Lendas e tragédias fazem São Paulo ter Dia das Bruxas o ano todo

Crimes bárbaros, superstições e crenças se misturam e dão toque sombrio a pontos da capital

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São Paulo

O "Halloween", mais conhecido por essas bandas como Dia das Bruxas, é comemorado neste domingo, dia 31 de outubro. Porém, em São Paulo, esse "medinho" pode ser experimentado o ano inteiro, em vários locais da cidade e por motivos diferentes, sobretudo em edifícios e lugares que abrigaram tragédias, muitas delas envolvendo crimes famosos.

Muitos deles estão na região central, como é o caso do edifício Martinelli, o Castelinho da rua Apa, Vale do Anhangabaú, Theatro Municipal, Casa da Dona Yayá, Beco dos Aflitos, Palácio da Justiça, Câmara Municipal e outros.

​Um dos mais icônicos é o edifício Martinelli, o primeiro arranha-céu da cidade. Palco de muitos assassinatos não resolvidos, até hoje é lembrado com um local mal-assombrado por alguns. Há quem diga que portas se fecham do nada e uma loira misteriosa passeia por lá.

"Eu sempre senti uma coisa estranha ao passar por lá. Até hoje eu evito. Muita coisa ruim", afirma Roberto de Souza e Silva, 63, que durante anos trabalhou no pregão da Bolsa de Valores, atual B3.

Quem hoje olha o belo Castelinho da rua Apa, no Campos Elísios, e nunca ouviu a história da família que morreu por lá nos anos 1930, nem imagina que durante décadas o local era famoso por ser um ponto onde vizinhos diziam escutar vozes e gritos dos mortos, ambiente que era reforçado pelo abandono de outrora.

"Algumas vezes à noite eu precisava ir em uma delegacia de polícia que tem lá perto. Ao sair, eu evitava ao máximo passar por lá. Não acredito em fantasmas, óbvio. Mas não achava a energia do lugar bom", diz a advogada Daniela Gonçalves.

A história do lugar vai virar filme, proposta que já gera polêmica.

Por vezes as ditas assombrações não estão ligadas crimes. É o caso da Casa da dona Yayá, localizada no Bixiga, que por anos serviu de manicômio particular para uma rica órfã diagnosticada com problemas mentais.

"Ah, a gente quando criança ouvia muito dessas histórias de que tinha grito e lamento por lá, né? E também a turma contava aí que ela saía com criança no colo andando lá pela [rua] Major Diogo. Eu nunca acreditei muito mas confesso que é algo que eu fico pensando quando eu passo", afirma o padeiro Aguinaldo Pereira, 57, que mora e trabalha na região.

Outros pontos longe do centro também chamam a atenção pelo lado sombrio. Um deles é o Parque da Juventude, que já abrigou o Carandiru, palco de um massacre ocorrido em 1992 que deixou 111 presos mortos. Há quem diga que até hoje é possível ouvir o lamento das almas daqueles que morreram ali, e, por isso, até hoje evitam ir lá.

"Para nós, os sensitivos, existem alguns lugares que, quando eu estou, eu passo mal, falta ar, fico gelada. Não preciso estar nesses lugares para sentir isso. Eu capto a energia", afirmou a terapeuta holística Adriana Mendes dos Santos, 48.

Ela diz que mesmo sem ir até o local, consegue sentir a energia dele. E, pelo que ela conta, não é nada boa.

"Existem algumas fobias que são específicas, tais como as de inseto, altura ou mesmo, nas grandes cidades como São Paulo, a criminalidade. Porém, é muito comum sim que várias pessoas tenham reações fóbicas a respeito da ideia do além. E isso pode se manifestar nos locais mais improváveis possíveis", afirma a psiquiatra Patricia Alves Sidi, 47.

Patricia recomenda que as pessoas que realmente sintam essa fobia, devem deixar a vergonha de lado compartilhar com seus médicos e terapeutas.

Passeios

As lendas e tragédias que rondam vários edifícios do centro de São Paulo deram origem a passeios que podem ser feitos a pé ou de ônibus.

O Instituto Memórias do Brasil é um dos responsáveis por produzir os passeios a pé. O último deles foi dentro da Jornada do Patrimônio, realizada em setembro passado.

​Educadora do instituto e também professora da rede municipal de ensino Taís Freitas de Souza, 44, foi a responsável por elaborar o roteiro. "Eu sou envolvida com terror e arte tumular há tempos. Eu gosto muito disso", afirma.

Quem realiza o passeio cênico de ônibus é Rogério Cantoni, 55, que também dá vida ao fantasma Angelo, que recepciona os passageiros no passeio.

Criado há dez a nos, o SP Haunted Tour propõe um passeio por até 14 pontos diferentes em locais mal-assombrados pelas lendas e tragédias que ocorreram. "Eu não faço terror e nem me acho macabro, eu fiz um trabalho de espiritualismo, para falar do mal-assombrado", afirma.

