Descrição de chapéu Coronavírus trânsito

Sem conceito definido, lockdown é aplicado de várias formas em SP

Cidades usam o termo para restringir a circulação de pessoas e tentar frear a disseminação da Covid-19

Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:

Oferta Exclusiva

6 meses por R$ 1,90/mês

SOMENTE ESSA SEMANA

ASSINE A FOLHA

Cancele quando quiser

Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.

São Paulo

Em busca de soluções para conter o avanço da pandemia do novo coronavírus, estados e municípios tentam impor medidas de restrições para diminuir a circulação de pessoas. A terminologia mais recorrente é o lockdown, que seria o fechamento total. Mas esse conceito tem sido usado das mais diversas formas.

“A lei não define toque de recolher, restrição ou lockdown, mas aponta os serviços essenciais que deverão permanecer em atividade diante de restrições implementadas”, diz a advogada Cecilia Mello, que atuou por 14 anos como juíza federal no TRF-3 (Tribunal Regional Federal da 3ª Região) e atualmente é sócia do Cecilia Mello Advogados. “Dessa forma, os parâmetros das restrições a serem efetivadas poderão ser fixados pelos gestores locais, com maior ou menor amplitude, independentemente da designação que se convencione dar”, completa.

O toque de recolher criado pelo governador João Doria (PSDB) a partir do dia 15 deste mês restringiu a circulação das 20h às 5h do dia seguinte e foi classificado como fase emergencial, uma escala acima da fase vermelha, a mais restritiva do plano estadual para enfrentamento da pandemia. Nele, celebrações religiosas coletivas e atividades esportivas serão suspensas. Atividades administrativas não essenciais em órgãos públicos e escritórios devem ser realizadas em teletrabalho (home office).

Pedestres e ciclistas circulam pela avenida Paulista, na região central de São Paulo, após as 20h, o início do toque de recolher na cidade - Adriano Vizoni/Folhapress

Em entrevista na última sexta-feira (19), o vice-governador, Rodrigo Garcia (DEM), que é advogado, afirmou que as medidas adotadas em São Paulo equivalem a um lockdown.

“O que tem que ficar claro é que as medidas já adotadas pelo governo de São Paulo e por várias prefeituras já são equivalentes a um lockdown. Quando a gente escuta a imprensa internacional dizer lockdown no Reino Unidos, lockdown na Alemanha, esses países, por exemplo, apesar de estarem em lockdown não encerraram as suas atividades industriais. Não encerraram parte da sua construção civil. Então as nossas medidas já são equivalentes a um lockdown”, afirmou Garcia.

Procurado, o governo estadual não especificou a definição dos termos “toque de restrição”, toque de recolher e lockdown. Em nota, a Secretaria de Governo do Estado de São Paulo confirmou o que disse Garcia. “Estas medidas já tem características de lockdown, como afirmou o vice-governador.” A pasta informou ainda que emprega medidas de enfrentamento à pandemia com respaldo na lei 13.979/20 e nas orientações do Centro de Contingência do Coronavírus.

“As medidas para diminuir a circulação de pessoas e evitar aglomerações como fechamento de serviços não essenciais e/ou escalonamento no funcionamento dos serviços essenciais são consideradas medidas de restrição, com mais rigor na fiscalização, bem como na recomendação oficial de não circulação pública em horários determinados durante o período noturno”, diz o texto.

Começo no interior

A primeira cidade paulista a decretar um lockdown foi Araraquara (273 km de SP), no dia 21 de fevereiro deste ano, com o objetivo de tentar conter a gravidade do crescimento de casos e internações provocadas pelo novo coronavírus. Durante dez dias, a prefeitura da cidade do interior paulista só permitiu que farmácias e unidades de saúde abrissem. O transporte coletivo não funcionou, supermercados só puderam atender por delivery nos sete dias seguintes e a circulação de veículos e pessoas sem justificativa foi vetada.

Já o lockdown noturno de São Bernardo do Campo, no ABC paulista, adotado no dia 24 de fevereiro, permitiu o funcionamento de indústrias, lojas de material de construção até 21h e o transporte público parou de funcionar apenas das 22h às 4h.

As nove cidades da Baixada Santista também adotaram o lockdown desde terça-feira (23) para tentar coibir a debandada de paulistanos rumo às praias devido ao feriadão de dez dias criado pelo prefeito de São Paulo, Bruno Covas (PSDB). Porém, cada uma a seu modo na restrição a circulação, transporte público e acesso e funcionamento de serviços. Em Santos, por exemplo, o transporte público funcionará 5h30 às 8h30 e das 15h30 às 19h30, exclusivamente para trabalhadores de serviços essenciais. Já em Monguaguá não deverá haver restrição de circulação no transporte público.

E há quem crie restrições mais duras ainda do que as relacionadas acima sem mesmo nominá-las. É o caso de Sorocaba (99 km de SP), que, a partir desta quinta-feira (25), passou a permitir a circulação de apenas um integrante da família para ir até serviços essenciais, tais como farmácias e supermercados. A cidade administrada pelo prefeito Rodrigo Manga (Republicanos) também montará barreiras sanitárias e irá orientar que pessoas de outras cidades voltem para os municípios de origem.

Lei permite interpretações

Para Elival Silva Ramos, professor de direito Constitucional da escola de Direito do Largo São Francisco, a lei que dá embasamento aos decretos locais foi omissa na definição de conceitos que possam vir a ser adotados. “A lei prevê o isolamento e quarentena, porém, da forma como foi redigida, permite interpretações amplas”, afirma o jurista.

Para o advogado Marcelo Figueiredo, também professor de direito Constitucional da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), pode haver restrição a liberdade de locomoção em nome de um interesse público ou social relevante. “Não é proibido que estados e municípios invoquem a legislação federal para impor restrições”, afirmou.

A opinião é a mesma de Cecília Mello. “Nos limites das suas competências, estados e municípios poderão implantar as restrições que se fizerem necessárias diante do quadro pandêmico de cada momento”, afirmou.

Figueiredo afirma que a competência de emitir as regras gerais é da União, e cabe a cada unidade política criar a sua própria legislação com base na norma federal.

As medidas que vêm sendo tomadas não contêm inconstitucionalidade, segundo Cecília. “As medidas foram apenas exemplificadas na lei, o que possibilita aos gestores diversificarem as restrições, inclusive encontrando novas fórmulas de aplicação. Não se trata de estabelecer restrições com base em toda e qualquer legislação, mas de perceber que o contexto é dinâmico e que alternativas mais efetivas podem ser implementadas, desde que observada a lei de regência e a competência de cada ente da federação”, afirmou a advogada.

Para Ramos, pelo fato de a lei que dá embasamento aos decretos não ser muito específica, várias questões vêm sendo determinadas pelo STF (Supremo Tribunal Federal), como as atribuições de quem pode criar regras e normas para tais restrições.

Nenhum dos três juristas consultados pela reportagem diz haver uma definição clara para as terminologias.

O entendimento geral é o de que o lockdown pode levar ao fechamento de todas as atividades consideradas não essenciais, podendo-se restringir, inclusive e compulsoriamente, a circulação de pessoas. Por sua vez, o toque de recolher pode ser identificado com as mesmas características do lockdown, entretanto, é restrito a um período do dia.

“A designação da restrição, aqui considerada de modo amplo, é o fato de menor relevância, haja vista que as suas especificações é que apontarão a dinâmica adotada”, avalia Cecília.

Notícias relacionadas