A Covisa (Coordenadoria de Vigilância em Saúde), da Prefeitura de São Paulo, afirma que existem indícios de que o paciente com a variante delta do novo coronavírus identificado na capital paulista foi infectado por transmissão comunitária.
O primeiro caso de um morador na cidade de São Paulo com a cepa de origem indiana foi confirmado na noite de segunda-feira (5) pela Secretaria Municipal da Saúde. Trata-se de um homem de 45 anos, que teve sintomas leves da Covid-19, conforme a pasta da gestão Ricardo Nunes (MDB).
De acordo com a secretaria, o paciente afirmou que trabalha em casa, disse não ter viajado e negou que teve contato com outras pessoas que tenham viajado. A sua profissão e o local onde mora não foram informados.
Ou seja, a Covisa avalia a possibilidade de que a transmissão tenha ocorrido na própria região ou comunidade onde o paciente reside.
Outras três pessoas (mulher, filho e enteado), que moram com o paciente, também apresentaram sintomas na mesma época —o homem procurou atendimento médico no dia 19 de junho e o resultado com a confirmação da Covid-19 saiu dois dias depois—, igualmente seguem em casa e estão sendo monitorados. "A Covisa está investigando as amostras dos três familiares para que sejam encaminhadas ao Instituto Butantan", diz a pasta.
"O caso está sob investigação para descobrir de que forma ocorreu a contaminação, levando em consideração que a pessoa trabalha em casa, diz não ter viajado e não ter tido contato com pessoas que viajaram. No entanto, ele reside com mais três pessoas, que tiveram contato com outras pessoas. Todos estes contatos e locais estão sendo investigados, em busca de uma resposta para saber como ocorreu a contaminação", diz, a secretaria, em nota.
Segundo a prefeitura, a rede de atenção básica segue monitorando todos os casos suspeitos e confirmados de Covid-19. "O município continua encaminhando ao Instituto Butantan e ao Instituto de Medicina Tropical da USP cerca de 700 amostras semanais positivas para a Covid-19. Desde abril, estas apontaram apenas este caso para a variante delta, que está sendo investigado."
À noite, em outra nota, a pasta afirmou que neste momento não é possível confirmar que a variante esteja circulando no município, mas que realiza inquérito epidemiológico, justamente para saber como se deu essa contaminação.
Por causa da variante, a secretaria instalou barreiras sanitárias nos terminais rodoviários da capital e no aeroporto de Congonhas (zona sul) para monitorar passageiros que chegam à cidade.
A variante delta do coronavírus Sars-CoV-2 (anteriormente chamada de B.1.617.2) foi primeiramente identificada na Índia em outubro de 2020 e é apontada como a principal responsável pelo surto de Covid-19 que atingiu o país asiático no início deste ano, sobrecarregando os sistemas de saúde e levando caos ao sistema funerário.
Até o início de julho, a variante já havia se espalhado por 98 países, de acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde), independentemente das taxas de vacinação da população dessas nações. Cientistas do mundo todo vêm apontando que a delta é a variante que gera maior preocupação até o momento.
Segundo o Ministério da Saúde, o caso registrado em São Paulo foi o 15º confirmado no país. Destes, seis foram confirmados no navio que esteve na costa do Maranhão, três no Rio de Janeiro, um em Minas Gerais, dois no Paraná, dois em Goiás e o de São Paulo. Ainda segundo a pasta, entre esses casos, dois óbitos foram confirmados para a variante, no Maranhão e no Paraná.
Riscos
Especialistas alertam que a transmissão comunitária é um indicativo de que a cepa já está circulando na cidade de São Paulo, e pode provocar um aumento no número de casos.
“Isso era esperado. A pessoa diagnosticada com a variante delta não tinha viajado. Normalmente, quando se faz o diagnóstico é por amostragem. Provavelmente tem muitos casos e a cepa já está circulando aqui”, afirma o infectologista Marcos Boulos, professor da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo) e integrante do Centro de Contingência do Coronavírus do governo de São Paulo, que assessora a gestão João Doria (PSDB) nos cuidados com a pandemia do coronavírus.
