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Queda nas doações dificulta a busca por comida nas comunidades de SP

Sem fonte de renda durante a pandemia, milhares de famílias dependem da ajuda para sobreviver

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São Paulo

Arroz, e só arroz, foi o almoço de Maria América de Souza, 53, e de seus cinco filhos nesta quinta-feira (18). Ela contava com a doação de marmitas que o G10 das Favelas, em Paraisópolis, zona sul, realiza todos os dias, mas, como teve que buscar a filha em um atendimento médico, perdeu a hora. Às 12h05 as cerca de 700 quentinhas já tinham sido distribuídas. "Tem que vir mais cedo para conseguir."

As primeiras pessoas da fila chegam ao Pavilhão Social do G10 por volta das 9h para a distribuição, que começa somente às 11h. Chegar cedo é a única saída das famílias para tentar garantir uma refeição especialmente pela redução das doações que a entidade recebe.

Segundo Elizandra Cerqueira, líder comunitária e coordenadora da Operação de Combate à Fome do G10, a oferta diária de refeições chegou a alcançar 10 mil unidades por dia entre março e abril do ano passado, nos primeiros meses da pandemia, mas desde janeiro deste ano estão em 700. As quentinhas começaram a ser entregues há exatamente um ano para ajudar as famílias durante a pandemia.

Fila de mães com as crianças à espera da distribuição de marmitas no Pavilhão Social do G10, em Paraisópolis, na zona sul de SP - Lalo de Almeida/ Folhapress

"Não tem outra coisa pra fazer, só o arroz, mas eu dou um jeitinho. Talvez tenha alguma folha", diz Maria. Desempregada, ela busca a marmita todos os dias desde o início da pandemia para alimentar a família. Atualmente, a única renda da casa é um benefício por invalidez que uma das filhas recebe.

Com a diminuição das doações, o G10 teve que racionar a distribuição. Antes, era entregue uma marmita para cada pessoa da família. Agora, são no máximo duas por casa. Quando há mais bocas que comida, o jeito é dividir.

Foi o que fez Alexsandro Júnior da Silva, 26, um dos primeiros da fila. "Na minha eu coloco farinha para render mais e dou o resto para as crianças, porque elas não entendem." Ele e a mulher estão desempregados e têm filhos de um e quatro anos para alimentar.

Alexsandro caminhou mais de uma hora, desde o Jardim Panorama, para garantir que conseguiria as marmitas. "Eu estava desesperado, não sabia o que ia fazer. Estou sem gás há quatro dias, não teria o que comer", diz ele, que veio da Bahia há um ano para "tentar uma vida melhor", mas ainda não conseguiu trabalho fixo. "Por causa da pandemia, a gente não acha emprego. Só estão mandando embora."

Conforme a hora vai avançando, na tentativa de atender o maior número de pessoas possível, a distribuição muda para apenas uma marmita por família. Na quinta, isso aconteceu a partir das 11h20. Às 12h, com uma fila grande ainda na porta, a gestão da entidade decidiu entregar as marmitas que estavam reservadas para os funcionários para não deixar as famílias de mãos vazias.

"Estamos hoje praticamente escolhendo quem come e quem não come porque a gente não consegue entregar para todos", afirma Elizandra. Além das quentinhas, quando há, são distribuídas também algumas hortaliças, como tomate e abobrinha.

Voluntário entrega marmita para moradora da comunidade de Heliópolis, na zona sul; entidades enfrentam dificuldades para conseguir alimentos - Ronny Santos/ Folhapress

Uma das preocupações das pessoas que esperam a comida é se o auxílio emergencial, que aliviou as contas no início da pandemia, vai voltar. "Eu pagava as minhas contas com ele, agora estou todo atrapalhado, não sei o que fazer", diz Leôncio Carneiro, 52.

Leôncio é mais um desempregado na fila, com um botijão de gás vazio desde o início do ano porque não tem dinheiro para reabastecer. "Faço um bico aqui e ali para me sustentar, mas agora não posso trabalhar por causa da pandemia. A minha vida é essa, é o único jeito." Como mora só, as duas marmitas que recebe pelo menos cobrem almoço e jantar.

Mãe solteira com três filhos em casa, sem fonte de renda e vivendo de doações, a preocupação de Adriana Santana, 39, é com a saúde das crianças. Ela chega cedo na fila porque teme que, sem comer, adoeçam. Ela já perdeu uma irmã por causa da Covid-19. "Estou tentando manter pelo menos a alimentação de qualidade deles, para evitar que peguem um resfriado."

Entidades racionam doações por falta de insumos

Com estoques baixos de alimentos, o G10 das Favelas, em Paraisópolis, zona sul, precisou diminuir o volume de marmitas entregues na tentativa de prolongar a assistência. A ação teve início em 19 de março do ano passado e, com o volume de comida que recebia, em poucos dias alcançou a marca de 10 mil refeições entregues por dia.

Desde dezembro, contudo, caiu muito o número de doações, segundo Elizandra Cerqueira, líder comunitária e coordenadora da Operação de Combate à Fome do G10.

"Começamos 2021 com a fila mais que dobrada em relação ao ano passado e com uma queda grande nas doações." Com o prolongamento da pandemia e muitas pessoas desempregadas na comunidade há muito tempo, o cenário só tem piorado, ela diz.

O racionamento também foi necessário em Heliópolis, zona sul. Desde dezembro, as doações que eram distribuídas para as famílias praticamente zeraram, diz Marcivan Barreto, presidente da Cufa (Central Única das Favelas) no estado. Ano passado, eram distribuídas por lá 2.000 cestas básicas, mas, desde novembro, são apenas 400.

Desde fevereiro, na saída encontrada para tentar contemplar o máximo de pessoas foi desmontar as cestas e distribuir quentinhas. Por lá, são entregues até mil unidades por dia, mas isso não é suficiente para a demanda.

"Muitas vezes a gente não consegue chegar no final da fila. E aí não tem o que fazer, é desolador você ver uma mãe chorar com fome", afirma Marcivan. Em Heliópolis, por causa do número de pessoas, apenas uma marmita é entregue por família.

Um dos agravantes na região é que, segundo ele, a maior parte dos moradores da comunidade vive de trabalho informal, muito impactado desde o início da pandemia. "A renda deles é o que conseguem agora. Vendem hoje para comer amanhã. Na pandemia, que fechou tudo, em uma semana elas já não tinham o que comer em casa."

Doações são necessárias para trabalho continuar

Desde o início da pandemia, as entidades dependem do apoio de empresas e pessoas físicas para oferecer as refeições para as famílias em situação de vulnerabilidade.

Para ajudar o G10 das Favelas, que atua em Paraisópolis, é possível doar pelo site g10favelas.org. A entidade também recebe doações de alimentos na sede (rua Itamotinga, 100, Paraíso do Morumbi) ou valores em dinheiro por Pix (chave 12.772.787/0001-99).

As doações para a Cufa podem ser feitas pelos sites maesdafavela.com.br e cufa.org.br ou entregues diretamente na sede da Cufa Heliópolis (rua Coronel Silva Castro, 151, Cidade Nova Heliópolis). Para mais informações, o telefone de contato é 11 94303 5584.

Na Brasilândia, o MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) começou, em 13 de março, a distribuição de 100 quentinhas para pessoas em situação de vulnerabilidade. O movimento recebe doações pelo site apoia.se/cozinhasolidaria ou na sede da entidade (rua Donato Álvares, 187, Jardim Damasceno).

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