A medicina avança diariamente e até as estatísticas apontam que a chance de chegar lá aumenta a cada década. Mas quem quer passar dos 100 anos precisa se cuidar desde já. Na pior das hipóteses, caso não atinja essa meta que é para poucos, terá uma velhice bem mais saudável.
Membro da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia, Maysa Seabra Cendoroglo diz que 70% da chance de se tornar centenário vem dos hábitos do dia a dia. "Quanto mais cedo puder ter um estilo de vida saudável, maior a possibilidade de chegar com mais reservas funcionais e estar bem", diz. Em resumo, beber muito e acender um cigarro atrás do outro são vícios que não vão prolongar a vida de ninguém, mesmo com a boa vontade dos genes.
Além disso, mais do que a "idade mágica" é preciso saber que tipo de saúde se terá lá. "Ninguém quer se imaginar numa cama, mas ativo", diz Maysa.
A estimativa da Fundação Seade é de que, em 2030, 1 em cada 4.523 paulistas seja centenário. Para 2050, a previsão é ainda mais otimista: 1 em cada 1.344. Alguém que, hoje, já está ao redor dos 70 anos.
Doutora em psicologia clínica do Instituto de Psiquiatria da USP, Dorli Kamkhagi diz que a possibilidade de ter a vida ampliada é "maravilhosa e assustadora". "A aposentadoria não significa mais 'ir aos aposentos'. É uma carta de libertação", afirma.
Dorli explica que é preciso saber o que fazer com o tempo disponível. "Não é a melhor idade. É a idade possível. Não é falar em velhinhos bacaninhas. Tem que se reinventar", fala. "Essas pessoas que conseguem fazer novos vínculos afetivos, amorosos, sempre aprendem coisas novas", diz.
A psicóloga diz que, de forma geral, "até os 80 anos, vai". "Mas dos 80 aos 100 são grandes 20 anos. Para chegar bem, são necessários muitos fatores e muita sorte", fala. Por fim, aconselha. "Vamos viver bem a nossa idade."
Segundo as especialistas, após os 100 anos, a espiritualidade e a satisfação são parte importante do dia a dia. "Eu sou obrigada a estar feliz, porque Deus me deu esse tempo", diz a costureira Antônia Rodrigues Teixeira, 103 anos. "Pretendo viver mais uns 10 anos."
'Desconfio que estou ficando velho', brinca
Funcionário aposentado da Light, José Eduardo Ladeira, 106, ajudou a puxar a fiação que permitiu a Belo Horizonte (MG) fazer interurbanos nos anos 1930. "Hoje é tudo na internet e isso nem é mais novidade. Vem muita coisa ainda", diz, por mensagem de áudio, desde a capital mineira.
Um dos lemas do idoso é "para onde tenho que ir, eu não tenho pressa de chegar". "Se Deus quiser, vou viver até 110. Minha tia viveu até os 108, então quero ir além", fala. "Quero aproveitar a vida minuto a minuto. De vez em quando, tomo um vinhozinho do Porto para não morrer do coração."
Ladeira faz pausas enquanto lembra do número de filhos, netos e bisnetos e brinca. "Eu desconfio que estou ficando velho", diz, rindo. O aposentado da Light diz que quem quer chegar aos 100 não pode "estragar a saúde com extravagâncias" e deve se manter otimista. Só tem algo que o tira do sério. "Leio jornal e fico danado com a política de hoje", diz.
'Ardiloso' vira aposentado contemplativo
De "moleque ardiloso" no Nordeste a aposentado tranquilo que gosta de espiar pela janela o dia clarear. Assim se desenrola a vida do guarulhense Severo Francisco de Lima, 101 anos.
Lima conta que foi criança terrível. "Matava galinha do vizinho, cortava corda do cavalo do amigo. Depois, vim a imaginar que aquilo a gente não poderia fazer, não. Tenho uma paciência que é uma beleza."
Religioso, o aposentado diz que é preciso honrar os pais e não ter vícios para ser longevo. De todos os dias vividos, um deles é inesquecível e ilustra bem a relação de Lima com a espiritualidade. "Ouvi o som de uma viola tocando. Comecei a cantar, sem saber cantar cantoria nenhuma. Saiu um hino da minha cabeça, o mais lindo que nunca tinha ouvido. E aquela viola me acompanhando. Quando terminou, minha camisa estava molhada de água dos olhos. Não vi Deus, não ouvi a voz de Deus, mas fiquei contente com a visita Dele nesse dia."
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