Ao menos seis mulheres que tiveram filhos recentemente na maternidade do Hospital Municipal Tide Setubal, em São Miguel Paulista (zona leste), receberam anticoncepcional com data de validade vencida. O dispositivo implantado sob a pele das pacientes expirou em março passado.
Após ser alertada pela reportagem, a Prefeitura de São Paulo, sob a gestão de Bruno Covas (PSDB), admitiu o problema e disparou um alerta a 23 UBSs (Unidades Básicas de Saúde) e 10 maternidades da capital.
O implante utilizado para evitar a gravidez tem validade total de 36 meses. Desde 2016, a rede municipal oferece o contraceptivo gratuitamente para mulheres em situação de rua e dependentes químicas. Desde abril deste ano, estendeu para adolescentes, até 17 anos, em condições de vulnerabilidade. A reportagem do Agora conversou com cinco das pacientes (leia abaixo).
Uma representação foi protocolada na sexta-feira no Ministério Público para investigação. A denúncia foi feita pelo servidor Sandro Xavier Bezerra, que faz parte do Condefi (Conselho Deliberativo e Fiscalizador) da Autarquia Hospitalar Municipal. "Não sabemos exatamente quantas mulheres foram afetadas de abril para cá", diz. A promotora de Justiça Dora Martin Strilicherk, por ofício, pediu ao conselheiro mais informações.
O lote com 50 unidades custou R$ 16.552,50, segundo a Secretaria Municipal de Saúde. Em uma farmácia comum, cada unidade do contraceptivo custa entre R$ 950 e R$ 1.330.
Além das seis pacientes, a reportagem apurou que outras duas funcionárias do complexo hospitalar também teriam recebido o implante contraceptivo de etonogestrel, conhecido como Implanon e fabricado pelo laboratório MSD. A prefeitura não confirmou.
Do lote que chegou ao Tide Setubal em setembro de 2018, válido até março de 2019. Duas unidades teriam sido cedidas em 7 de maio ao Hospital Municipal Professor Alípio Côrrea Neto, em Ermelino Matarazzo (zona leste). Segundo funcionários, o prazo do implante vencido só teria sido descoberto em 14 de maio, quando uma médica do Tide Setubal percebeu o problema.
Ela já havia injetado o conceptivo em uma das pacientes e pediu que fosse reconvocada.
Problema no lote
Nenhuma das cinco mulheres ouvidas pela reportagem afirmou ter sido informada por funcionários do Hospital Municipal Tide Setubal de que o prazo do Implanon estava vencido.
Uma das justificativas, segundo as pacientes, é que "havia dado problema no lote do medicamento fornecido pelo laboratório [fabricante]".
Conforme os relatos, funcionários ligaram no último dia 16 nos telefones pessoais ou de parentes das mulheres para que voltassem ao hospital. Alguns agendamentos foram feitos para sexta-feira (17) e outros na segunda-feira (20).
"Me disseram que havia ocorrido um probleminha no Implanon. Que eu teria de ir urgente ao hospital, porque corria o risco de engravidar de novo", conta auxiliar de limpeza desempregada, 31 anos. Mãe de outros três filhos, a desempregada teve uma menina dia 27 de março.
Uma estudante de 15 anos, de Itaquaquecetuba, teve o filho em janeiro, mas somente em 15 de abril colocou o contraceptivo.
"Ocorreu um erro no estoque e você tem de voltar ao hospital para trocar", disse ter ouvido. Informada sobre real o motivo da retirada, a estudante ficou revoltada. "Será que ninguém viu a data de validade antes de colocar?".
Riscos
Médicos ouvidos pelo Agora reforçam que qualquer medicamento vencido não deve ser consumido ou utilizado. Via de regra, o produto perde sua eficácia.
Neste caso, por exemplo, há risco de a mulher engravidar, segundo o sanitarista Gonzalo Vecina, professor da Faculdade de Saúde Pública da USP. "Efeito colateral não terá. Ou seja, não vira um veneno", afirma Vecina, ao reiterar que existe uma "cadeia de responsabilidades" pela administração do implante vencido no hospital da rede municipal de saúde.
"Desde o farmacêutico ao médico deve-se estar atendo ao prazo de validade. Esse cuidado é fundamental", diz.
Para o ginecologista e obstetra André Luiz Malavasi, a eficácia não é afetada em datas de vencimentos curtos, entre 1 e 2 meses, desde que devidamente armazenado.
"Pode haver o risco de pequena infecção no local", diz. O especialista alerta que toda aplicação deve ter dupla checagem, com nome do paciente, nome do medicamento e validade.
Laboratório
O laboratório MSD, fabricante do Implanon, diz, em nota, que, de acordo com a bula, o dispositivo pode ser inserido até a data de validade do produto.
"Passado esse prazo, não deve ser mais utilizado. Como qualquer outro medicamento, passada a data de validade, sua eficácia contraceptiva pode ficar comprometida".
A fabricante afirma que preza pelo uso correto, amplamente disseminado conforme informações que estão disponíveis na bula.
"Os processos de gestão de estoque, de administração, de inserção do implante e de acompanhamento da paciente são de responsabilidade do serviço de saúde".
Resposta
A Secretaria Municipal da Saúde da gestão do prefeito Bruno Covas (PSDB) diz, em nota, que "tomou conhecimento do caso somente nesta segunda-feira", quando questionada pelo Agora, e que abriu sindicância.
Segundo a secretaria, foram emitidos alertas para as 23 UBSs (Unidades Básicas de Saúde) de referência e 10 maternidades que realizam o procedimento.
Em relação ao lote 601166/797120, a direção do Hospital Municipal Tide Setúbal diz que, a partir do momento que tomou conhecimento, "convocou as seis pacientes".
Segundo a direção da unidade, "quatro delas retiraram o implante e outras duas agendaram o procedimento. Todas serão acompanhadas pela equipe de saúde da unidade". O hospital informa ainda que dispunha de um lote com 50 unidades, no valor de R$ 16.552,50.
Questionada sobre os implantes enviados ao outro hospital, em Ermelino, e sobre as funcionárias que também teriam recebido o medicamento, a prefeitura não comentou.
Com relação à justificativa dos funcionários do Tide Setubal que houve problema com o fabricante do Implanon, a MSD diz, em nota, que o lote 601166/797120 foi faturado em fevereiro e maio de 2018. No total, o lote tinha 2.040 unidades e com validade até 4 de março deste ano.
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