Consulta pública para diminuir área preservada em Embu das Artes gera polêmica

Moradores reclamam de aviso tardio por parte da prefeitura e da retirada do largo 21 de Abril de local protegido

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Mariane Ribeiro
São Paulo

Moradores, comerciantes e artistas de Embu das Artes (Grande SP) estão preocupados com uma proposta feita pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), que altera a área que deve ser preservada no entorno da Igreja Nossa Senhora do Rosário e da residência anexa, bens que ficam no centro histórico da cidade e que são tombadas como patrimônio histórico.

O Iphan abriu uma consulta pública para avaliação de uma minuta que aponta, não só a diminuição da poligonal de entorno (espaço ao redor do bem tombado que deve ser preservado), como também estabelece diretrizes de preservação e critérios para intervenções na área.

Igreja Nossa Senhora do Rosário., em Embu das Artes (Grande SP); moradores reclamam do pouco tempo de debates para mudança na área tombada na região do centro histórico - Rivaldo Gomes/Folhapress

A proposta inclui a retirada da área de tombamento ruas do entorno do centro histórico, a Capela de São Lázaro e o largo 21 de Abril.

Uma das reclamações da população é sobre a demora da prefeitura de Embu, gestão Claudinei Alves dos Santos (Republicanos) para avisar a população do município sobre a consulta pública e que por isso, moradores, comerciantes e artistas tiveram pouco tempo para se mobilizar em prol da causa e interagir com o instituto sobre o tema.

"O aviso foi publicado no Diário Oficial da União em 16 de setembro, mas a prefeitura só comunicou a população pelo site [da administração municipal] no dia 8 de outubro. A data final para o envio das contribuições era 15 de outubro. É um absurdo, foi muito pouco tempo", afirma Patrícia de Campos, de 58 anos, jornalista e moradora da cidade há mais de 30 anos.

Raymundo Emídio Rodrigues, 73, é artista e dono de uma galeria na cidade há 40 anos. Ele também critica a falta de comunicação da prefeitura para a população. "O aviso só foi publicado na internet e em mais nenhum lugar. Não teve um aviso físico ou uma informação veiculada de outra forma, nada. A gente descobriu por acaso", afirmou. "Quem é que fica entrando diariamente no site da prefeitura para ver o que tem de novidade? Isso não existe", diz Rodrigues.

A Acise (Associação Comercial de Embu das Artes) chegou a pedir mais prazo para debates, de 90 dias, mas o Iphan manteve o período. O instituto disse que recebeu 160 propostas que serão analisadas. A prefeitura disse que contestou a redução do perímetro.

Vista do largo 21 de Abril, no centro histórico de Embu das Artes, que segundo proposta do Iphan ficaria fora de área de tombamento - Rivaldo Gomes/Folhapress

Para moradores e comerciantes, a diminuição da poligonal de entorno deixaria pontos turísticos importantes da cidade de fora da área de preservação, como o largo 21 de abril.

"Essa praça tem história. Nela era feita a vaquejada, o comércio começou a surgir ali naquele entorno. Sempre foi uma praça de interior, praça de referência, os casarios ao redor ainda mantêm o estilo colonial. É muito importante que ela permaneça na poligonal e continue sendo preservada", afirma Patrícia.

Segundo uma Nota Técnica da Coordenação Técnica do Iphan-SP, de novembro de 2019, a retirada do largo 21 de abril do entorno estaria sendo proposta "pela razão de que não há visibilidade deste para o bem —e vice-versa—, portanto sua contribuição para a proteção do entorno não é significativa. Em se tratando de uma praça suas características serão mantidas como tal, não podendo haver construções em altura que possam impactar a visibilidade do bem tombado".

Há ainda um sentimento de insatisfação com a complexidade do texto disponibilizado à população.

"Você viu a minuta e as perguntas da consulta pública? A linguagem é muito difícil, a população não consegue entender o que está sendo proposto ali", aponta o turismólogo e morador da cidade, Régis Pires, 44.