Os passeios de ônibus estavam suspensos devido à pandemia e só foram retomados no dia 30 de outubro, providencialmente na véspera do Dia das Bruxas.

"Ofereço um conteúdo que fala de história, conta os bastidores, fala dos fantasmas do cidadão, da metrópole", afirma.

Castelinho da rua Apa vai virar filme

O anúncio de um filme sobre o crime que deu origem às lendas que o rondam o Castelinho da rua Apa, anunciado pela Galeria Distribuidora, pegou de surpresa a escritora Leda de Castro Kiehl, parente dos antigos donos do prédio, e também Maria Eulina Hilsenbeck, 70, a presidente da ONG Clube Mães do Brasil.

Elas dizem ter ficado sabendo da intenção da produtora em rodar o filme pela imprensa.

Além disso, ambas consideram importante mostrar como está o prédio atualmente. Já o Gabriel Gurman, CEO da empresa, não.

"Não caberia na proposta", diz o executivo.

A Galeria Distribuidora é a mesma que produziu os filmes recentes sobre Suzane von Richthofen. Gurman afirmou que ainda não está certo se será apenas um filme ou uma série. A previsão é a de começar a produzir o filme ainda em 2022 e lançá-lo em 2023.

"Um dos pontos que interessou contar a história foi por ser essa história mal contada, de contradição e inconsistências periciais. E também por ter se transformado num lugar simbólico pela sua arquitetura, e a lenda de mal assombrado que cerca o lugar", afirmou.

Leda de Castro Kiehl, sobrinha bisneta de Maria Cândida, a patriarca da família Reis morta na tragédia em 1937, considera haver muito sensacionalismo relacionado à história que ocorreu no local.

"Eu gosto das coisas bem reais, não acredito em fantasma nem em vozes que alguns dizem ouvir lá", diz.

Ela é autora de um livro sobre o Castelinho da Apa que aborda justamente a questão das contradições do crime. "Eu não fico falando quem matou ou não. E qual é o interesse de saber sobre quem morreu primeiro ou por último?", questiona.

Leda diz não ter assistido os filmes sobre o caso de Suzane e diz não poder opinar. Ela só diz não entender como ele será feito sem dizer como o prédio está atualmente.

Para Maria Eulina Hilsenbeck, 70, a presidente da ONG Clube Mães do Brasil, que ocupa o Castelinho, é importante mostrar como está o local atualmente, bem diferente da imagem que as pessoas têm do lugar.

"Se eu não pedisse o tombamento, esse prédio poderia ir para qualquer mão. Iam construir um espigão, e toda a história de amor, tragédia e de arquitetura, iam se perder no esquecimento", afirma a ex-moradora de rua.

Após sair das ruas e ter ajuda para se estabelecer, ela decidiu lutar pelos menos favorecidos. Ela foi a principal responsável pela reforma e restauro do prédio entre os anos de 2015 a 2017, que estava abandonado havia 80 anos.

Maria Eulalia conta que só ficou sabendo da fama do prédio quando entrou com o pedido de tombamento do castelinho com a finalidade de ocupar o local com a ONG que auxilia crianças, moradores de rua e pessoas em situação de vulnerabilidade na região.

"Até então eu só sabia que era um prédio público. Depois que fiquei sabendo da tragédia, essa coisa toda", afirmou.

Ela diz que nunca se sentiu incomodada. "Estamos aqui neste planeta para cuidar dos vivos. Os mortos pertencem a Deus. O que eu posso fazer pela família Reis é orar, rezar e agradecer por esse espaço tão bonito que tive a sorte de ter nas mãos", afirma.

Sensitiva diz acreditar em fantasmas

Mesmo sem estar fisicamente nos lugares considerados mal-assombrados, a terapeuta holística Adriana Mendes dos Santos, 48, afirma que consegue sentir o que se passa nesses locais.

"Para nós, os sensitivos, existem alguns lugares que, quando eu estou, eu passo mal, falta ar eu fico gelada. Não preciso estar nesses lugares pra sentir isso. Eu capto a energia", afirmou.

Para ela, medo que as pessoas relatam sentir toda vez que passa nesses lugares ou ouve, assiste ou lê essas histórias pode ser gerado pelo excesso de criatividade, embora ela diga que acredita sim em fantasmas.

"Uma pessoa pode ver coisas que ela criou na mente dela. Porém, existem coisas que são vistas repetidas vezes, em horários diferentes, por várias pessoas. É a repetição de um padrão energético", afirma.

No caso dela, é diferente.

"Eu acredito em fantasmas e seres sem corpos? Sim. Eu os vejo? Não", diz.

Ela diz que um dos locais que evita estar fisicamente é no Parque da Juventude, que ocupa o local que um dia abrigou o Carandiru, palco de um massacre que deixou 111 detentos mortos em 2 de outubro de 1992.

"Ainda na época do programa do Gugu uma sensitiva foi lá e começou a ter visões de seres nos escombros e passou mal", afirmou.

