Sem emprego e renda, inquilinos devolvem imóveis na pandemia

Após negociar descontos e pagar multa por rescisão, muitos voltam a morar com parentes

Arthur Stabile
São Paulo

Aos 30 anos, Jéssica Rodrigues vivia sozinha em um apartamento alugado em Santa Cecília, no centro da capital paulista, até abril deste ano. Viu sua independência ir embora junto com o novo coronavírus.

A assessora política havia acabado de se mudar para a capital, vinda do Rio de Janeiro, quando a pandemia chegou ao Brasil. Perdeu emprego, renda e fez dívidas. Voltou ao Rio, para a casa da mãe.

O aluguel pesou mais. Pagava R$ 1.600 e sua reserva financeira não deu conta. Arcou com dívida, de R$ 2.200, parcelada no cartão de crédito, por romper o contrato antes do fim. "Perdi tudo de uma vez. Não sei como não surtei", resume. Para ela, a mãe aceitou a volta "de boa". "O problema é que me acostumei a morar longe", diz.

A atendente comercial Cristiane Zamboni, 50, também vai deixar o apartamento em Santa Cecília, onde morou por nove anos. Desempregada desde maio, ela não conseguiu manter o pagamento mensal de R$ 2.500 mesmo com desconto de 20% dado pela proprietária, que também perdeu o emprego na pandemia. "Tirando a situação de falta de emprego, foi tudo tranquilo. Não posso reclamar." Ela irá morar com a irmã, na Freguesia do Ó (zona norte). "Muito triste a situação."

Ainda não há estudos que tratem sobre a quantidade de imóveis devolvidos durante a pandemia. A análise do Secovi-SP (Sindicato da Habitação), é de um momento melhor do que em 2019, mesmo com a pandemia. Adriano Sartori, vice-presidente de Gestão Patrimonial e Locação do Secovi-SP , aponta para menor quantidade de devoluções neste ano, no período de sete meses. "Em relação a julho, quando olhamos no acumulado de sete meses, há 7.800 ações, uma queda de 17% em relação a 2019, com 9.400 casos."
Ele considera que isso ocorre por causa das negociações entre inquilinos e donos de imóveis. "Se sempre foi um bom pagador o dono senta para conversar", afirma.
Cristiane Yumi Ono, 29, advogada do escritório Zuba, afirma que a negociação é o melhor caminho por não existir uma regra geral que trate da pandemia. "Não há lei específica ou mesmas decisões na Justiça. A negociação é vantajosa por ser célere e econômica", explica.

Em caso de conflito, não há mais a possibilidade de despejo, pelo menos por enquanto. O Congresso Nacional derrubou na quinta-feira (20) veto do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) na lei 14.010/20 que possibilitava esse tipo de recurso. Assim, estão proibidas liminares para despejos até 30 de outubro de 2020, no caso de ações iniciadas a partir de 20 de março.

A decisão teria ajudado o fotógrafo Edgar Bueno, 41, que entregou o apartamento em que vivia na Bela Vista (região central da capital) no dia 1º de agosto. Sem pagar o aluguel, teve que acionar advogado após o dono pedir o imóvel. Conseguiu tempo, mas foi obrigado a sair e ainda vai arcar com a dívida, em torno de R$ 6.800.

"Recebi o auxílio emergencial, mas R$ 600 deu para comer. Ele não teve empatia." O freelancer foi morar com a mãe e, agora, vive com um amigo no Rio de Janeiro.
O pesquisador João Gomes, 27, deixou o Jaguaré, na zona oeste, e voltou a morar em Poá, sua cidade natal na Grande São Paulo. Ele se antecipou à crise.

Com o risco de perder a bolsa de estudos na USP, optou por entregar o apartamento em que vivia com a companheira, funcionária em clínica de estética, que ficou desempregada. Tinham gastos de R$ 1.800. "Fiquei seis meses no apartamento, mas não paguei multa. Tiraram da caução", explica. Em vez de receber de volta R$ 3.300 que investiu quando alugou o local, o pesquisador teve direito a R$ 2.500.

