O juiz Paulo Alberto Sarno, da 5ª Vara Cívil Federal de São Paulo, autorizou que o Sindicato dos Comerciários de São Paulo compre imunizantes contra a Covid-19 sem a necessidade de entregar as doses para o SUS (Sistema Único de Saúde), conforme prevê a lei 14.125/2021. Por se tratar de uma liminar, cabe recurso da decisão.
A decisão permite tanto a aquisição para os funcionários do comércio quanto para os seus familiares. Em São Paulo são cerca de 400 mil o número de funcionários do comércio. Segundo Ricardo Patah, presidente do Sindicato dos Comerciários de São Paulo, a medida pode beneficiar cerca de 1 milhão de paulistanos.
Dados do Vacinômetro do governo estadual indicam que, até agora, foram aplicadas 3.497.675 doses em moradores da cidade de São Paulo. Desse total, 2.128.655 foram para a primeira dose, e 1.309.020 para a segunda dose.
“Os comerciários estão na linha de frente da pandemia desde o começo. Eles podem tanto ficar doentes quanto transmitir a doença. E muitos já morreram ou estão enfrentando uma situação grave”, afirma Patah.
Segundo o dirigente, é interesse das próprias empresas imunizar os seus funcionários. Por enquanto, segundo ele, não existe tratativa com nenhum laboratório. Segundo diz, a decisão pode agilizar esse processo, já que as doses virão direto para os funcionários, sem a necessidade de serem encaminhadas ao SUS.
“É a área privada resolvendo uma questão que deveria ser resolvida pela esfera federal”, diz.
Direto
Em sua decisão, o juiz Paulo Alberto Sarno desobriga o sindicato a enviar uma parcela do que for adquirido ao SUS, conforme prevê a lei 14.125/2021.
Essa lei deu aval para que as empresas comprem as vacinas, desde que as destinem integralmente ao SUS, em forma de doação. Somente após a imunização de todos os grupos prioritários, que somam cerca de 80 milhões de pessoas em todo os país, é que será possível as empresas adquirirem as doses e ficar com 50% do total.
A imunização de todos os grupos prioritários está longe de acontecer. Até agora, foram aplicadas 49.605.059 doses, sendo 32.881.298 na primeira dose, e 16.723.761 com a dose de reforço.
Ao analisar o pedido do sindicato, Sarno diz não ser atribuição do poder judiciário a criação de políticas públicas, porém, ele afirma que a situação cria uma violação dos direitos fundamentais.
O juiz também cita números que ele extraiu do próprio site do Ministério da Saúde ao criticar os preceitos da lei. "Constata-se que a condição imposta pela legislação, no sentido de conferir à iniciativa privada a imunização direta somente após a vacinação de todo o grupo prioritário constante do Plano Nacional de Imunização, não se revela razoável, pois cria embaraço ao progresso efetivo do programa de vacinação", escreve.
Ele afirma ser notório que o Brasil caminha para uma possível e real terceira onda da Covid-19. "Sendo premente a necessidade de aceleração dos processos de imunização, não apenas pelo aspecto da saúde pública e preservação das vidas, que é o ponto principal a ser defendido, mas também por motivos de interesse socioeconômicos, no sentido de preservação econômica do País, cujos reflexos alcançam igualmente o direito à vida digna", escreve.
Para o magistrado, a compra pelo setor privado não irá interferir no programa nacional de vacinação gratuito. "A atuação da iniciativa privada, sem prejuízo daquela implementada pelo Estado, propiciará o incremento do programa para prevenção da doença, possibilitando a milhares de brasileiros acesso mais rápido à vacina, os quais, inclusive, poderão propiciar a seus empregados e colaboradores idêntica salvaguarda, especialmente àqueles que não contam com suporte financeiro para a aquisição, lembrando que a população somente estará amplamente protegida quando todos estiverem devidamente vacinados", diz trecho da decisão.
Por se tratar de uma tutela atencipada –quando o juiz antecipa a decisão– tanto o Ministério Público Federal quanto a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), já se manifestaram e defenderam a improcedência do pedido.
Procurados, tanto o Ministério da Saúde quanto a Anvisa não comentaram o assunto até a publicação deste texto.
Outros
Essa não é a primeira vez que uma entidade recorre à Justiça para furar a fila da vacina. Em fevereiro, os empresários Carlos Wizard Martins, do grupo Sforza, e Luciano Hang, da Havan, ambos aliados do presidente Jair Bolsonaro, disseram que a proposta seria levada adiante quando profissionais de saúde, pessoas acima de 60 anos e pacientes com comorbidades.
Um mês depois, em março, a ABCVAC (Associação Brasileira das Clínicas de Vacina) informou que iria à Justiça pelo direito das clínicas particulares não precisem doar vacinas ao SUS. A entidade informou, à época, que negociava a importação de 5 milhões de doses. A medida beneficiaria quem pudesse pagar pelos imunizantes.
A compra de vacinas contra a Covid-19 na rede privada é rara no mundo. Na Índia, maior produtor de vacinas do planeta, é possível comprar uma dose de imunizante contra a Covid-19 em hospitais particulares.
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