Escadões revitalizados levam colorido a bairros da capital

Trabalho de grafiteiros muda a paisagem na periferia da zona sul e também na badalada zona oeste

Elaine Cranconato
São Paulo

Na contramão daquela sequência de degraus malconservados, sujos, malcheirosos e inseguros, escadões revitalizados têm dado nova identidade e função a simples locais de passagem nas ruas da capital. As intervenções nas escadarias provocaram mudanças de comportamento na comunidade, principalmente nas periferias da cidade.

“Nunca mais teve lixo jogado aqui”, se orgulha o técnico de TV a cabo e líder comunitário Alvino Pereira Silva, 48 anos, no Jardim Nakamura, encravado no Jardim Ângela (zona sul).

O artistas plastico Eduardo Kobra na escadaria das bailarinas, em Pinheiros (zona oeste)
O artistas plastico Eduardo Kobra na escadaria das bailarinas, em Pinheiros (zona oeste) - Rubens Cavallari/Folhapress

A nova realidade surgiu depois que a então degradada escadaria da rua Miguel Dionisio Valle, em frente à Escola Estadual Oscar Pereira Machado, com ligação à rua Agamenon Pereira da Silva, foi requalificada há três anos pela ONG Cidade Ativa. 

A entidade é idealizadora do projeto Olhe o Degrau, que busca dar um novo olhar aos escadões. “É uma forma de a comunidade imaginar que aquele lugar pode ser diferente, e não apenas um local de passagem”, diz a arquiteta Mariana Wandarti, 26 anos, da ONG.

Alunos da escola e a comunidade participaram da reforma do escadão, que ganhou um escorregador, mesas e bancos para piquenique, tudo em madeira. Além da parceria com grafiteiros, que encheram as paredes com sua arte.

Os degraus ganharam pedaços de cerâmicas coloridas, pregados um a um pelos estudantes. Eles gostaram tanto do novo local que até formaram grupos que se revezavam na varrição.

A nova escadaria chegou a ser usada em uma festa, com direito a música, comida e atividades livres para as crianças. 

No ano passado, a equipe do Olhe o Degrau fez outra requalificação em um escadão na mesma rua. Até uma biblioteca para troca de livros ganhou espaço em uma das paredes grafitadas.

“Ficou tudo muito colorido. Tem até escorregador na escadaria”, comenta a dona de casa Vitória Rodrigues da Silva, 27 anos.

Kobra faz homenagem a bailarina

Reconhecido internacionalmente pelos seus imensos murais coloridos a céu aberto, o artista paulistano Eduardo Kobra, 43 anos, assina seu primeiro projeto em uma escadaria em Pinheiros (zona oeste).

Inaugurada em setembro do ano passado, a escadaria das Bailarinas estampa nas paredes laterais três meninas que integram o Ballet de Paraisópolis (zona sul).

E nos degraus coloridos está Melina Reis, 34 anos, a bailarina que amarra a sapatilha em uma prótese. Após acidente de moto, a profissional teve de amputar parte da perna esquerda, mas continuou dançando.

“Eu misturei o universo das bailarinas e fiz releituras”, diz Kobra, responsável pela reorganização da escadaria localizada entre as ruas Cardeal Arcoverde e Alves Guimarães. Ali, há uma escada habitada. 

“Consegui que 100% dos moradores concordassem com a pintura nas fachadas das casas”, afirma Kobra.
Para a doméstica Maria Neide Oliveira Santos, 55, que trabalha na região, a escadaria ganhou vida. “Ficou maravilhosa”, diz. 

ONG faz pintura para homenagear Marielle

Logo abaixo da obra assinada por Eduardo Kobra na rua Cardeal Arcoverde, em frente à rua Cristiano Viana, outra escadaria se transformou em ponto de parada para fotos e atrai olhares de todos que passam por ali. 

Saiu o cinza que a Subprefeitura de Pinheiros havia pintado, segundo os moradores. No lugar, entre outras intervenções, foi feito um painel gigante com o rosto de Marielle Franco, a vereadora carioca do PSOL assassinada em 14 de março de 2018. No crime, o motorista dela,  Anderson Gomes também foi morto.

“Mulher, negra, lésbica, assassinada, com sorriso escancarado, estampada em mais de três metros de altura em pleno bairro Pinheiros, não tem preço”, afirma a publicitária Rosa Morena Felipe, 31 anos, vizinha da escadaria batizada como Marielle Franco.

Os grafites na escadaria foram produzidos por um coletivo formado somente por mulheres. 

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.