Uma preocupação que tomou conta da população é sobre uma possível retirada dos canteiros presentes na área de preservação, por causa do artigo 6º, que aparece no capítulo 3 da minuta.

Nele, o Iphan trata sobre os critérios de intervenção estabelecidos quanto à localização das edificações e o tratamento paisagístico.

O primeiro inciso diz que "o paisagismo deverá ter tratamento marcado pelo realce de grandes superfícies planas, com mobiliário urbano discreto, não se admitindo canteiros de jardins elevados". Deste pedaço surgiu o questionamento dos moradores: os canteiros existentes serão demolidos ou apenas não poderão ser construídos novos canteiros?

"Queremos participar [do debate] porque temos medo de que partes importantes da cidade deixem de pertencer àquele cenário histórico que é protegido e assim passem a ser modificados. Esses pontos da região histórica são muito importantes para a gente hoje, porque é o que dá o charme à cidade, o que atrai os turistas", afirma Pires.

Loja de artesanato no centro histórico de Embu das Artes (Grande SP); feira atrai milhares de turistas nos fins de semana - Rivaldo Gomes/Folhapress

A proposta do Iphan

A proposta de ajuste na poligonal de entorno da igreja de Nossa Senhora do Rosário e da residência anexa começou a ser estudada e elaborada por técnicos do Iphan em 2017. Desde então, o processo passou por diversas etapas, análises técnicas e discussões, inclusive, com a Prefeitura de Embu das Artes e com a equipe do Museu de Arte Sacra dos Jesuítas.

Na proposta, há uma diminuição no tamanho da poligonal, que atualmente corresponde ao perímetro do Centro Histórico da cidade, definido no Plano Diretor de 2012. Os técnicos também definem a divisão do espaço em três setores: A, B e C.

Segundo a minuta do Iphan, o Setor A — de Manutenção da Ambiência "tem como função garantir as relações espaciais historicamente estabelecidas entre o bem tombado, o largo dos jesuítas e as principais vias de acesso à igreja".

O Setor B — de Controle da Ocupação 1, como é chamado no texto, teria como função manter a ambiência do bem tombado por meio do controle do tamanho das edificações e da geometria das coberturas.

Já o Setor C – de Controle de Ocupação 2, tem função parecida com o B, visando manter uma transição adequada entre o bem tombado e o resto da cidade.

O texto ainda traz diretrizes de preservação e dos critérios de intervenção específicos para cada setor. As regras tratam das características que devem ser mantidas nas construções ao redor da igreja de Nossa Senhora do Rosário, do paisagismo, do calçamento adequado, da iluminação pública, do mobiliário urbano, além de critérios para instalação de equipamentos publicitários e regras para a composição das fachadas.

O tombamento

A Igreja de Nossa Senhora do Rosário e a residência dos jesuítas anexa são um dos principais pontos turísticos da cidade, que arrasta milhares de pessoas aos fins de semana para visitar o patrimônio histórico, além da feira de artesanato que se espalha pelo entorno.

O conjunto foi tombado em âmbito federal pelo Iphan em 21 de outubro de 1938, sendo colocada no livro do tombo de Belas Artes e no livro Histórico. O tombamento também ocorreu em âmbito estadual pelo Condephaat (Conselho de Defesa do patrimônio Histórico, arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo) em 1974.

A igreja tem valor histórico por simbolizar a atuação dos jesuítas na região a partir da primeira metade do século 16. Ela ainda tem grande valor artístico pela decoração interior, com destaque para a obra de talha dourada, as pinturas do teto e do púlpito e pelos retábulos típicos da primeira fase do barroco. O conjunto abriga o Museu de Arte Sacra dos Jesuítas, que possui um grande e importante acervo escultórico.

O complexo fica localizado no largo dos Jesuítas, ponto que também recebe uma parte da feira de artes e artesanato.

Respostas

Segundo a Prefeitura de Embu das Artes, a gestão participou do processo de elaboração da proposta, mas divergiu do Iphan quanto à redução da poligonal.

