Quando soube que estava grávida, a ex-recepcionista de faculdade Sarah Aline de Oliveira, 21 anos, ficou muito assustada. O medo surgiu porque descobriu a gestação, em setembro do ano passado, dois meses após ter sido presa por tráfico de drogas em Carapicuíba (Grande SP).
“Senti muito medo, pois é a primeira vez que fui presa e também é a primeira que sou mãe”, disse, segurando no colo a pequena Sofia, de apenas dois meses, em um pavilhão destinado a grávidas e mães que amamentam seus filhos na Penitenciária Feminina da Capital, no Carandiru (zona norte).
A mãe de primeira viagem foi transferida à unidade especial quando estava no sétimo mês de gestação.
“Cadeia não é um lugar bom para crianças, mas o pavilhão onde estou, pelo menos, é menos pesado”, afirmou Sarah.
Na penitenciária, atualmente 24 mulheres estão na mesma condição que Sarah e cinco aguardam para dar à luz enquanto cumprem pena. Em todo o estado, até maio, havia 97 gestantes e 72 lactantes no sistema prisional.
Ao visitar a unidade, na última terça-feira (24), o Agora se deparou com roupinhas de bebês, penduradas junto com uniformes das presidiárias (calça cáqui e camiseta branca) secando ao sol, lado a lado, na quadra do pavilhão.
O local é destinado exclusivamente a presas grávidas ou que amamentam.
Contrações
Em 5 de abril, Sarah estava em uma cela especial, destinada a gestantes, quando começou a sentir as primeiras contrações. O lugar conta com espaço de aproximadamente 30 metros quadrados, destinados para duas grávidas.
As celas, no primeiro piso, contrastam com a realidade de superlotação dos presídios, pois são arejadas e bem iluminadas.
Dois dias depois das primeiras contrações, a presa foi encaminhada, com escolta policial, para um hospital, onde deu à luz a primeira filha, batizada com um nome, de origem grega, que significa sabedoria.
Condenada, em dezembro de 2018, a seis anos e oito meses de prisão, Sarah atualmente está em uma cela individual, somente com sua filha, no segundo piso do pavilhão.
No espaço, de 18 metros quadrados, há duas camas, nas quais mãe e filha podem permanecer lado a lado por seis meses, período máximo permitido para que crianças sejam amamentadas na cadeia. Após, Sarah diz que sua irmã cuidará da menina
A jovem, que afirma não receber visitas, terá de cumprir ao menos mais dois anos de prisão. Esta será a idade da filha quando ela sair da cadeia.
Gravidez na fuga
Uma ex-camareira de motel, de 30 anos, caminha por um corredor em que carrinhos de bebês contrastam com grades, algumas delas coloridas. Ela se senta em um poltrona com dificuldade, por conta dos oito meses de gestação, e começa a contar sua história.
Ela narrou que foi capturada, em fevereiro deste ano, após não retornar da saída temporária do Dia dos Pais do ano passado.
“Quando vi meus três filhos, depois de quatro anos presa, não consegui voltar para a cadeia”, explicou.
A ex-camareira já havia cumprido quatro anos e três meses de prisão, após tentar entrar, sem sucesso, no Centro de Detenção Provisória de Suzano (Grande SP) com 200 gramas de maconha para o seu então companheiro, que cumpria pena por assalto.
A mulher ficou grávida, de outro homem, durante o período em que esteve foragida da cadeia.
Quando foi capturada, ela estava com um documento falso. A mulher informou sobre isso à diretoria do presídio, ao perceber que sua filha seria registrada sem o nome verdadeiro da mãe. “Por causa disso, fiquei com mais um crime e não sei quando poderei sair da cadeia”, disse, acariciando a barriga.
Ela afirmou que, após os seis meses de amamentação, vai deixar a bebê com a avó. “Só verei meus filhos depois de cumprir minha pena. Na vida, a gente tem que quebrar a cara para aprender”, afirmou.
Separação é brutal
O médico Drauzio Varella vai uma vez por semana dar atendimento às presas na Penitenciária Feminina de Sant'Ana, na zona norte.
Ele afirmou que apesar de o sistema carcerário respeitar atualmente o limite mínimo de seis meses de amamentação, a separação é ruim para mães e filhos. “Essa separação é muito brutal, porque a mãe fica seis meses com a criança, cuidando dela 24 horas por dia. Ao final deste período, a criança é tirada da mãe, que volta para o sistema fechado, inundada de hormônios. É uma barra pesadíssima que elas enfrentam dentro do presídio”, afirmou.
Varella acrescentou que, em 2006, o período de amamentação era de apenas dois meses. “Isso não tinha cabimento. Com este período, o Estado acabava punindo a criança, que não tinha culpa de nada”, disse.
O médico ponderou também que, por conta da pobreza, grande parte das presas se envolve com o crime, principalmente o tráfico de drogas, para conseguir dinheiro. “Elas moram em locais em que conhecem os traficantes desde a infância. Por isso, acabam fazendo serviços para o tráfico e indo, em alguns casos, para a cadeia. É um ciclo vicioso que não tem como ser quebrado, é impressionante.”
Varella escreveu o livro “Prisioneiras”, sobre detentas, publicado em 2017, que fechou uma trilogia resultante de sua experiência como médico voluntário no sistema carcerário.
Lei
Em 2018 o ministro Ricardo Lewandowski, do STF (Supremo Tribunal Federal), concedeu habeas corpus coletivo para que presas com filhos na cadeia pudessem cumprir prisão domiciliar.
Segundo o STF, 1.229 mulheres deixaram o cárcere, mas 1.325 que poderiam ter sido beneficiadas, na ocasião permaneceram presas.
A determinação do Supremo se estende, inclusive, às mulheres condenadas por tráfico de drogas.
"A substituição da medida por outra diversa da prisão, é um ponto importante, desde que o crime não tenha sido praticado com violência, ou grave ameaça, e desde que o crime não seja praticado contra os próprios filhos", explicou o especialista em direito e processo penal Edson Knippel.
Segundo o Tribunal de Justiça de São Paulo, nos termos do próprio HC, as mulheres que vieram a ser presas após a decisão passaram a ter prisão domiciliar apreciada pelos juízes nas audiências de custódia, com a participação e fiscalização do MP e da Defensoria Pública ou advogado.
Yuri Sahione, especialista em direito e processo penal, disse que essas presas podem recorrer.
Resposta
A SAP (Secretaria da Administração Penitenciária), gestão João Doria (PSDB), afirmou que, de um total de 19 unidades femininas, sete presídios e um Centro de Progressão Penitenciária têm alas materno-infantis.
Sobre o afastamento ocorrido entre mães e filhos depois de seis meses, a pasta explicou que, após quatro meses de nascimento, começa um processo de estímulos à socialização e adaptação dos bebês a uma “nova realidade”.
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