A duas semanas do retorno das aulas presenciais na rede pública, a auxiliar de cozinha Claudia do Amaral, 33, ainda não conseguiu decidir como os três filhos cumprirão o novo ano letivo. "O meu coração está dividido." A dúvida é porque, ela diz, sabe que o aproveitamento das aulas remotas foi longe do ideal, e, por outro lado, tem receio de que os três peguem ou transmitam a Covid-19.
O método de retorno das redes estadual, no dia 8, e municipal, no dia 15, é semelhante. Nas duas, o retorno deve ter no máximo 35% de ocupação das salas e a adesão às atividades presenciais é facultativa nas fases vermelha e laranja do Plano São Paulo.
No começo das aulas pela internet, o filho mais novo de Claudia, Antônio, 8, o único que mora com ela, até conseguiu acompanhar as aulas. Mas quando o celular que ele usava quebrou, a rotina de estudos ficou complicada.
"Indo para a escola eu já tenho que pegar no pé dele para estudar. Em casa, não tendo ninguém para acompanhar, foi um ano desperdiçado, ele não aprendeu nada. Por um lado, eu quero que volte para as aulas presenciais, mas também não quero porque tenho medo de ele pegar essa doença."
De acordo com Adriana Alvarenga, chefe do escritório de São Paulo do Unicef, o retorno presencial das aulas —levando em conta a situação de cada município— é uma decisão acertada. O afastamento das crianças do ambiente escolar por um período tão longo, ela diz, impacta tanto no aprendizado, mas também na saúde mental das crianças, e aumenta o risco de situações de violência.
“Desde que [o retorno presencial] seja feito de forma segura, deve ser realizado.” Esse retorno, ela afirma, deve acontecer seguindo protocolos como o distanciamento das mesas, uso de máscara e limpeza das mãos de crianças e educadores."
Henrique Pimentel, subsecretário de articulação regional da Secretaria da Educação do Estado de SP, diz que o que mudará, de acordo com o nível da quarentena, são regramentos como a capacidade. “A escola vai se manter aberta nem que seja para receber o estudante que precisa ir na escola e usar o computador com internet”, afirma.
Maior preocupação é o filho trazer o vírus para casa
Para o aposentado Carlos Magalhães, 60, a decisão está tomada. “Numa situação dessa [de aumento de casos], mandar a criança para a escola é pegar Covid. Eu não vou mandar os meus filhos.” Ele é pai de Bianca, 5, e Gustavo Gabriel, 11.
A escolha, diz, é a despeito do rendimento das crianças com a educação a distância. “Nunca é como a aula presencial. O que eu critico é a situação da Covid, mas o lugar de criança é na escola mesmo.” A internet instável e a dificuldade em ensinar foram os obstáculos.
A empregada doméstica Maria Aparecida da Costa, 46, também tem dúvidas sobre o retorno presencial. “E eu acho que muitas mães estão nessa situação”, afirma. Tanto ela, que cursa o Ensino Médio na EJA (Educação de Jovens e Adultos), quanto a filha, Gabriela, 15, deixaram as aulas no ano passado porque não conseguiam acompanhar.
Em contato com a escola, ela decidiu que só voltariam quando fosse possível ter aulas presenciais. Agora, não tem certeza. “A gente imaginava que já teria uma vacina, mas estamos vendo que essa pandemia vai longe.” O maior medo, Aparecida afirma, é expor a mãe, de 76 anos, ao coronavírus.
Já a auxiliar administrativa Bruna Tomaz, 34, decidiu que os filhos, Kimberly, 10, e Renan Roberto, 5, voltarão à escola. “Se formos esperar todo o vírus sair, vamos ficar quanto tempo sem fazer nada, sem aprender? A gente tem que aprender a conviver com ele e tomar todos os cuidados”, diz.
Sindicato dos professores contesta volta
A expectativa de retornar às salas de aula no estado no próximo mês é “preocupante”, afirma Maria Izabel Noronha, presidente da Apeoesp (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo). “Não adianta dizer que vai ter segurança. Que segurança? A maior segurança que temos que ter é a de controlar o vírus.”
O objetivo do sindicato é de que as aulas presenciais retornem somente quando a pandemia estiver sob controle, e os profissionais, vacinados. Até lá, ela diz, a orientação do sindicato é de que os professores não devem ir aos colégios. Ela afirma que o retorno é motivado por pressão econômica.
Henrique Pimentel, subsecretário de articulação regional da Secretaria da Educação do Estado de SP, afirma que o retorno do professor ao posto será obrigatório. “Nesse momento, não é mais uma opção do professor voltar ou não, é uma convocação. A atividade do professor será presencial.”
De acordo com ele, somente os profissionais acima de 60 anos ou que fazem parte do grupo de risco serão liberados da carga horária presencial. O retorno dos professores é obrigatório também na rede municipal, segundo a Secretaria Municipal da Educação.
Infectologistas também estão divididos sobre volta
Além dos pais, a avaliação de infectologistas sobre o retorno às aulas presenciais também tem divergências. De um lado, a infectologista pediátrica Luciana Becker Mau, do Ciência pela Escola, afirma que é possível o retorno seguro.
De acordo com Luciana, por seguir protocolos, a escola é um ambiente mais seguro que as opções a que pais têm recorrido para deixar os filhos, como creches clandestinas ou sozinhos em casa. “A escola, com protocolo de segurança, é um local muito seguro. A chance de ter caso secundário é pequena. Considerando isso, a escola reflete a transmissão na comunidade: as pessoas pegam a doença onde não tem protocolo.”
Há de se levar em conta, diz a médica, que ainda não há estudos para a vacinação de crianças. “Condicionar a volta a isso é uma ilusão.” E, também, que profissionais do grupo de risco não devem voltar ao trabalho. Os filhos dela, afirma, têm frequentado a escola.
Já o infectologista Cláudio Gonsalez vê a medida como precipitada. “Na minha visão, não deveria abrir nada, é muito precoce. Estamos com a vacina começando agora. Quem sabe, daqui a dois meses, com a situação estabilizada, a gente deveria reabrir. Reabrir agora é morrer na praia, que é o que aconteceu no fim do ano.”
Segundo ele, na posição de pai, não mandaria os filhos para a escola agora. “Mesmo que seja um mínimo contingente de transmissão, a consequência é grave. O temor é a gente não ter aparato de saúde para segurar todo mundo.”
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