O índice que foi convencionado pelo mercado de imóveis como referência para o reajuste do contrato de aluguel teve uma alta, nos últimos 12 meses, que superou em quase seis vezes a inflação oficial do país.
Em setembro, o acumulado do IGP-M (índice Geral de Preços - Mercado), calculado pela Fundação Getulio Vargas para os últimos 12 meses, ficou em 17,94%, e acendeu a luz de alerta dos economistas.
Entre janeiro e setembro, o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), do IBGE, usado como referência para a inflação do dia a dia do brasileiro, ficou em 3,14% nos últimos 12 meses até setembro.
A alta elevada no IGP-M tem dificultado a vida de quem mora de aluguel e tem o indicador como a inflação utilizada para reajustar o contrato. A coordenadora executiva Priscila Matos, 38 anos, conseguiu uma negociação, mas que não a deixou, de todo, satisfeita.
Ela alugou um sobrado de dois quartos, na região de Sapopemba (zona leste), e o contrato completou um ano neste mês. A imobiliária mandou um informe com o valor do reajuste pelo IGP-M e a redução, com desconto, dada pelo proprietário.
“Com o IGP-M, o valor teria um reajuste de R$ 175, mas a imobiliária aumentou em R$ 50. A diferença é chamada por eles de bonificação. Para mim, o problema é que, no ano que vem, a base do valor será o preço cheio. Então é como uma bola de neve, mesmo considerando que agora teve a bonificação”, diz.
Com a pandemia de coronavírus, Priscila teve a jornada de trabalho reduzida e o salário ficou 25% menor. Seu contrato de locação terminará em um ano e meio. Para José Dutra Vieira Sobrinho, economista, professor de matemática financeira e vice-presidente da Ordem dos Economistas do Brasil, é preciso haver alternativas ao índice.
“Não dá para aceitar uma coisa dessas. Ou só o IGP-M está certo e todos os outros índices de inflação estão errados, ou então o que é óbvio, o IGP-M precisa parar de ser usado como índice de inflação porque ele não mede a inflação real. Imagina um assalariado tendo que pagar 18% de reajuste no aluguel, em plena crise econômica”, diz.
O economista considera que a praxe de usar o IGP-M no contrato não ajuda nem proprietários nem inquilinos. “É só para criar problema. Mais da metade da cesta que cria o IGP-M se refere a preços no atacado, que sofrem com o comportamento do dólar. As pessoas que moram de aluguel não têm a sua vida baseada no dólar ou nos preços de atacado”, afirma Dutra.
O especialista pretende apresentar à Ordem dos Economistas do Brasil uma proposta de criação de um novo índice de inflação, mas enquanto a ideia não sai do papel, ele defende o uso do IPCA no aluguel, calculado pelo IBGE com base nos preços de varejo e tarifas públicas.
O IGP-M é composto por três subitens, com pesos diferentes, que dependem de outros indicadores. Ao todo, 60% do índice é composto com preços do atacado, 30% vêm de preços ao consumidor e 10% são referentes ao custo de construção.
O economista Pedro Silveira também compartilha da opinião de Dutra e diz que o IGP-M não deveria ser usado nos aluguéis. "A manutenção do índice em muitos contratos é um atentado ao bom senso econômico. Os inquilinos devem negociar a mudança ou, no mínimo, o reajuste deste ano", diz.
"Com a queda da renda, que tivemos durante a pandemia, aplicar esse índice no reajuste dos aluguéis é nocivo ao equilíbrio financeiro das famílias”, defende Silveira.
Falar sobre os impactos da crise da pandemia durante a negociação do contrato de aluguel não é uma desculpa, mas sim um argumento para que o contrato seja discutido sob uma perspectiva real de inflação e custo de vida.
A educadora financeira Cinthia Senna também defende o uso do IPCA, já que ele é o indicador usado pelo governo como meta de inflação. “Muitos proprietários estão abrindo mão desse reajuste, que é previsto no contrato, porque entendem que a crise fez as pessoas perderem recursos e reduzirem os ganhos", afirma ela.
"Não saímos da crise da Covid-19 e toda negociação é válida. O não a pessoa já tem; ela não perde nada em arriscar um pedido de revisão”, diz. Caso não seja possível chegar a um acordo sobre o reajuste, a educadora sugere que o inquilino busque outra locação com um contrato com outro índice e um valor melhor.
Dólar influencia indicador
O economista Emilio Chernavsky, doutor em economia pela USP, lembra que o comportamento do IGP-M é tão volátil por causa do preço do dólar. Em 2017, por exemplo, o índice ficou negativo. “A explicação para o IGP-M negativo em 2017 é simétrica à do IGP-M recorde neste ano: a forte queda naquele ano é o resultado da valorização cambial, que se seguiu ao movimento altamente especulativo fazendo o câmbio disparar no período que antecedeu o impeachment”, diz Chernavsky.