Lendas paulistanas

Castelinho da Apa – a maldição após tragédia

  • A construção da família César Reis, de 1917, foi palco de uma tragédia em maio de 1937, quando um homem teria matado o seu próprio irmão, a mãe, e tirado a sua própria vida. Antes disso, teria amaldiçoado o local. Até hoje não se sabe ao certo o que motivou o crime. Isso levou o local a ter fama de mal-assombrado e dizem que vozes de seus ex-moradores eram ouvidas por lá. Hoje uma ONG ocupa o local
  • Endereço: rua Apa, 236 – Campos Elísios

Casa da Dona Yayá – fantasma com criança no colo

  • Sebastiana de Mello Freire, a dona Yayá, morou no local de 1921 até 1961. A rica órfã –perdeu as irmãs e pais e ficou sozinha com uma empregada– foi diagnosticada com problema mental e sua bela casa lhe serviu de manicômio particular. Dizem que seu espírito nunca deixou a casa e ela ronda com um bebê fantasma no colo pelas ruas da vizinhança. A USP ocupa o imóvel atualmente
  • Endereço: Rua Major Diogo, 353 – Bela Vista

Edifício Martinelli reúne mortes misteriosas

  • O primeiro arranha-céu de São Paulo é um dos principais imóveis com fama de mal-assombrado pelos assassinatos nunca solucionados, prostituição e tráfico de drogas. Até hoje há quem sustente que portas se fecham sozinhas e há vultos estranhos nos corredores, inclusive de uma misteriosa fantasma loira. Os casos ganhavam destaque no extinto jornal "Notícias Populares". Hoje abriga alguns órgãos públicos.
  • Endereço: rua São Bento, 405 – Centro Histórico de São Paulo

Beco dos Aflitos – desespero dos enforcados

  • Anexo à capela em homenagem à Nossa Senhora dos Aflitos, havia um cemitério público, o primeiro da cidade. Muitos que ali eram enterrados eram enforcados em praça pública. Um deles foi o soldado Francisco José das Chagas, o Chaguinha, enterrado no chão da capela. Alguns dizem ouvir os gritos dos enforcados, mas muitos vão lá para fazer pedidos para o soldado e pagar promessas.
  • Endereço: Rua dos Aflitos, 28 - Sé

Beco do Pinto – sofrimento dos escravos

  • Além de ser usado para passagem de pessoas e animais que iam e vinham da várzea do rio Tietê até a Sé, o local era um dos palcos de sofrimento de escravos. O nome remete ao dono do imóvel ao lado, o brigadeiro José Joaquim Pinto de Moraes Leme, famoso por suas desavenças com vizinhos. Dizem que seu fantasma assombra o beco. Hoje abriga intervenções artísticas.
  • Endereço: largo Páteo do Colégio, 136 - Sé

Edifício Joelma – as treze almas

  • Palco de uma das maiores tragédias envolvendo uma edificação, o Joelma pegou fogo em 1974 matando 187 pessoas. Destas, 13 foram encontradas dentro de um elevador e até hoje não foram identificadas. Elas alimentam as histórias de gritos de dor e sofrimento vindos do prédio. Hoje é um prédio comercial.
  • Endereço: rua Santo Antonio, 140 – Bela Vista

Theatro Muncipal – almas vagando

  • Os túneis que dão acesso ao salão subterrâneo do Theatro Municipal serviam, inicialmente, para passagem de ar e dos artistas. Dizem que as almas dos artistas já mortos vagam por lá, tocam pianos e acendem luzes. Hoje o salão é ocupado por um bar.

Mosteiro da Luz - batidas estranhas

  • Em 2008, durante o trabalho de investigação para saber de onde vinham cupins, técnicos descobriram duas múmias em uma das paredes do prédio, fundado em 1774. Elas estavam perto de uma sala que já havia sido usada como cemitério (antigamente os corpos eram enterrados em igrejas). Isso nutriu algumas lendas, tais como sons como batidas nas paredes misteriosas.
  • Endereço: avenida Tiradentes, 676, Luz


Vale do Anhangabaú – rio do diabo

  • Em tupi, o nome do mais famoso vale de São Paulo significa "rio do diabo". Diz a lenda que antes da chagada dos portugueses muitos índios morreram afogados no rio que existia ali, e depois, na época da escravidão, muitos escravos também morreram tentando se libertar. Devido a isso, o local é cheio de assombrações. Hoje está revitalizado.
  • Endereço: Centro Histórico de São Paulo


Cemitério da Consolação – fantasmas de famosos

  • Além de reunir a maior e melhor quantidade de amostras de arte lapidar, o mais antigo cemitério em atividade na cidade de São Paulo, de 1858, abriga túmulos de famosos. Há quem diga que fantasmas de Tarsila do Amaral, Marquesa de Santos e coveiros já mortos rondam por lá.

Fontes: Instituto Memórias do Brasil, Jornada do Patrimônio, Graffit Turismo, "Assombrada BR"

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