Lama, drama. Em São Paulo, a terra não é plana. E a chuva, parafraseando tragicamente o slogan moderninho e coxinha do atraso, acelera e traz estrago morro abaixo. Levando tudo, asfalto, barraco.
Destrói e arrasta tudo de quem já não tinha nada. Não dá para diferenciar o que é rua, o que é esgoto, o que é rio. Incompetência nua desfilando na avenida. Que leva tudo dos manos e das minas. Estado é exceção. Odor de privada. Vendem tudo, não oferecem o mínimo. É público: o que acontece em São Paulo não é diferente do que também acontece no Rio de Janeiro e em Minas Gerais.
É da natureza humana chamar de tragédia, naturalizar o descaso. Pobre, miseráveis, pobre, miséria. É assim há anos. Todos os anos. Quem deveria investir para que isso não acontecesse não investe, mas é quem aparece para dizer que choveu o que não era esperado. A cara de pau é tamanha que sobra para a natureza.
A chuva não era esperada por quem? Pelo desempregado não assalariado, mesmo os que não acreditam que o homem foi à lua nem no aquecimento global, a tragédia, reiterada, está dentro do esperado. É rotina do pobre coitado.
O poder público não podia esperar outra coisa ao autorizar obras, prédios e mais prédios no centro. Dinheiro lavado, rio canalizado. Cidade entra pelo cano. Um pouco pelos desmandos, muito pelas assinaturas e licenças de que manda. Vista grossa na ocupação irregular na periferia, vista bem aberta na regularização central.
O Brasil é o país em que o futebol imita a vida. Com o de baixo amassado pelo de cima. Noite e dia. Todo ano. Como todo ano tem 365 dias e 52 semanas. E o nosso calendário, que é um lixo, é tratado todo ano como atípico. É discurso típico da cartolagem. E cínico. Neste ano tem Olimpíada. E Copa América. E as seleções sub-23 e principal vão destruir clubes e campeonatos. E o estourar o saco da torcida. Acontece todo ano. Como a chuva. E quem tem culpa aponta o dedo para a vítima, lava as mãos, diz que não é com ela, que não sabia.
Quando não é o sofá no rio, a culpa no Ninho é do ar-condicionado.
É claro que o cidadão também tem culpa. É ele que elege a "otoridade" que, em tese, toma conta da cidade.
Eduardo Galeano: "Na luta do bem contra o mal, é sempre o povo que morre".
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