A Promotoria dos Direitos Humanos abriu uma ação civil pública para tentar impedir a atuação da GCM (Guarda Civil Metropolitana) como força policial na cracolândia, no centro da capital paulista. O documento, publicado na segunda-feira (31), é assinado por três promotores de Justiça.
A alegação do MP-SP (Ministério Público de Sâo Paulo) é a que a guarda, ligada à Prefeitura de São Paulo, conta com histórico de "atuações excessivas" na região, onde se concentram usuários de drogas, principalmente crack.
A Secretaria Municipal de Segurança Urbana afirmou, em nota, não ter sido "oficialmente noticiada" sobre a "ação civil pública mencionada", acrescentando estar à disposição "para prestar esclarecimentos após ciência dos termos." A pasta da gestão Ricardo Nunes (MDB) não quis comentar a ação.
Entre os excessos destacados pela Promotoria estão o "desvio de função e abuso de poder", verificados desde 2017 por integrantes do Ministério Público paulista, "que já ouviu integrantes e dirigentes da GCM e fez várias tentativas de solução extrajudicial, por meio de reuniões voltadas à modificação da atuação da corporação", diz trecho de documento do MP.
Segundo os promotores Eduardo Valerio, Arthur Pinto Filho e Anna Troffa Yaryd, os guardas são suspeitos de "a pretexto de combater os traficantes de drogas", atacarem os usuários de crack.
Parte da denúncia da Promotoria foi embasada em um dossiê produzido pelo Craco Resiste, um movimento contra a violência na cracolândia, que divulga na internet imagens de câmeras de monitoramento, nas quais guardas aparecem agindo com truculência, injustificadamente.
A reportagem assistiu a imagens captadas entre dezembro do ano passado e 29 de março último, em que GCMs arremessam bombas e disparam, aparentemente com balas de borracha, contra usuários de drogas.
Em um dos flagrantes, feito por volta das 17h do dia 20 de janeiro deste ano, um grupo de guardas fica em uma das esquinas da alameda Dino Bueno, disparando tiros de borracha, enquanto uma multidão de usuários de drogas sobe pela rua Helvetia e acaba se concentrando na alameda Dino Bueno. O grupo, após isso, passa a ser atacado pelos guardas por ambos os lados, ficando encurralado na alameda, da qual voltar à rua Helvetia, onde guardas atacam novamente o bando de pessoas correndo.
Segundo o Craco Resiste, nessa ação foram contabilizados 48 tiros de bala de borracha e quatro bombas de gás, usadas contra os usuários de drogas.
Em outro registro feito em vídeo, às 17h15 de 20 de fevereiro, um guarda usa spray de pimenta contra um suposto usuário de drogas que se aproxima dele, mas sem esboçar uma ação que justificasse o uso da arma não letal pelo guarda.
Segundo o documento, assinado pelos três promotores de Justiça, os valores gastos pelo governo municipal, na compra de armas, "sugerem o quanto a GCM paulistana vem adotando uma indevida feição de linha acessória da Polícia Militar e dando caráter militar ao exercício de suas funções", diz trecho do documento.
Na Lei Orçamentária de 2019, mencionada pelos promotores, a Prefeitura de São Paulo gastou R$ 2 milhões sob a rubrica "Aquisição de Armas, Uniformes e Equipamentos de Defesa". No ano seguinte, ainda de acordo com o Orçamento, foram injetados pouco mais de R$ 3 milhões, um aumento de 50%.
Os investimentos, aliados aos "desvios de finalidade", apontados pela promotoria, resultam em "claro e inadmissível excesso de poder", por parte dos guardas, "uma vez que os seus agentes, no exercício de suas funções, extrapolam suas atribuições e atuam contra dependentes químicos, moradores e cidadãos em geral de modo truculento", destaca trecho da ação civil pública.
Operações das polícias Civil e Militar realizadas entre 2019 e novembro de 2020 resultaram na apreensão de 3,6 toneladas de drogas na região da cracolândia, segundo a SSP (Secretaria da Segurança Pública).
Em média, é como se a polícia apreendesse 5 kg de entorpecentes por dia na região. Em termos de comparação, a quantidade de drogas retiradas da cracolândia, não especificadas por tipo, representa quase 13% das mais das 28 toneladas de entorpecentes apreendidos pela PRF (Polícia Rodoviária Federal), nas estradas paulistas, entre janeiro de 2019 e outubro de 2020.
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