Em tempos de pandemia, o trabalho de assistência espiritual por meio da capelania hospitalar, feito de forma voluntária geralmente por católicos e evangélicos, traz ainda mais desafios. Além dos hospitalizados, os capelães também atuam junto aos acompanhantes e funcionários dos hospitais.
A grave situação também reserva momentos inusitados, já que a simples presença de um religioso ou capelão próximo a um leito de UTI (Unidade de Terapia Intensiva) pode ser vista como um sinal ruim pelos demais internados no hospital.
“Alguns até brincam dizendo que não estão morrendo. Por isso, devemos tomar muito cuidado com a maneira que abordamos”, diz o padre camiliano Renato Prado de Faria, que atua na unidade Ipiranga da rede de hospitais São Camilo.
Os protocolos sanitários levaram algumas instituições a suspender a entrada desses voluntários, como no caso dos hospitais municipais e filantrópicos tais como a Santa Casa de Misericórdia. Na rede estadual, esse trabalho não está vetado, porém, conforme nota da Secretaria Estadual de Saúde a pandemia levou à alteração de fluxos e serviços internos, o que inclui a assistência religiosa e também a capelania.
A saída encontrada por muitos capelães é a de se valer de meios eletrônicos como celular, tablet, notebook ou computador para oferecer assistência espiritual, principalmente para os familiares, já que a Covid-19 impede visitas.
É o que tem feito o pastor da Assembleia de Deus José Carlos da Silva, presidente executivo da Oceb (Ordem dos Capelães do Brasil).
“É uma decisão que preserva não só o capelão e o enfermo. Temos total consciência da série de cuidados que precisam ser tomados em detrimento do que estamos vivendo e, além disso, há uma série de instituições que vetaram esse trabalho”, afirma.
Como a fase emergencial em vigor desde o dia 15 de março no estado de São Paulo impôs uma série de restrições inclusive para atividades religiosas, o funcionamento das capelas existentes em alguns hospitais também foi limitado.
É o caso, por exemplo, da capela Santa Catarina de Alexandria, que fica na área externa do hospital Santa Catarina, na Bela Vista, na região central. As celebrações estão suspensas, mas a capela fica aberta das 7h às 17h apenas para orações individuais.
Segundo o padre Alexandre Massariol, que é capelão do hospital Santa Catarina, internamente existe um espaço aberto 24 horas para quem se encontra hospitalizado ou mesmo para os funcionários da instituição.
Padre troca batina por jaleco branco
Logo no início da pandemia, no começo do ano passado, o padre camiliano Renato Prado de Faria, que também é enfermeiro, morava nos EUA. Transferido para o Brasil, optou por trocar temporariamente a batina pelo jaleco de enfermagem e ir para a linha de frente do combate à pandemia do novo coronavírus, onde permaneceu por dois meses, na fase mais crítica da doença em 2020.
Ele se vale de sua experiência como enfermeiro toda vez que precisa entrar em uma área mais crítica para prestar assistência espiritual. Para poder entrar em locais mais restritos como as UTIs (Unidades de Terapia Intensiva) Covid, ele troca toda a sua roupa e veste os EPIs (Equipamentos de Proteção Individual) necessários. Fora do hospital, padre Renato toma cuidados adicionais e faz suas refeições sozinho.
“A pessoa está aflita e quer alguém ali para não morrer sozinha. Isso dói.”
Ele diz que não se esquiva nem mesmo quando a família ou o próprio paciente solicita a unção dos enfermos. Para evitar o contato direto de sua pele com a do paciente, ele usa luva e algodão para espargir o óleo ungido na fronte, no peito e nos pés da pessoa que solicitou esse sacramento.
Apesar de ser profissional de saúde, o padre diz não ter sido vacinado
Principal característica é prestar atendimento laico
Segundo o presbítero Éric Massaro Baptista, capelão protestante ligado à Igreja Anglicana da Província Anglicana do Brasil, embora essa seja uma função exercida por religiosos, uma de suas principais características é que o atendimento deve ser laico.