"A prefeitura informa que vem participando de várias reuniões com o Iphan, e que o mesmo apresentou a proposta de redução da poligonal dentre outras mudanças, pois perceberam que a área anterior já estava parcialmente descaracterizada, principalmente nas áreas afastadas do Centro Histórico, e que a intensão seria reduzir, porém fiscalizar. No entanto, o corpo técnico da prefeitura apresentou um estudo contrário à essa redução da poligonal", afirma a prefeitura em nota.

Sobre a reclamação dos moradores quanto a demora para comunicar a população sobre a consulta pública, a gestão Ney Santos afirma que "a Acise (Associação Comercial de Embu das Artes) entendeu que o prazo dado pelo Iphan era curto para que todos tivessem conhecimento da consulta pública, por isso protocolou junto ao órgão e junto à municipalidade um documento solicitando o adiamento da data. Na solicitação, a Acise pede 90 dias para avaliação da proposta". O pedido, porém, não foi atendido. A prefeitura diz que "a publicação foi realizada para que fosse de conhecimento de todos, mesmo que com data próxima a sugerida em princípio pelo Iphan".

Já o Iphan disse que o processo para desenvolvimento da proposta de alteração da poligonal teve início durante uma vistoria na área delimitada como parâmetro de análise pelo proprio instituto.

"Foram observadas diversas alterações na área hoje reconhecida como Zona Histórica, conforme revisão do Plano Diretor. A partir de tais observações, constatou-se a necessidade de se revisar o perímetro de entorno do bem tombado, de forma a garantir estritamente a área que ainda guarda relação direta com o bem tombado".

O instituto afirma que, apesar da reclamação da população sobre o pouco tempo para participar da consulta, 160 contribuições foram enviadas durante os 30 dias estabelecidos.

"Faremos a análise das propostas enviadas e, caso julgadas pertinentes quanto aos objetivos da portaria, as alterações ou as complementações. Uma vez concluída esta etapa, será elaborado um relatório técnico contendo os resultados finais das 160 contribuições da consulta pública que será disponibilizado no site do Iphan e divulgado por meio de suas redes sociais, além de comunicações oficiais à Prefeitura. Na sequência, será realizada análise jurídica final e envio para publicação no Diário Oficial da União", explica o Iphan.

A reportagem também questionou o órgão sobre pontos específicos das críticas feitas pelos moradores da cidade, como o motivo da retirada do largo 21 de abril da poligonal.

Segundo o Instituto, "a leitura que foi feita inicialmente pelo Iphan, há décadas, considerava um contexto histórico e geográfico, e se remetia a imagens históricas".

"Nos estudos atuais, foi feita uma reavaliação do que seria esse contexto hoje, de acordo com os elementos existentes, e quais relações de ambiência e visibilidade o entorno ainda guarda com o bem tombado pelo Iphan. Foi observado que o largo 21 de Abril não guarda relações de ambiência com a Igreja Nossa Senhora do Rosário e residência anexa".

O Iphan também se manifestou sobre a linguagem usada na minuta. O instituto reconhece que o texto possui linguagem técnica/jurídica e explica que isso acontece porque segue os padrões de consulta pública vigentes no Governo Federal, que estabelece um formato jurídico com algumas restrições quanto a variações para formato e linguagem.

"No caso dos canteiros, os estudos apontaram para uma necessária readequação com vistas a garantir um melhor usufruto por parte da população e oferta de visuais privilegiadas para o bem tombado. Com isto, a proposta objetiva orientar a prefeitura na oferta de mobiliário urbano, sinalização e gestão dos espaços comuns de forma a garantir a visibilidade ao bem tombado conciliado com os melhores padrões de desenho urbano, qualificando ainda mais o cotidiano dos moradores daquela região", afirma o instituto.

E ressalta que "tanto para os canteiros quanto para os demais casos previstos na portaria, o texto legal vale a partir de sua publicação, não tem efeito retroativo, e orientará as futuras intervenções nos setores do entorno do bem tombado".

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