A distância tornou ainda mais difícil uma tarefa já normalmente complicada na relação entre professores e alunos. Com a pandemia e o ensino remoto, as avaliações agora são realizadas online, se. Pesquisa da Rede Conectando Saberes, organização apoiada pela Fundação Lemann, apontou que 42% dos educadores não conseguem fazê-las.
O levantamento foi realizado com 8.700 professores das redes municipais de ensino de 87 cidades brasileiras, entre elas, a capital paulista. Entre as dificuldades citadas por eles para realizar as avaliações estão o fato de que não é possível saber se, de fato, são os próprios alunos que estão respondendo os testes. Além disso, afirmam que a distância e as aulas por vídeo impedem uma percepção apurada sobre o desenvolvimento dos estudantes.
Diretora da Emef Madre Joana Angélica de Jesus, em Guaianases (zona leste), Ana Paula Lopes Gomes afirma que é preciso mudar a forma como se enxerga a avaliação. "A gente tem só a imagem de uma prova, de um teste que o aluno responde certo ou errado e o professor dá uma devolutiva", diz.
A diretora conta que o jeito antiquado determinava se a pessoa "servia ou não para a escola" e, em caso negativo, iria trabalhar desde criança. "A escola é hoje para todos", diz. Com a pandemia, porém, a análise a respeito dos alunos é prejudicada. "Observar a postura do aluno, na aula presencial, já é uma avaliação", conta.
Professores concordam com a diretora e apontam dificuldades desde 2020, quando a rede municipal da capital paulista passou ao ensino remoto.
Aos 33 anos, uma professora de escola da zona leste diz que as avaliações são importantes também para nortear o seu próprio trabalho. "Para entender se o que a gente fez até então teve resultado, deu certo, ou se tem que fazer alguma retomada", diz. Segundo a docente, esse tipo de avaliação formativa está prejudicada. "É algo que vai desde a atitude do aluno quando chega à sala, dos questionamentos que faz. Isso tem sido mais difícil. Não tem como a distância", explica.
Docente simplifica prova para alunos
Para ter o retorno desejado, um professor de alunos de 12 a 15 anos do Morro Doce (zona norte) tem simplificado ao máximo os testes aplicados em seus alunos, com formulários e perguntas de múltipla de escolha.
"Garanto assim que eles têm feito a atividade. Não me vejo fazendo avaliações mais complexas, como ocorria no presencial, porque vou ter pouquíssimo retorno", diz.
O professor sabe, porém, que a simplicidade na avaliação está aquém da qualidade esperada. "Todo o ensino está comprometido."
Uma professora de 44 anos de um colégio na zona sul afirmou que o ano passado foi bem difícil e que, até chegar à avaliação, se percorreu um longo caminho. "O único momento foi uma avaliação diagnóstica, próxima ao fim do ano, também muito problemática", diz a professora. "Muitos tiveram dificuldade para acessar um código."
A mesma professora aponta a realidade trazida pela pandemia, de uma escola sem condições de receber alunos e de um ensino remoto insatisfatório. "EAD só pode ser vista como complementação, sobretudo no ensino básico", diz. "A construção do conhecimento se dá na relação entre os indivíduos", afirma.
Ensino remoto não substitui o presencial, diz especialista
O diretor de políticas educacionais da Fundação Lemann, Daniel de Bonis, afirma que o ensino remoto não corresponde à experiência de uma sala de aula, não substitui o presencial, mas que é importante neste momento para que não se perca o vínculo com os alunos.
Sobre a avaliação em si, Bonis diz que ainda existe um conceito antiquado. "A gente tem no imaginário como a prova final, o conjunto do que foi ensinado e o aluno vai então verificar pela nota o quanto aprendeu", diz. Segundo o diretor, atividades avaliativas durante todo o aprendizado são mais ricas. "Você pode avaliar a participação nas aulas, trabalhos em grupo, pesquisas que faz. O importante é o aluno ter um retorno do que fez, onde precisa melhorar", completa.
Para Bonis, será necessário buscar no momento do retorno ao presencial um foco no que cada aluno deixou para trás. "Provavelmente, horas a mais, no modelo híbrido", afirma.
Bonis diz que, na pandemia, as famílias estão se conscientizando o papel do professor. "Os pais não conhecem como a escola funciona. Muitos, pela condição de trabalho e de vida, não tem essa dimensão.
Mães reconhecem dificuldades em casa
A feirante Patrícia Farias Gomes de Lima, 40 anos, é mãe de uma aluno do quarto ano da rede municipal e diz que os pais acabam ajudando os filhos durante as provas. "Já aconteceu de dizer 'presta atenção', 'pensa direito', 'você não acha que respondeu errado'. Você dá uma orientação, seja por falta de tempo, paciência [para esperar até o fim] ou de preparo", diz.
Patrícia vive agora às voltas com a greve da rede municipal, mas conta que, no ano passado, teve que fazer uma série de adaptações, chegando até mesmo a levar a filha consigo para a feira e usando o celular do pai, emprestado, até a família se sacrificar ainda mais para comprar um para a menina.
Geovana Lima de Souza, 40, conhece os dois lados da moeda, por ser professora do ensino médio e mãe de uma aluno do 7º ano, no ensino fundamental. "Quando vão estudar em casa, pai e mãe dão resposta."
O ensino remoto tem desagradado Geovana, que já teve a oportunidade de ver até o mesmo exercício sendo distribuído para crianças de idades diferentes.
'Processos terão que mudar'
A secretária-adjunta da Educação Municipal, Minéa Paschoaleto Fratelli, afirma que a Prefeitura de SP adotou plataforma digital e impressa desde 2020, levando em consideração que muitos alunos não teriam como acessar a internet.
Minéa também afirma que os professores tiveram dez dias antes do início das aulas em 2021 para se debruçar sobre o projeto a ser implantado. Também afirma que o que fica da pandemia é que muitos processos terão que mudar. "O giz e a lousa já não respondiam e agora menos ainda. Toda essa é uma discussão que estamos fazendo."
Ela afirma que a escola é organizada em grandes ciclos de aprendizagem e que isso será importante para recuperar os conteúdos no pós-pandemia. "Todos os estudantes terão atividades de orientação com o professor, do currículo, e do contraturno que será a retomada daquilo que deveria ter aprendido no ano anterior."
Números
- 83% dos professores se sentem bem adaptados às ferramentas tecnológicas de ensino
- 31% dos professores conhecem e concordam com os planos de retomada de aulas presenciais
- 35% sempre elaboram planos de recuperação e 28% implementam planos de recuperação de aprendizagem
- 52% afirmaram que não veem responsáveis participarem da vida escolar de seus filhos e filhas
- 25% afirmaram que nunca ou raramente percebem seus estudantes emocionalmente equilibrados
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