Pacientes do Instituto de Câncer Dr. Arnaldo Vieira de Carvalho, na República, na região central de São Paulo, reclamam da demora para realizar consultas e exames. Em alguns casos, a espera é de seis meses para o atendimento.
O Instituto Dr. Arnaldo, como é conhecido, é uma instituição filantrópica e atende apenas pacientes do SUS (Sistema Único de Saúde), recebendo recursos dos governos municipal, estadual e federal.
A demora no atendimento contraria a Lei Federal 12.732/2012, que determina que todo paciente com câncer deve receber o primeiro atendimento no SUS em até 60 dias contados a partir do diagnóstico confirmado em laudo patológico.
Mas não foi o que aconteceu com o pai da administradora Adriana Scafuro de Andrade, 45 anos. O aposentado Aquiles Scafuro, 74, foi diagnosticado com câncer na próstata em janeiro deste ano, mas ainda não iniciou o tratamento.
Adriana conta que seu pai descobriu alterações na próstata aos 50 anos, e começou a fazer acompanhamento na da UBS Burgo Paulista, em Ermelino Matarazzo, na zona leste.
Segundo Adriana, o pai fez raspagens que não surtiram efeito e, em janeiro deste ano, realizou uma biopsia que confirmou que o tumor era maligno. Foi quando a UBS encaminhou o aposentado a tratamento oncológico no Instituto Dr. Arnaldo. Porém, só conseguiram consulta para junho.
Na consulta, o médico pediu novos exames para começar a quimioterapia, entre eles uma tomografia da próstata, que foi agendada para o dia 21 de janeiro de 2020. "Deu a entender que a fila para fazer o exame está grande. O problema é que não podemos deixar a situação do meu pai se agravar", afirma Adriana.
A reportagem esteve nesta segunda-feira (12) no Instituto Dr. Arnaldo e ouviu relatos de outros pacientes que também tiveram dificuldade para iniciar o tratamento. Um deles, que não se identificou, disse que a consulta desta segunda havia sido marcada para março deste ano.
Esperou demais
A demora no início do tratamento do câncer também preocupa a família do aposentado Jorge Carlos de Almeida, 61 anos, que retirou um tumor maligno no intestino em fevereiro deste ano e perdeu o prazo para iniciar a quimioterapia no Instituto Dr. Arnaldo.
Segundo a filha do aposentado, a dona de casa Joyce Martins de Almeida, 29, o pai foi operado às pressas após passar mal. Somente após a cirurgia a família descobriu que o motivo de todo o desconforto do aposentado era causado por um tumor maligno.
"Meu pai saiu do hospital com uma guia para passar em consulta com um oncologista. Para isso, ele teve que entrar em uma fila para conseguir uma vaga", afirma Joyce.
A consulta com oncologista só foi marcada mais de três meses depois da cirurgia, em 21 de maio deste ano no Instituto Dr. Arnaldo.
Segundo a filha, o médico disse que o aposentado precisava começar o tratamento quimioterápico o mais rápido possível. "Ele pediu novos exames e queria que meu pai retornasse em uma semana, mas não conseguimos", afirma a filha.
Com a urgência, a família decidiu pagar parte dos exames solicitados. Somente os de sangue custou cerca de R$ 800 à família. A tomografia ele conseguiu fazer no hospital onde o aposentado foi operado.
Joyce lembra que ligava todos os dias no Instituto Dr. Arnaldo para marcar o retorno do pai e só conseguiu nova consulta para o dia 6 de agosto.
"Não adiantou. O médico disse que perdemos o prazo para iniciar a quimioterapia e que o tratamento não iria mais fazer efeito. Agora só o acompanhamento. Isso significa que as chances do câncer voltar no meu pais é muito grande", afirma.
Problema que se arrasta
Em abril de 2017, o Instituto de Câncer Dr. Arnaldo Vieira de Carvalho enfrentou dificuldades financeiras devido a corte de verbas e teve que dispensar pacientes encaminhados pela Prefeitura de São Paulo.
Na época, a administração do instituto disse que havia uma "limitação orçamentária" imposta pela prefeitura, que prevê 130 internações cirúrgicas a um custo de R$ 780 mil por mês.
O instituto disse que havia realizado, em média, 264 internações cirúrgicas por mês, o que causou prejuízo mensal de R$ 800 mil, por não receber da prefeitura, apesar de os procedimentos terem sido autorizados.
Naquela época, a prefeitura, ainda na gestão João Doria (PSDB), hoje governador do estado, disse os pacientes dispensados seriam redirecionados para outros hospitais com capacidade de atendimento.
Semanas após a dispensa de pacientes, o Instituto Dr. Arnaldo sofreu novo revés. Um dos quatro andares do prédio teve que ser desativado depois que o Ministério da Saúde, ainda no governo Michel Temer (PMDB), negar aumento de R$ 1,7 milhão no repasse para os atendimentos.
Na ocasião, ainda havia a possibilidade de outro andar do prédio também ser fechado, totalizando a desativação de 33 dos 72 leitos instalados.
Na época, o Ministério da Saúde não disse se ia ampliar em R$ 1,75 milhão o valor de repasse para o Instituto Dr. Arnaldo. A pasta respondeu que, desde 2007, vem repassando recursos específicos para o instituto referentes a habilitações de serviços e incentivos federais que totalizam R$ 2,8 milhões por ano.
Respostas
A Secretaria Estadual de Saúde, governo João Doria (PSDB), afirma que auxilia financeiramente o Instituto Dr. Arnaldo Vieira de Carvalho por meio de convênios e repassou neste ano R$ 5 milhões. Diz ainda que a gestão do instituto é de responsabilidade da Prefeitura de São Paulo.
A Prefeitura de São Paulo, gestão Bruno Covas (PSDB), afirma que o paciente Aquiles Scafuro está em tratamento no Instituto de Câncer Arnaldo Vieira de Carvalho e sua consulta mais recente foi realizada no dia 7 de junho de 2019, na especialidade de urologia. A pasta diz que vai consultar o instituto sobre o motivo da marcação do exame de tomografia apenas para janeiro de 2020.
Com relação ao paciente Jorge Carlos de Almeida , a secretaria diz não foi localizado no Sistema SIGA Saúde. "Isso pode ter ocorrido em caso de o paciente estar registrado em outro município ou se houve equívoco no número do documento fornecido".
A reportagem também procurou o Instituto Dr. Arnaldo, que não respondeu sobre o atraso.
Já o Ministério da Saúde, governo Jair Bolsonaro (PSL), afirma que em 2019 foram repassados R$ 9,3 bilhões para o estado de São Paulo. Deste total R$ 6,9 bilhões foram para o Teto MAC (Teto Financeiro de Média e Alta Complexidade).
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.