“É fundamental sempre respeitar o credo da pessoa, seja ela ligada à religião que for. Eu não posso simplesmente chegar e falar que vou orar. Preciso trabalhar com base na crença da pessoa. Sempre que houver bandeiramento religioso não está de acordo com a laicidade necessária”, afirmou.
Embora não seja comum, é possível também que essa função seja exercida de forma remunerada. E existem cursos para isso.
Um deles é o CTC (Centro de Treinamento de Capelães Profissionais), onde o capelão Eric dá aulas de ética, moral e diversidade religiosa para os candidatos à capelania.
Algumas universidades criaram cursos de pós-graduação de capelania hospitalar como o Centro Universitário São Camilo, e faculdades Uninter e Futura. Também há cursos livres que podem ser feitos pela internet, em módulos, como o da Associação de Capelania na Saúde.
Atualmente existem até capelães não-cristãos. A Asbrac (Associação Brasileira de Capelania Civil) oferece curso de capelania também para religiões de matrizes africanas tais como umbanda, quimbanda e candomblé, entre outras.
Religiosos usam tecnologia para prestar atendimento a distância
Uma das maiores características dos capelães é a de estarem presentes para ouvir e dar assistência espiritual. Porém, a pandemia forçou o isolamento social, e levou à adoção de equipamentos para que o trabalho pudesse ter continuidade.
“A criatividade e a reinvenção pastoral estão sendo necessárias para se chegar até aqueles e aquelas que, mais do que nunca, precisam de uma palavra de conforto. As famílias também são abordadas de maneira presencial ou telepresencial. Nesse sentido, os meios de comunicação têm nos ajudado bastante”, afirma o padre Alexandre Massariol, capelão do hospital Santa Catarina.
Ele diz que faz uso de todos os aparatos necessários toda vez que lhe solicitam a unção dos enfermos.
As restrições impostas pelos hospitais levaram o pastor José Carlos Alves da Silva a adotar recursos como o celular e aplicativos de vídeo. “Estamos cada vez mais com os joelhos no chão orando por todos aqueles que necessitam. Pode ser a hora que for, a assistência espiritual que oferecemos também pode ser feita por uma ligação ou vídeo. O importante é o conforto”.
Capelão conta com ajuda de videochamada
No início da pandemia, o capelão Éric Massaro Baptista, da Igreja Anglicana da Província Anglicana do Brasil, prestava assistência espiritual para pacientes e familiares de pacientes no hospital da Vila Nova Cachoeirinha, na zona norte de São Paulo.
Com o recrudescimento da pandemia e restrições impostas pela prefeitura, o capelão Éric, como se apresenta nas redes sociais, decidiu oferecer sua assistência pelas videochamadas.
“Moro com pessoas que se enquadram no grupo de risco. Eu conto 100% com a fé, mas também conto 100% com a ciência”, afirmou o protestante.
“Todo mundo sabe dentro de uma denominação quem é aquele que geralmente visita os hospitais. A diferença agora é a ausência de contato presencial.”
Termo surgiu no século 17
Termo nascido em tempos de guerra no século 17, a capelania era exercida por um sacerdote que aconselhava os militares no campo de batalha. Pesquisadores indicam que esse sacerdote levava para o campo de batalha uma relíquia dentro de um oratório, que ficava numa espécie de tenda, onde os soldados iam buscar conforto.
Antes, a capelania era exercida apenas por militares e religiosos ligados à Igreja Católica. Com o tempo, passou a ser exercida por padres, pastores, presbíteros e outros religiosos não ligados ao cristianismo, nem somente às armas e ao clero. Com o tempo, capelão foi o termo empregado para designar aquele que cuidava da capela. Essa função teve continuidade mesmo em tempos de paz. O campo de atuação foi ampliado e hoje é possível encontrar capelães em colégios, prisões, cemitérios e hospitais.
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