Para ele, mesmo considerando um período longo, que sofre menos com as intempéries e crises do dólar, o IGP-M não se alinha aos outros índices de inflação. Da criação do plano Real até agora, o índice acumulado está acima de 800%, enquanto a inflação fica em torno de 520%.
Celso Petrucci, economista-chefe do Secovi (Sindicato da Habitação), confirma que o dólar está entre as razões para a elevação do indicaro, mas avalia que o cenário deve mudar. “O IGP-M sofre uma influência forte da variação do dólar. A expectativa é que, a partir de dezembro, este aumento explosivo se reverta. Algumas projeções dão conta que em 2021 poderemos ter um IGP-M médio de 7%”, afirma ele.
O Secovi é a instituição que representa o mercado imobiliário no estado de São Paulo. Para o economista-chefe, o índice em quase 18% gera uma situação “muito complicada para os contratos”.
Petrucci não acha que o indicador deveria ser descartado, mas que ambos os lados deveriam buscar um entendimento sobre o reajuste. “No geral, não acredito em solução pontual. O que está acontecendo, mesmo antes da explosão do acumulado, são acordos e negociações caso a caso."
Ritmo de alta | Reajuste do aluguel dispara
- Em 12 meses até setembro, o IGP-M (Índice Geral de Preços - Mercado), usado para a correção da maioria dos contratos de aluguel, acumulou alta de 17,94%
- Além da alta no indicador, a pandemia de coronavírus trouxe desemprego e queda na renda, o que tem preocupado inquilinos
Negociação
- Os economistas orientam que os inquilinos façam uma negociação com o dono o imóvel
- O principal ponto deve ser uma tentativa de mudar a cláusula de reajuste do contrato de aluguel e não usar mais o IGP-M
Comparação
- Mesmo se considerarmos períodos longos, que poderiam atenuar o indicador, o IGP-M é muito acima do IPCA, por exemplo, que é o índice oficial de inflação do país, medido pelo IBGE
IPCA (IBGE)
De julho de 1994 a agosto de 2020: 524,94%
IGP-M (FGV)
De julho de 1994 até agosto de 2020: 802,55%
Dicas para conversar com o dono do imóvel
1 - Fale sobre os índices possíveis na negociação
- Explique na negociação que o IGP-M não reflete a inflação real do país, que deve ficar em menos de 2%, segundo o IPCA
2 - Veja o que consegue fazer especificamente neste ano
- Se não for possível mudar o contrato, negocie uma alteração apenas para a renovação de 2020
3 - Faça a análise de preços juntos
- Proponha uma análise em conjunto com o proprietário sobre o valor do aluguel de imóveis parecidos na região
4 - Inquilino mais antigo leva vantagem
- Inquilinos com muito tempo de contrato podem usar isso como argumento para pedir uma flexibilização nas regras do contrato
5 - Crise econômica não deve acabar logo
- Outro argumento importante é a crise econômica que deve se manter ao longo de 2021, ainda por reflexo da pandemia
- Com a pandemia, muitos proprietários preocupados em ficar com o imóvel vazio fizeram negociações de desconto e até redução do valor do aluguel
Veja evolução dos percentuais
- Nos anos anteriores, neste período do ano, o comportamento do IGP-M foi bem diferente. Veja a tabela:
Em 12 meses até setembro | Índice (em %) |
2020 | 17,94 |
2019 | 3,37 |
2018 | 10,04 |
2017 | -1,45 |
2016 | 10,66 |
2015 | 8,35 |
Como é feito o cálculo do índice
- O IGP-M, assim como outros índices de inflação, leva em conta uma “cesta” de indicadores econômicos
- Dentre eles estão:
- IPA-M (Índice de Preços por Atacado - Mercado), que representa 60% do índice
- IPC-M (Índice de Preços ao Consumidor - Mercado), que representa 30% do IGP-M
- INCC-M (Índice Nacional do Custo da Construção - Mercado), responde por 10%
Maior influência na variação
- A variação do preço do dólar, o chamado câmbio, tem grande influência nos indicadores do IGP-M
- Quando o dólar sobe muito, o IGP-M também sobe
- É isso, entre outros itens, que tem feito o indicador disparar
Mais inflação
- Além do aluguel, o IGP-M é usado para atualizar o preço de alguns serviços como o de energia elétrica e planos de saúde
- Isso faz com que a inflação geral acabe também sendo ainda mais elevada quando aplica-se o IGP-M a outros serviços medidos no IPCA
Fontes: FGV (Fundação Getulio Vargas), José Dutra Vieira Sobrinho, economista, professor de matemática financeira e vice-presidente da Ordem dos Economistas do Brasil, economista Pedro Silveira e Emilio Chernavsky, educadora financeira Cinthia Senna e Celso Petrucci, economista-chefe do Secovi-SP (Sindicato da Habitação)
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