Agora, os dois vivem em uma casa no terreno dos avós de sua esposa, Carolina Oliveira. "Não cogito voltar a São Paulo. A pandemia motivou a escolha, mas também ficamos mais perto da família para ter filhos", explica Gomes.

Desempregada cai em golpe de falso proprietário

Alana Leandra Oliveira, 22 anos, natural de Ibicoara, na Bahia, perdeu o emprego como atendente de padaria na pandemia. Ela teve que deixar o imóvel em que morava com os dois irmãos na Santa Cecília depois de ser vítima de um golpe.

Sem condições de pagar todo o aluguel, negociou com a proprietária o pagamento de R$ 1.000. O acordo foi selado e o pagamento aconteceu via depósito bancário. No entanto, quem conversou com ela no WhatsApp era um golpista, não a dona do imóvel.

"Esse golpista apareceu se passando pela dona da casa e pediu para excluirmos o outro contato. Assim fizemos", relembra. O pagamento aconteceu em 11 junho, mas a cobrança não veio na hora.

Um mês após caírem no golpe, a verdadeira dona apareceu e cobrou o valor dos três irmãos. Na conversa, ela alegou não ter recebido nada em sua conta nem ter feito um acordo para reduzir o valor.

"Quando descobrimos mandamos mensagem para essa pessoa xingando. Daí nos bloqueou", conta. Alana vive agora com os irmãos e um primo e outro imóvel alugado no bairro do Limão.

Ela segue desempregada, mas os outros três têm conseguido bancar o valor da casa, com mensalidade de R$ 1.200. "Dá R$ 300 para cada um. Eles estão me ajudando enquanto sigo em busca de outra coisa", explica.

Vistoria

O advogado Leandro Nava explica que o inquilino deve ficar alerta para as condições do imóvel na hora da entrega. Quem alugou precisa de cuidado na vistoria para não arcar com novos custos.

"A partir do momento em que estou alugando um imóvel sou obrigado a devolver na mesma situação na qual se encontrava quando recebi", explica.

A vistoria de saída vai ser comparada com uma vistoria anterior à entrada no imóvel. "Se entregar e não arrumar, o proprietário pode entrar com ação de perdas e danos", alerta.

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O que fazer para devolver um imóvel

  • Quem aluga e precisa sair antes do prazo determinado no contrato costuma ter que pagar multa
  • Entre em contato com o proprietário para avisar de sua saída e tentar negociar

Valores

  • Punições variam, como pagamento de uma quantidade de aluguéis (normalmente três meses) ou conforme regra estipulada em cada contrato
  • O valor pode ser retirado da caução (quantia paga ao assumir o imóvel) ou cobrado do fiador, variando conforme a garantia definida na assinatura do contrato

Negocie

  • A pandemia é justificativa para não pagar multa, mas não há garantia de isenção. Não há lei específica, então tudo deve ser negociado com o proprietário

Despejo

  • O pedido de devolução do imóvel pode ocorrer a partir do primeiro pagamento em atraso. Existe a chance de o inquilino ser despejado em tempos normais
  • O Congresso Nacional proibiu despejos por débitos causados durante a pandemia de coronavírus. A suspensão vale até 30 de outubro de 2020

Vistoria

  • Após o aviso de saída, é obrigatório fazer uma vistoria. Nela, o inquilino deve devolver o espaço da mesma forma que o encontrou
  • A vistoria prévia, feita na chegada, é usada como referência para apontar danos, como problemas elétricos, hidráulicos ou de pintura, entre outros
  • A entrega das chaves finaliza a devolução. Dali por diante, inquilino não é mais responsável por danos ou dívidas


Fontes: Secovi-SP, Cristiane Yumi Ono (Zuba Advocacia) e Leandro Nava (Nava Advocacia)

Erramos: o texto foi alterado

A versão anterior deste texto informava que o casal tinha gastos de R$ 18 mil, mas o correto é R$ 1.800. O texto foi corrigido.

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