Descrição de chapéu trânsito

Vacina traz alívio, mas não desliga sinal de alerta em imunizados

Primeiros da fila da vacina, idosos e profissionais de saúde relatam suas alegrias e preocupações

São Paulo

“Eu tinha medo de morrer e pensava muito nisso. Sempre dormi bem, mas tinha uns pesadelos e acordava preocupado. Achava que eu tinha o vírus. Agora que eu tomei a vacina [contra a Covid-19] está melhor. Mas essas mutações que estão por aí fazem sofrer e derrubam a pessoa”, disse Luiz Altino Ferreira da Silva Correa, 79 anos, um dos idosos da Senior Vita Residence.

O espaço é uma das instituições de longa permanência para idosos, as chamadas ILPIs, que integraram os primeiros grupos a serem vacinados contra a Covid-19, que incluíram ainda profissionais da linha de frente no combate ao coronavírus e população indígena,

Na última semana a reportagem entrevistou idosos em ILPIs e profissionais de saúde que atuam nas mais diferentes frentes e o consenso é de que estar vacinado gera uma sensação de alívio, porém, o fato de não ter parentes e amigos vacinados não permite que ninguém “baixe a guarda”.

Idosos reunidos na instituição de longa permanência Residencial Vila dos Sonhos; divididos entre a alegria e o temor por quem não tomou a vacina - Zanone Fraissat/Folhapress

“Eu confesso que não me sinto tranquila, um pouco aliviada sim, mas como funcionários, nós e os demais funcionários precisamos usar transporte coletivo, e corremos o risco de serem contaminados mesmo após a vacina”, afirma a enfermeira Valdelia da Silva Costa, de 36 anos, que atua na Senior Vita e tem contato com o senhor Luiz.

Dizendo-se ao mesmo tempo alegre por ter sido imunizada mas preocupada por ver que poucas pessoas receberam a vacina, Maria Helena Anuardo, de 81 anos, do Residencial Vila dos Sonhos, afirma que o que mais sente saudade é de abraçar as pessoas. “Máscara incomoda, mas fazer o quê, tem que se cuidar e usar. A gente fala por telefone, ouvir a voz dos parentes ajuda, uma videochamada. Mas o que eu tenho mais saudade é de dar um abraço”, afirma.

Segundo a administradora hospitalar Andréa Bueno, 49 anos, da Senior Vita Residence, a imunização de todos do espaço melhorou o ambiente interno do local. Mas o sinal de alerta ainda está ligado. “Eles [idosos] estão mais tranquilos e sentimos que eles estão ‘respirando melhor’. Porém, não estão de todo sossegados, principalmente pelas notícias sobre a pandemia”, afirma.

Regras nas ILPI's

Na véspera das visitas dos parentes, o clima de ansiedade e felicidade se espalhava pelo ar no Residencial Vila dos Sonhos. Afinal, era o momento em que as idosas poderiam conversar, abraçar, beijar e estar perto daqueles que elas mais amam. Veio a pandemia e, para preservá-las, ficou acordado com elas e com os parentes que as visitas ficaram suspensas, fase que durou oito meses e só foi retomada recentemente, após a vacinação.

E, mesmo assim, de forma limitada segundo escolha das próprias idosas e seus familiares, segundo conta a enfermeira Áurea Tayne Rao, proprietária do espaço.

“Ficou acordado que as visitas só serão liberadas para as residentes novas que ainda se sentem um pouco isolada das demais. Mesmo assim, com hora agendada, obedecendo o distanciamento de dois metros, sempre com máscara, avental e não podendo beijar, abraçar e nem tocar. Neste momento obedecer a essas regras é um ato de amor”, diz.

Na Senior Vita Residence, as visitas foram mantidas, porém, parentes e idosos ficaram separados por um vidro, sem possibilidade de contato, segundo a farmacêutica Alessandra Benitez, proprietária do espaço. A frieza do vidro já não existe mais. Agora, parentes e idosos podem se encontrar em uma sala, desde que respeitem o distanciamento de dois metros e todos com EPIs (equipamento de proteção individual).

