Dividir a capital paulista em centro e periferia é coisa do passado. O que existem são várias São Paulo em uma só cidade com características encontradas tanto no centro quanto na periferia. Essa é a conclusão do estudo feito por pesquisadores do NEV (Núcleo de Estudos da Violência), da USP, que identificaram oito padrões urbanos na capital.
Segundo Marcelo Nery, um dos autores do estudo, no senso comum se atribui ao centro de uma cidade características como acesso a serviços de lazer e saúde, por exemplo, melhor infraestrutura urbana, emprego. Ou seja, é a região rica da cidade, onde muitas pessoas transitam, mas não moram.
Já a periferia da cidade tem pouca infraestrutura urbana, é mais violenta, o local onde as pessoas só voltam para dormir e também é mais pobre. Porém, segundo o estudo, o espaço urbano de São Paulo é heterogêneo. Por isso, reduzi-lo a essa definição do senso comum de centro e periferia “ignora ou minimiza sua diversidade social, econômica e os usos do tecido urbano”.
“Existem periferias, no plural, e não uma única periferia. Por isso, é inadequado falar que a periferia de São Paulo é violenta. Apenas um fator isolado não permite uma boa caracterização de um lugar. A grosso modo, podemos dizer que existem várias São Paulo dentro de São Paulo”, afirma.
O que deve ser levado em conta, segundo Nery, é o quanto características como infraestrutura urbana, violência e moradia, por exemplo, são mais ou menos preponderantes em uma determinada área.
Os pesquisadores analisaram 19 indicadores, como habitação, mobilidade urbana e homicídios, condições sanitárias e de higiene, por exemplo. A partir dessa análise, encontraram oito áreas com características semelhantes.
No que se entende como centro geográfico, a pesquisa identificou dois grupos. O primeiro se caracteriza por ser uma área de grande atividade econômica, com urbanização antiga e onde mais se tem população flutuante, ou seja, onde as pessoas vão para trabalhar, estudar ou ter acesso à saúde, mas não moram.Já numa área um pouco mais expandida dessa região, está o segundo grupo, com a mesma infraestrutura do primeiro, só que com mais moradias.
Segundo o estudo, nesses dois grupos é possível encontrar características comuns às áreas mais periféricas, como favelas. Porém, não são as mais preponderantes. Assim como também não existem áreas de mananciais e rural, como nos demais grupos definidos.
Para Nery, conhecer esses diferentes padrões urbanos é fundamental para a apresentação de políticas públicas que atendam as reais necessidades das regiões.
Metrô muda a cara da periferia e bairros viram a bola da vez
Se no senso comum os bairros de Jardim Ângela, Campo Limpo e Capão Redondo, na zona sul de São Paulo, são lembrados pela violência da periferia, o estudo realizado pelo NEV/USP já aponta algumas áreas dessa região com as mesmas caraterísticas da região central.
O pesquisador Marcelo Nery diz que uma dessas característica é a urbanização, principalmente devido à chegada de algumas estações de metrô e à construção de prédios em terrenos que estavam livres ou após a demolição de casas antigas, como acontece em Pinheiros, na zona oeste.
Na estrada do Campo Limpo é possível encontrar tanto prédios em construção quanto já prontos para morar. Um deles foi construído no antigo clube de campo do Circolo Italiano. A torre de 23 andares oferece apartamentos de 41 a 45 metros quadrados.
“Essa região se tornou a bola da vez porque ainda tem terrenos vazios e casas baixas que são demolidas, além de ter boa infraestrutura”, diz o coordenador de produto imobiliário André Luís Gil, 43 anos.
A infraestrutura fica por conta de estações da linha 5-lilás, como a Campo Limpo e a Capão Redondo, e da linha 4-amarela, como a São Paulo-Morumbi e Vila Sônia.
Zona oeste
Na outra ponta da cidade, em Pinheiros, a rua Cardeal Arcoverde é um exemplo de área semelhante à região central. Isso porque, segundo Nery, ali havia casas construídas na década de 1930 e há boa oferta de serviços e infraestrutura.
Apesar de ser um bairro urbanizado, Nery ressalta que essa parte de Pinheiros passa por um processo de verticalização, e casarões estão sendo demolidos para dar lugar a empreendimentos de alto padrão.
Um casarão que existia no número 495, por exemplo, foi demolido no ano passado. Ainda não há nenhuma placa dizendo o que será feito no local, mas a comerciante Thamires Sanches, 28 anos, acredita que o destino será o mesmo de outros: um novo prédio de alto padrão. “O bairro mudou muito nesses 20 anos que moro aqui. As casas que ainda não foram demolidas viraram ponto comercial. Só aqui na Cardeal [Arcoverde] foram várias casas antigas demolidas”, diz.
O manobrista Nelson Sousa de Carvalho, 51, afirma que só no estacionamento onde ele trabalha foram demolidos um cortiço onde moravam cerca de 50 famílias, uma escola particular e uma casa para que em breve seja construído um prédio comercial.
“A verdade é que os pais vão morrendo e os filhos vão vendendo porque muitos deixam dívidas de IPTU, por exemplo. Aqui em Pinheiros vai ser igual a Moema [na zona sul]: não vai sobrar uma casa”, afirma.
Para sociólogo, estudo ajuda a planejar
O sociólogo Reginaldo Prandi afirma que o estudo é relevante para conhecer a cidade de São Paulo para, assim, poder atuar nela. “É uma ferramenta importante para o planejamento de ações do governo. “Essas intervenções devem ser feitas de acordo com as diferentes vocações urbanas que a cidade tem”, diz.
Professor emérito da USP e um dos fundadores do Datafolha, Prandi fez um estudo semelhante em 1985 que dividiu a cidade de São Paulo em cinco áreas homogêneas. Na época, o estudo foi aplicado em uma pesquisa eleitoral para saber como as diferentes áreas homogêneas da capital se comportavam na hora de votar.
O sociólogo lembra que a cidade se desenvolveu em razão de vários critérios, como a mobilidade
urbana, a especulação imobiliária e a oferta de emprego e serviços.
Ele afirma que num passado recente, a rua 15 de Novembro era conhecida como a “rua dos bancos” de São Paulo. Depois, o título de “centro financeiro” foi para a avenida Paulista, que hoje tem grande oferta de serviços. E outras avenidas, como a Brigadeiro Faria Lima e a Engenheiro Luís Carlos Berrini (nas zonas oeste e sul), hoje disputam a preferência de investidores.
“Não existe uma só São Paulo. A rigor, um único bairro tem diferentes características. Entender essa diversidade é como estudar a anatomia de um corpo”, afirma.
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