Isolamento social obrigatório. Quarentena. Tempos de aula online para o meu filho. A pedagogia mudou. Os métodos idem. Mas matemática ainda é uma ciência exata. E a última flor do Lácio segue inculta e bela.
Enquanto ficava de butuca na aula dele, voltava três décadas e lembrava das minhas quando tinha 11 anos. Não existia internet, A-4 chamava sulfite, mas muita coisa de outrora é igual agora. É história.
Lembro que, com 11 anos, a idade dele agora, não conseguia entender como o ser humano normalizou a escravidão. Era difícil visualizar a cena de navios chegando com negros acorrentados, mais difícil ainda entender pessoas chicoteando outras e achando normal a relação de posse, como se brancos fossem seres, e negros, coisas.
Caminhando mais um pouco na linha do tempo, comum nas aulas de História, teve a Segunda Guerra, o nazismo, o fascismo. Como uma criança poderia entender que algumas pessoas matavam outras em câmaras de gás? Nos anos 80, quando tive contato com essas informações, era menos de meio século à frente dos fatos. E o apartheid ainda vingava na África do Sul.
Não sou mais criança. Nem precisa recuar no tempo. Como entender o que estamos presenciando hoje?
Não me refiro à pandemia em si até porque jamais cogitei ser bom em biologia. O insano mesmo é a área de humanas, ou, melhor, os "humanos". Como aceitar e compreender que "gente" defenda campo de concentração para infectados; velhos sacrificados para a economia girar; medicamento sem comprovação médica para fazer a alegria de empresário do ramo; fim do isolamento para continuar vendendo hambúrguer para o público; jejum contra o vírus; trevas contra a ciência; aglomeração para não perder o dízimo contra a reclusão cristã...
Filho, quando tinha 11 anos, em 1988, o nosso Corinthians foi o campeão paulista no centenário da abolição da escravatura. Agora, nos seus 11, talvez não tenha campeão paulista, mas será o ano da pandemia da idiotia, da ignomínia, da ignorância, da canalhice, que contagia progressivamente o mundo. Como explicar isso daqui a 40 anos?
Eduardo Galeano: "A justiça é como uma serpente, só morde os pés descalços".
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