“Todos estavam ansiosos para se ver e a vacinação trouxe uma tranquilidade adicional”, afirma Alessandra.

Almoço em família

O simples ato de compartilhar uma saborosa refeição de domingo com familiares está longe de acontecer para muitos profissionais de saúde da linha de frente do combate ao Covid-19. Isso mesmo após terem recebido as duas doses do imunizante, como no caso do auxiliar de enfermagem Felipe Maciel Campagnoli, de 34 anos, o primeiro a ser vacinado na cidade de São Caetano do Sul (região do ABC paulista).

O auxiliar de enfermagem Felipe Maciel Campagnoli, 34 anos, que foi a primeira pessoa a ser vacinada na cidade de São Caetano do Sul (ABC) - Rivaldo Gomes/Folhapress

“Sinto-me privilegiado por ter recebido as doses e isso dá uma tranquilidade maior para trabalhar. Porém, está mais corrido agora do que no ano passado. Moro sozinho e evito a visitar a casa dos meus pais”, afirma

Trabalhando 12 horas por dia há um ano dentro da UTI (Unidade de Terapia Intensiva) Covid do hospital Euryclides de Jesus Zerbini, Campagnoli diz que a exaustão que diz sentir só não é maior do que o desejo para que todos sejam imunizados logo.

O médico Júlio César Garcia de Alencar, 31 anos, que atua como assistente do pronto-socorro da Clínica Médica do HCFMUSP (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo), a porta de entrada para pacientes com Covid-19 na instituição, foi imunizado no dia 17 de janeiro, momentos depois da primeira brasileira a receber o imunizante, a enfermeira Mônica Calazans.

“Não dá para relaxar. Apesar de morar com minha família, fico isolado. Mantenho os mesmos cuidados, colocando minhas roupas em lugar separado. Ainda não consigo participar do almoço em família”, afirma.

Mesmo já estando imunizado, o coordenador da UTI pediátrica do Hospital Márcia Braido, o médico Walter Perez Scaranto, afirma não ser possível ficar tranquilo. “Temos muita chance de ser contaminados. Não posso relaxar medida alguma. Tenho minha mãe idosa, mulher que ainda não foi imunizada”, afirma.

​Para se precaver, a mulher de Scaranto, que tem diabetes e, portanto, está no grupo de risco, foi passar uma temporada com uma prima em um sítio. “Foi uma medida extrema. Mas é uma precaução”, diz o médico.

Especialista diz que é cedo para ficar tranquilo

Para o médico sanitarista e professor da Faculdade de Saúde Pública da USP (Universidade de São Paulo) Gonzalo Vecina Neto, uma das maiores referências no país em políticas de saúde, ainda é muito cedo até para quem já está imunizado ficar tranquilo.

“Bom, estamos muito distantes da imunidade populacional. Estamos ainda no comecinho da vacinação. Dá, no máximo, para falar que vem diminuindo o número de infecções nas novas faixas etárias que foram imunizadas”, afirma.

Ele alerta que as novas variantes do coronavírus expõe a todos, e que as pessoas já imunizadas estão apenas um pouco melhor do que as demais. “Não dá para relaxar”, diz o especialista em saúde pública.

Segundo Vecina Neto, o ideal é o que o país fosse imunizado em massa tal como ocorreu em Serrana, município do interior paulista onde 97,3% dos moradores receberam a Coronavac, em um estudo inédito que tem como objetivo analisar qual o impacto da medida na contenção do novo coronavírus.

“Nós queremos vacinar todas as pessoas com mais de 18 anos, portanto, estamos falando em 180 milhões de brasileiros”, afirma o especialista.

Vecina Neto diz que só não inclui na lista os menores de 18 anos pois os testes clínicos realizados até o momento pelos laboratórios avaliaram apenas os efeitos das vacinas em adultos.

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