Por se tratar de uma variante altamente transmissível, Boulos afirma não ser o momento para se falar em qualquer tipo de flexibilização ou abertura de serviços.
Para o médico sanitarista Gonzalo Vecina Neto, professor de saúde pública da USP, a transmissão comunitária indica que essa nova variante está em plena ativação na cidade de São Paulo.
“Eu tenho muito receio do que pode vir a acontecer com o aumento da transmissão local. É muito preocupante”, afirma.
Segundo Vecina Neto, embora tanto o estado de São Paulo quanto a capital venham apresentando queda no número de casos, internações e mortes, esses indicadores ainda são muito altos, e fica cada vez mais concreta a ameaça de uma terceira onda da doença.
Coordenador do Epicovid-19, o maior estudo epidemiológico sobre coronavírus no Brasil, o epidemiologista Pedro Hallal diz não estar surpreso com a confirmação da nova cepa. Ele suspeita que, assim como a variante gama (identificada pela primeira vez no Brasil no início do ano), a descoberta da variante delta pode ter ocorrido com semanas de atraso.
“Não é surpresa esse resultado. O Brasil faz pouca vigilância genômica, e por isso, demora a identificar a presença das variantes no país. O risco de que já exista a transmissão comunitária da variante delta é muito alto. E como ocorreu com a variante gama, descobriremos isso com várias semanas de atraso", afirmou Hallal, também professor da Escola Superior de Educação Física da Universidade Federal de Pelotas (RS).
Segundo a médica Mônica Levi, diretora da SBIm (Sociedade Brasileira de Imunizações), um fator que preocupa bastante são as baixas taxas de imunização da cidade de São Paulo e do estado, respectivamente em 14,4% e 24,7%. “É uma temeridade o que pode vir a acontecer, ainda mais com uma população pouco vacinada. Se vier uma terceira onda será uma tragédia”, afirma.
A diretora da SBIm (Sociedade Brasileira de Imunizações) se diz muito preocupada com a situação da capital paulista. “Ainda temos muita gente sem nenhuma dose, cerca de 4 milhões de pessoas [na capital paulista] e muitos ainda querem escolher a marca da vacina ou não aparecem para a segunda dose”, afirma.
A especialista diz que estudos já indicaram que três das quatro vacinas usadas no Brasil: a AstraZeneca; Pfizer e Janssen, são eficazes contra a variante delta.
A médica afirma que a notícia da queda de efetividade da Pfizer, de 91% para 64%, conforme um estudo israelense, precisa ser contextualizada, já que a melhora na situação no país –que teve queda acentuada no número de casos e mortes após imunização em massa– pode ter sido afetada justamente por medidas tais como a recomendação de não usar mais as máscaras de proteção. “Já observamos que por lá [Israel] eles voltaram a usar máscaras”, afirma.
Ela lembrou ainda que a precupação com a variante delta nos EUA levou a Johnson & Johnson a emitir uma nota oficial no dia 1º deste mês afirmando que a vacina protege contra a variante delta por até oito meses. O imunizante conseguiu aval para uso emergencial junto à Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) no dia 31 de março. Na cidade de São Paulo já foram administradas 118.688 doses desse imunizante.
Resposta
O Ministério da Saúde informou ainda que todos os casos são monitorados pelas equipes de vigilância epidemiológica e Cievs ( Centro de Informações Estratégicas em Vigilância e Saúde) locais.
“Os dados coletados até o momento não demonstram circulação comunitária, no entanto, é importante ressaltar que as investigações estão em andamento”, informou.
Ainda segundo a pasta pasta informou ainda que vem orientando estados e municípios sobre todas as ações necessárias, tais como intensificar o sequenciamento genômico das amostras positivas para a Covid-19 e a vigilância laboratorial, rastreamento de contatos, isolamento de casos suspeitos e confirmados, notificação imediata e medidas de prevenção em áreas de suspeita de circulação de variantes.
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