Descrição de chapéu Centro cracolândia drogas

Feira da droga na cracolândia tem 'área VIP' com segurança

Após seis meses de investigação, polícia diz ter identificado logística do tráfico na região central de SP

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São Paulo

Dependentes químicos com maior poder aquisitivo chegam a desembolsar entre R$ 10 mil e R$ 15 mil, por semana, para usar drogas em uma “área VIP” dentro da região da cracolândia, no centro da capital paulista, segundo investigação da Polícia Civil.

Durante seis meses, policiais ligados à 1ª Delegacia Seccional do Centro monitoraram a rotina de traficantes e usuários na região, identificando a logística de venda. Essa apuração constatou que criminosos transformaram prédios abandonados em algo parecido como hotéis, onde alugam cômodos para quem quer consumir de droga em um local reservado, uma espécie de "camarote" fora da rua, com direito até a segurança particular.

“Dependentes pagam para se hospedar na região e ficam em quartos como se fossem em hotéis, mas em edifícios insalubres, em 'muquifos'", afirmou o policial civil Luiz Carlos Zaparoli, chefe de investigações da 1ª Seccional. "Nestes quartos eles usam drogas, recebem encomendas e, ao fim de cada semana, pagam pelos serviços prestados aos criminosos que administram as ações ilegais na região. Os valores podem chegar a R$ 10 mil ou R$ 15 mil por semana, o que nos surpreendeu”, disse.

Segundo o investigador, policiais civis apuraram que, a partir de R$ 4 mil, é possível reservar um cômodo em um dos prédios. O valor sobe conforme o usuário solicita "regalias", como colchão, televisão, entrega de alimentos e, claro, abastecimento do local com drogas.

"O que deixa ainda mais cara a estadia são os serviços e a segurança, que são 24 horas. Levantamos que alguns familiares pagam para que seus parentes dependentes fiquem em segurança nessas áreas VIPs", explicou Zaparoli, acrescentando que pessoas de classes média e média alta usam a "estrutura" oferecida pelos traficantes.

De acordo com a polícia, o "serviço de entrega" de uma garrafa de bebida custa o dobro que em "delivery" tradicional.

A segurança dos usuários VIP, acrescentou o investigador, é garantida por criminosos chamados de “disciplinas”, ligados à facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital), que fazem parte de uma estrutura hierárquica atuante na cracolândia.

Traficante pesa pedras de crack, que em seguida são vendidas para dependente químico na cracolândia (centro da capital paulista). As imagens foram captadas por policiais civis, que se infiltraram no fluxo de usuários, por cerca de seis meses - Reprodução/Polícia Civil

A investigação, realizada também por policiais do 77º DP (Santa Cecília), constatou que existem cerca de 30 pontos de venda de drogas na cracolândia, chamados de barracas, que são divididos em grupos de dez, em três áreas maiores chamadas de “vagões”.

Por mês, cada uma das barracas vende até meio milhão de reais, rendendo ao tráfico da região, no período, até R$ 15 milhões, ainda conforme investigado pela Polícia Civil. Além da venda das drogas, o arrendamento dos pontos pode gerar, em média, R$ 120 mil para a facção criminosa que controla as atividades ilegais na cracolândia.

Um recente relatório de inteligência da Polícia Civil de São Paulo apontou que, atualmente, os criminosos da facção conseguem obter um lucro muito maior com a venda do quilo do crack na região da cracolândia do que com o comércio de cocaína nas regiões nobres da capital.

O delegado Roberto Monteiro, titular da 1ª Delegacia Seccional, afirmou que, além das drogas, uma "feira paralela" também ocorre diariamente na região, com a venda de produtos roubados ou furtados por dependentes químicos para a compra de crack, geralmente.

Além de "área VIP", a investigação ainda identificou que edifícios próximos ao fluxo de usuários também são usados por traficantes para descansar e como ponto de prostituição.

As apurações policiais ainda identificaram uma jovem de 19 anos responsável pela venda de drogas em uma das barracas da cracolândia. Conhecida como “Gatinha da Cracolândia”, segundo policiais, ela foi presa na quinta-feira (22), suspeita de tráfico de drogas, na quinta-feira (22), em Barueri (Grande SP).

A jovem negou a relação com o crime na porta da delegacia. A reportagem procurou sua defesa por telefone e por mensagem de texto na sexta (23), mas não teve resposta.

Hierarquia criminosa

O chefe de investigações da 1ª Seccional explicou que existe na região uma hierarquia de criminosos, usada para "garantir a ordem" e o fluxo de vendas, que dura 24 horas por dia, sete dias por semana.

Segundo o policial, há no local os disciplinas, criminosos responsáveis por "julgar" e determinar punições para eventuais transgressões de regras. "As punições podem ser espancamentos, expulsão da cracolândia e até a morte", pontuou.

O crime organizado também mantém na cracolândia tesoureiros, responsáveis pelas finanças da facção criminosa, os "prepostos", que substituem os traficantes quando estes "vão descansar", além dos "travessias", pessoas responsáveis por transportar um grande volume de drogas quando a prefeitura realiza limpeza na região, o que ocorre três vezes ao dia. "Eles são seguidos e protegidos pelos usuários, que defendem a droga como se fosse ouro", disse ainda Zaparoli.

Um vídeo feito durante as investigações mostra o momento em que os travessias, arrastando lonas— dentro das quais supostamente há drogas— são seguidos por dezenas de usuários pela rua Helvétia.

Já houve casos em que dependentes químicos confrontaram agentes de segurança para proteger traficantes na região.

A investigação também constatou que o fluxo de usuários de drogas oscila entre 500 e 600 pessoas nos períodos da manhã e da tarde, podendo chegar a 2.000 dependentes à noite.

Quase 4 toneladas de drogas em dois anos

Ações policiais realizadas entre 2019 e novembro de 2020 resultaram na apreensão de 3,6 toneladas de drogas na região da cracolândia, segundo a SSP (Secretaria da Segurança Pública).

Em média, é como se a polícia apreendesse 5 kg de entorpecentes por dia na região. Em termos de comparação, a quantidade de drogas retiradas da cracolândia, não especificadas por tipo, representa quase 13% das mais de 28 toneladas de entorpecentes apreendidos pela PRF (Polícia Rodoviária Federal) em rodovias entre janeiro de 2019 e outubro do ano passado.

As apreensões ocorridas na cracolândia são, em sua maioria, da droga que dá nome à região do centro paulistano.

A SSP acrescentou que, em quase dois anos, também foram apreendidos na cracolândia cerca de R$ 700 mil em espécie, 15 armas de fogo, 76 facas, oito simulacros (armas de brinquedo), 503 munições e 336 balanças de precisão. Também foram presos 1.276 suspeitos.​

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