caso será julgado com suas especificidades de acordo com a situação que é inédita na Justiça e na sociedade brasileira e mundial.”
Verbas rescisórias
Além da Covid-19, categorias como rescisão de contrato por morte, falta de quitação de rescisão, rescisão de contrato por força maior e teletrabalho tiveram crescimento significativo de ações durante os meses de março a agosto, a maioria com mais de 1.000 novos processos em relação ao mesmo período de 2019, segundo o TST.
“Uma análise rápida desses números nos permite entender que, além dos motivos de saúde, os primeiros assuntos levados à Justiça durante a pandemia estão relacionados a empregados mandados embora sem o devido pagamento das verbas rescisórias”, afirma o advogado trabalhista Ruslan Stuchi.
Segundo ele, o Judiciário terá que lidar com um cenário muito diferente a partir de agora. “Situações nunca antes julgadas terão que ser discutidas pela primeira vez. Além disso, será grande o número de empresas quebradas, que prejudicará ações anteriores à pandemia que esperavam julgamento ou pagamento e as novas ações relacionadas à Covid-19”, diz.
Stuchi lembra ainda que, a longo prazo, entrarão também na Justiça do Trabalho processos relacionados ao home office e às novas formas de trabalho que foram criadas durante a pandemia. “Tudo ainda é muito novo e ainda terá reflexos por muito tempo nas ações no país.”
100 mil ações contabilizadas por estudo
Em contrapartida aos números disponibilizados pelo TST, o estudo “Termômetro Covid-19 na Justiça do Trabalho”, parceria do site Consultor Jurídico com a FintedLab e Datalawyer Insights, está monitorando e contabilizando as ações trabalhistas relacionadas à Covid-19 com base em dados publicados nos
Diários Oficiais.
Com ajuda de inteligência artificial, a pesquisa vasculha ações com palavras-chaves relacionadas à pandemia nos processos. Segundo o estudo, de janeiro a setembro foram mais de 20 mil casos enquadrados na categoria Covid-19. Além disso, casos de outras categorias que se relacionem com pandemia já são 112 mil, o que representa R$ 7,5 bilhões no valor total das causas.
“Nossa contabilidade de casos é mais rápida que a do TST e abrange outras categorias além da Covid-19. Por isso, o número é diferente”, conta Alexandre Zavaglia Coelho, Diretor do FintedLab.
“Queremos entender quais as ligações diretas e indiretas da pandemia e da crise econômica nas ações trabalhistas e quais os reflexos disso tudo na Justiça do Trabalho. Com os dados queremos propor políticas públicas e estratégia para o setor privado e para a sociedade civil”, afirma.
Assim como o dados do TST, a pesquisa também evidencia que ações relacionadas a rescisão são a maioria. Assuntos como aviso-prévio, multa de 40% e rescisão lideram o número de processos encontrados. Outro ponto interessante do estudo é a categorização das atividades econômicas que mais recorreram à Justiça do Trabalho. Entre as primeiras estão: trabalhadores da indústria de transformação, comércio e atividades administrativas.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.