Descrição de chapéu Opinião

Marcos Guedes: Vida gorda

Gustavo fez questão de articular claramente cada sílaba de “é bonita, é bonita e é bonita”, mas sabia que não seria seguido por todos. Quando Careca está por perto, os versos de Gonzaguinha são transformados em “vai, Curinthia, vai, Curinthia, e vai, Curinthia”.

Foi assim no último domingo —como fora em tantos outros—, na jornada ora derradeira do Pau Brasil. No adeus ao endereço em que fez sua história, na Vila Madalena, a casa de samba reuniu gente que acredita no que ali foi construído ao longo de 13 anos.

Como estamos em um caderno de esportes, é preciso justificar a existência deste texto com o “vai, Curinthia” de Careca —o robusto percussionista/cavaquinista/cantor/influencer que bate no pandeiro enquanto vende canecas de futebol com a inscrição “vida gorda”.

Reinaldo Careca exibe sua ginga no Pau Brasil - Ronny Santos/Folhapress

Mas o Pau Brasil é mais do que isso. É uma ideia dos pais de Gustavo, Cláudio e Nilce, uma roda democrática em que todos têm vez e voz, mesmo aqueles que preferem uma vida magra.

Até um roqueiro, sempre com olhos pintados e guitarra nas mãos, foi abraçado. A ele e a todos só havia duas recomendações: respeite o samba e não batuque na pilastra, porque a vizinha vai encher o saco.

Atrás daquela portinha discreta, ao lado do posto de gasolina da Inácio, existia todo um mundo. Um mundo que não cabe em 76 linhas (você vê, aqui, a versão online de uma coluna do jornal impresso), uma história que é bonita, é bonita e é bonita.

Como esta coluna não é o Pau Brasil, o espaço limitado é um problema. O jeito é concluir com um retrato ilustrativo, registrado na noite da despedida.

No finalzinho daquele Dia das Mães, Seu Cláudio estava com as costas na parede, calando e observando o filho, como adora fazer. Gustavo, que interpretava outra canção de Gonzaguinha, sorriu breve e ternamente na direção de Nilce ao cantar “ei, mãe”.

Naquela cadeia de olhares cúmplices estava todo o Pau Brasil, uma instituição que marcou corintianos, são-paulinos e palmeirenses. Com a perna no mundo, ele busca novo teto. Vida longa! E gorda!

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