Chegar ao Miss Universo foi um desejo realizado pela gaúcha Julia Gama, que terminou em segundo lugar na 69ª edição do concurso, realizado no último dia 16, nos Estados Unidos. Tornar realidade uma vontade única seria só vaidade, por isso a atual Miss Brasil levou consigo o trabalho e a força de outras mulheres que lutam para manter suas famílias e esperanças de futuro melhor na comunidade de Paraisópolis (zona sul de SP), por meio do projeto Costurando Sonhos.
O vestido usado por Julia no jantar dos patrocinadores do evento foi criado pela estilista Michelly X e confeccionado pelas costureiras do projeto de Paraisópolis. ”Elas confeccionaram com todo o carinho e tive muita honra por usar esse vestido no Miss Universo. Foi muito elogiado. Eu me senti levando o Brasil comigo.“
A miss conta que já participa de ações na comunidade há mais tempo e que, ao conhecer o trabalho das costureiras, imaginou uma maneira de incluí-las em sua trajetória. ”Imediatamente já quis achar uma maneira de linkar esse universo de beleza, de moda, com a responsabilidade social, de trazer contribuição para a comunidade. Elas foram muito receptivas desde o início, me trataram muito bem“, afirma Julia.
Julia diz que, durante os dez dias de confinamento, as candidatas participam de vários eventos preliminares. São atividades como o jantar com patrocinadores, onde usou o traje feito em Paraisópolis. ”É um vestido sexy, feminino e, ao mesmo tempo, elegante, leve. Diferenciado, frente a outras propostas que as meninas levaram.“
Para Suéli Feio, uma das idealizadoras do Costurando Sonhos, o pedido para costurar o vestido foi uma bela surpresa. ”A gente ficou ‘meu Deus do céu, não é possível, será?’. É esse desejo de levar para fora uma outra Paraisópolis. Fala-se da criminalidade, mas a gente queria mostrar a moda, que tem todo o glamour. Tinha esse sonho, mas não sabia que estava tão próximo da gente“, afirma Suéli.
Sobre Julia Gama, sobram elogios. ”É uma pessoa muito acessível. Famosa, mas com muita humildade.“
É dar força para o talento, diz estilista
A estilista Michelly X afirma que o vestido idealizado por ela para Julia Gama foi pensado como uma criação básica. "Quem entrou com esse pedido foi a própria produção do Miss Brasil. Eles ligaram, perguntaram se eu toparia criar um vestido básico para as meninas da comunidade confeccionarem", afirma.
Segundo a estilista, é um vestido para reuniões, visitas e encontros do dia a dia, algo que acontece em inúmeros eventos dos quais participam as misses antes da final. "É curto, tradicional. Não queria criar algo muito complicado", conta.
Michelly também explica que, dessa forma, pôde contribuir com as costureira da comunidade. "É uma maneira de dar uma força para esse talento que existe lá. Muito gratificante. Feliz por ver a satisfação das pessoas. Fiquei contente."
Projeto já capacitou 250 profissionais
A idealizadora do projeto Costurando Sonhos, Suéli Feio, explica que o projeto já capacitou 250 mulheres por meio do Senai, sendo que 78 permanecem no grupo, que foi formado para ajudar inclusive as vítimas de violência doméstica.
Suéli ressalta a qualidade do trabalho desenvolvido por elas no galpão cultural do G10 das Favelas, dentro de Paraisópolis. "Quem é que costura para as grandes marcas? São as pessoas dos bairros, das comunidades, mas elas são anônimas. Ver uma peça usada por uma miss é algo muito importante", afirma.
O Costurando Sonhos tem uma marca própria, a Eleva, e já produziu vestidos para outras celebridades. Segundo Suéli, expor a produção feita ali é importante para dar visibilidade e fortalecer as mulheres de Paraisópolis. "A gente sabe que as pessoas querem mesmo é trabalho, ter o próprio dinheiro. Gerar dinheiro na comunidade é muito importante."
Ex-dona de casa mergulha no trabalho e se encontra na costura
Julia Gama, a Miss Brasil 2020, com o vestido usado no jantar com patrocinadores do Miss Universo"‚Divulgação
Quando se mudou para Paraisópolis há oito anos, Camila Prado, 30 anos, ainda não era costureira e jamais imaginaria que o vestido de uma candidata ao Miss Universo passaria por suas mãos. "Eu era dona de casa. Já tinha tentado outras profissões, mas vim a me encontrar mesmo foi na costura", conta.
A baiana que veio de Vitória da Conquista para São Paulo diz que entrou no projeto Costurando Sonhos para ter renda e trabalho. "Fez total diferença no dia a dia. Meu esposo trabalha, mas consigo agora ter independência e ajudar em casa", diz Camila.
O exemplo também tem servido para filha de 14 anos, que também já se aventura na máquina de costura em casa. "Faz máscaras, roupinhas para um porquinho da Índia", diz.
Camila foi uma das pessoas quem, propriamente, costuraram o traje usado por Julia Gama. "É o nosso trabalho mostrado para o mundo, sendo valorizado. E foi uma honra costurar um vestido feito pela Michelly X. Nunca tinha trabalho com aquele tipo de tecido."
Os benefícios do projeto vão além da própria Paraisópolis. A chefe de produção do Costurando Sonhos é Maria Aparecida Felix de Oliveira, 49, que mora em Santana (zona norte) e foi chamada para ajudar as costureiras por apenas uma semana. Isso há dois anos e, desde então, não saiu mais. "É importante mostrar que uma pessoa que vive, mora e trabalha na comunidade faz coisas bonitas, roupas finas. É a desmitificação disso tudo, do preconceito", conta.
Para Cida, foi emocionante quando vestidos costurados no projeto foram apresentados na SP Fashion Week. "Eu me emocionei ao ver aquelas meninas. Elas têm muita dificuldade com a autoestima, porque são acostumadas a se enxergar de um jeito diferente", diz.
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