O distrito de Anhanguera, na zona norte, é o único em São Paulo onde há mais mortes por coronavírus na faixa etária inferior a 65 anos (52,5% do total). Há uma correlação direta entre idade dos mortos e perfil socioeconômico do distrito. Os dados são da prefeitura, tabulados pelo Agora.
O censo de 2010 estima que a população da área seja de 60 mil habitantes. Mas Anhanguera é um dos bairros que mais crescem na cidade, segundo projeções dos conselheiros regionais.
A maior parte do bairro é englobada pela comunidade do Morro Doce. A economia se baseia em pequenos comércios, com poucas indústrias ou empresas de grande porte. Por isso é comum que os moradores se desloquem por grandes distâncias, utilizando o transporte coletivo para chegar até o trabalho.
No distrito, há apenas quatro Unidades Básicas de Saúde (UBS) e uma Assistência Médica Ambulatorial (AMA) para prestar atendimento a quem precisa. A relação entre desigualdade e faixa etária pode ser feita quando se leva em consideração a região onde morava a vítima da doença.
Os 10 distritos com maior percentual de mortos entre quem tem menos de 65 anos estão na periferia extrema da capital. Depois de Anhanguera, vêm os municípios de Lajeado, Cidade Tiradentes, Iguatemi e Vila Jacuí e todos ficam na zona leste.
Enquanto em bairros ricos a concentração é bem menor: em Alto Pinheiros, onde moram ex-presidente, ex-ministros e banqueiros, ninguém que não fosse idoso morreu em decorrência do coronavírus.
Na sequência vêm os bairros de Pinheiros, Perdizes, Jardim Paulista e Saúde, com apenas uma morte a cada dez por pessoas com menos de 65 anos. Em média, 7,2% dos mortos tinham menos de 45 anos, mas esse percentual cresce conforme aumenta a pobreza, chegando a 18% no distrito de São Rafael, no extremo leste da cidade.
Na média, 31,8% das vítimas da Covid-19 na capital (suspeitos e confirmados) tinham menos
de 65 anos.
Saneamento
Na avaliação de Carlos de Lima Luis, conselheiro gestor da UBS Morro Doce, no distrito de Anhanguera, a desigualdade acaba aumentando os riscos.
“Anhanguera tem ainda o problema seríssimo de falta de saneamento básico. Existem muitas casas construídas na beira do córrego, em locais de risco, áreas que não têm luz nem água encanada. As famílias são grandes e se amontoam em casas de dois cômodos.”
“Daí a saúde, que já é precária, não dá conta. Mas o grande vilão mesmo é a falta de conscientização sobre a importância de adotar as medidas de proteção, especialmente entre os mais jovens, que acham que não precisam se preocupar”, afirmou.
Poucos usam máscaras, relata morador
O morador de Anhanguera, Romário Santana, de 24 anos, anda pelas ruas da região sem máscara. O acessório de proteção só é colocado em momentos bem específicos, para entrar em mercado ou pegar um ônibus, durante poucos minutos do dia. No restante do tempo fica sem o acessório.
O rapaz tem medo da doença, mas explicou que não usa a máscara porque desde o início da quarentena poucas pessoas do bairro têm usado e então ele acabou relaxando também.
“Quem usa máscara por aqui é só idoso mesmo. Os jovens colocam só por pouco tempo e depois logo abaixam pro queixo ou guardam na mochila. No começo tinha fiscalização, mas nas últimas semanas é difícil ver. Aqui tem muita comunidade, então não é comum ver a polícia. Bares, barbearias, lojas já tinham certo movimento, depois da flexibilização está parecendo vida normal, como se nunca tivesse existido
pandemia”, relata.
O conselho de saúde de Anhanguera recebeu, no início da pandemia, 70 máscaras para doação. Elas seriam destinadas especialmente aos jovens, que ainda não estavam usando os acessórios em massa. Apenas uma unidade acabou distribuída a um morador adolescente.
Precariedade dos bairros prejudica atendimento
Para o infectologista do Hospital Emílio Ribas Leonardo Weissmann a pandemia evidencia como um país desigual tem mais dificuldades de assegurar a saúde de seus cidadãos.
“Nas regiões mais distantes e com nível socioeconômico mais baixo, há pessoas vivendo em condições precárias, muitas em aglomerações. Em muitos casos, os moradores sabem o que é necessário fazer, mas não tem sabão nem álcool gel para higienizar as mãos. Além disso, o acesso aos serviços de saúde é mais difícil“.
Infectologista e professora da Faculdade de Medicina da USP, Vivian Avelino-Silva afirma que a idade dos moradores dos bairros tem impacto direto na diferença. Em locais onde há mais jovens é natural que a proporção de óbitos nessa faixa etária seja maior.
Segundo dados da prefeitura, Anhanguera tem seis vezes mais jovens do que Pinheiros, por exemplo.
A infectologista, porém, também ressalta outro fator. “Muitas vezes as pessoas jovens têm mais dificuldade para ficar em isolamento do que as pessoas mais velhas.”
Resposta
A Secretaria Municipal da Saúde (SMS) esclarece que os mais de mil equipamentos de Saúde têm prestado atendimento para todos os casos, independentemente de diagnóstico confirmado ou suspeita da Covid-19, o que tem contribuído para o controle da pandemia, principalmente nas áreas mais afetadas da cidade.
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