Por que não levaram meu filho para um hospital?, diz mãe de rapaz que morreu na fila de UTI

Renan Ribeiro, 22 anos, foi a primeira vítima na cidade de São Paulo a morrer à espera de vaga na UTI

São Paulo

Um amante da vida, dos amigos, do Corinthians e cheio de sonhos, a ponto de, aos 20 anos de idade, já ter o seu próprio negócio. Foi assim que Maria de Jesus Ribeiro de Andrade, de 56 anos, definiu o filho, Renan Ribeiro Cardoso, de 22 anos, morto no dia 13 deste mês e, oficialmente, a primeira vítima da cidade de São Paulo que morreu à espera de um leito de UTI (Unidade de Terapia Intensiva) para Covid-19. Segundo prefeito Bruno Covas (PSDB), ele esperou 46 horas pela vaga na UTI mas não resistiu.

Na tentativa de tentar evitar o colapso total no sistema de saúde, o Bruno Covas anunciou nesta quinta-feira (18) a ampliação no rodízio de veículos e também antecipação de feriados na capital. “Não dá mais para a gente ter um jovem de 22 anos que vem a óbito em 46 horas por não conseguir um leito de UTI na cidade de São Paulo”, disse Covas em entrevista à imprensa.

Renan em imagem do começo do ano em que ele dizia que sua intenção era "viajar o mundo" - Arquivo Pessoal

Inconsolável e chorando na maior parte dos 30 minutos em que concedeu essa entrevista ao Agora para falar do filho, Maria de Jesus, mais conhecida no bairro Recanto Verde do Sol, extremo da zona leste de São Paulo, por Nuda Miro, questionava o motivo pelo qual seu filho havia morrido. E também pelo fato de não ter recebido um melhor atendimento. “Por que não levaram meu filho para um hospital que tinha recurso?”, afirmou, por mais de uma vez.

Ela conta que Renan não fumava, só saía de casa para trabalhar e tomava todas as precauções devidas para se prevenir contra a Covid-19. “Por que Deus levou meu filho moço, me diz moço, por quê? Eu sou diabética, por que não eu? Ele não tinha vício nenhum, era trabalhador, cheio de sonhos”, questionava-se.

A versão é confirmada pela prima, Érica, que classificou o primo como "forrozeiro" antes da pandemia. Mesmo corintiano, ele fez questão de comprar um bolo verde para comemorar o aniversário do pai, torcedor do Palmeiras. "Era muito animado e animava todo mundo. Mas, ultimamente, só com a família mesmo", diz a prima.

Apesar de seus 172 kg distribuídos em seus 1,82 metro de altura, Renan não apresentava queixa alguma de saúde, segundo sua família. Porém, na tarde do sábado, dia 6 de março, ele percebeu algo errado. Ao ir comprar produtos para a mãe num supermercado junto com a prima, Erica Cardoso, de 26 anos, percebeu que não conseguia sentir o aroma do amaciante de roupas, um dos ítens da lista de compras.

“Ele voltou para a casa, me contou e ficou apavorado”, diz a mãe.

Corintiano e dono de uma pizzaria há dois anos, mãe diz que Renan era cheio de sonhos - Arquivo Pessoal

Sintomas

Renan foi até uma farmácia do bairro vizinho da Terceira Divisão, na região de Iguatemi, também no extremo da zona leste, e fez um exame. O resultado deu negativo e ele voltou para casa.

“Logo ele começou a piorar, dizia que sentia dores, coisa que ele nunca teve”, lembra dona Nuda.

As dores eram tamanhas que dificultaram o seu trabalho na pizzaria Ribeiro Cardoso, fundada por ele há dois anos depois de passar algum tempo ajudando o pai, Valmir Cardoso, na Mirô Salgados, que funcionava no andar de cima da casa da família. Experiente em produzir esfihas, fogazzas e risoles, o pai era quem fazia as massas das pizzas. Um pizzaiolo contratado por Renan fazia as pizzas e ele gerenciava o negócio.

Sem conseguir trabalhar direito pelas fortes dores que sentia no peito e costas, ele foi em outra farmácia e foi orientado pelo profissional a procurar um serviço especializado, já que apresentava todos os sintomas de Covid-19.

Já com falta de ar, Renan começou a sua peregrinação por unidades de saúde até a sua morte à espera de um leito de UTI. Segundo a família, em ao menos duas vezes ele foi mandado de volta para casa. “Numa delas perguntaram se ele era ansioso e ele disse que sim. Como a saturação dele não estava tão ruim, mandaram para casa”, afirma a prima, Érica.

Peso

Em uma dessas passagens, ele teve de aguardar atendimento numa cadeira por não ter uma maca disponível que sustentasse o seu peso.

Já com o exame positivo para Covid-19 em mãos, fornecido quando ele foi atendido na UBS (Unidade Básica de Saúde) Canto do Sol, no dia 10, ele foi buscar socorro no Pronto Atendimento São Mateus 2, já no início da noite do dia 11. Seu quadro de saúde piorou rapidamente e ele morreu às 17h19 do dia 13, após ficar 46 horas à espera de um leito de UTI.

“Não chegou socorro para o meu filho, o meu único filho. E ficavam devolvendo ele. Esse jovem que todos estão falando aí nas televisões era o meu filho. E Deus me tirou ele”, afirma a mãe, ao lembrar das tentativas do filho em procurar auxílio médico e a repercussão que o caso está tomando.

Ainda segundo dona Nuda, sempre que o filho avistava alguém sem máscara na rua dizia que a pessoa não se preocupava com a própria saúde e nem mesmo com a dos amigos e parentes.

“Ele era gordinho, mas era muito bem”, diz Érica, que acompanhou o primo em toda a sua jornada na tentativa de procurar socorro médico.

Um grupo de entregadores, parte deles que trabalhavam na pizzaria, fez uma homenagem em frente à casa de Renan – onde também funciona a pizzaria e a Mirô Salgados, do pai do jovem – tudo filmado pela mãe e postado no perfil do jovem.

A dor da família é aumentada pelo fato do pai, seu Valmir, do Mirô Salgados, também ter apresentado os sintomas. Ele não estava na casa da família pois saiu para fazer o teste de Covid-19. "Ele não está bem", diz dona Nude.

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