Prisões de suspeitos em casos de pedofilia crescem no estado

Somente no ano passado, 97 pessoas acabaram detidas, uma alta de 304% com relação a 2017

São Paulo

Pedófilos podem estar em qualquer lugar, inclusive dentro de casa. Em alguns casos, ocupam posições socialmente de destaque, aparentam ser moralistas e mantêm atração sexual por crianças preservada das pessoas de seu convívio.

Entre o início de 2016 e junho deste ano, 258 pessoas foram presas no estado de São Paulo acusadas de pedofilia pela internet. Os suspeitos mantinham, compartilhavam e produziam pornografia infantil em computadores e mídias como pendrives e CDs. Os dados são da Polícia Civil e foram encaminhados via Lei de Acesso à Informação. 

As prisões caíram de 77 para 24 (-68%) entre 2016 e 2017. Subiram de 24 para 97 (304%) entre 2017 e 2018. Já as 73 detenções, feitas no primeiro semestre de 2019, representam 75% de todos os casos do ano passado. 

Ana Iencarelli, psicanalista que trata crianças e adolescentes e presidente da ONG Vozes de Anjos, afirma que há muitos indícios que podem ajudar a identificar vítimas de pedofilia. Alguns deles são alterações no comportamento, como excesso de apatia ou de ansiedade, além de sexualização precoce, principalmente nas crianças mais novas, pois elas tendem a repetir o comportamento das quais foram vítimas.

 “Há crianças que costumam reproduzir masturbação compulsiva, pois a maioria dos pedófilos não opta pela penetração peniana. Eles preferem carícias, sexo oral e masturbação”, explica a especialista, que atua há 46 anos na área.

Dados do Ministério da Saúde mostram que 58.074 crianças foram vítimas de abuso sexual no Brasil, entre 2011 e 2017. Deste total, 43.034 (74,2%) eram meninas e 14.996 (25,8%), meninos. Vítimas entre 1 e 5 anos correspondem a  51,2% do total. 

A psicanalista afirma ainda que há duas categorias de pedófilos: os que consomem pornografia infantil e os que a produzem, abusando sexualmente de crianças. “O prazer do pedófilo é se sentir onipotente diante da vítima, eles não têm empatia com as vítimas, que acabam sendo acusadas [pelos abusadores] de os seduzir”, afirma.

Tio abusou da sobrinha 

A pequena Érica Rodrigues caminhava em 1986 pela casa de uma tia, no estado do Rio de Janeiro. No local, que ficava ao lado da sua casa, só estavam ela, com 5 anos de idade na época, e o tio, de 60. Quando a criança passou ao lado do homem, ele a teria puxado e a obrigou a masturbá-lo. 

“Ele fez isso outras vezes, mas não lembro com nitidez de todas. Os abusos duraram até os meus sete anos”, afirma ela, atualmente com 37 anos e coordenadora da campanha Todos Contra a Pedofilia.
Os abusos pararam após o tio se mudar de bairro, diz. Ele morreu em 2009. 

Psicóloga de 49 anos que mora na Grande SP acusa o ex-marido de ter abusado do filho e trava com ele uma briga na Justiça pela guarda da criança
Psicóloga de 49 anos que mora na Grande SP acusa o ex-marido de ter abusado do filho e trava com ele uma briga na Justiça pela guarda da criança - Ronny Santos/Folhapress

Érica conviveu em silêncio com o trauma até os 21 anos. Durante este período, perdeu a autoestima e evitava se cuidar. “Eu não me maquiava, usava roupas largas para não mostrar meu corpo”, afirma.  

A revelação ocorreu em um café da tarde em família. Érica aproveitou que tias e primas falavam sobre o passado e contou a elas que havia sido abusada pelo tio quando criança.

 “Não queria me fazer de vítima. Disse que ele [tio] era um safado, sem entrar em detalhes sobre os abusos. Isso pra mim foi uma libertação, arranquei algemas”, afirma.

Em outro caso, uma psicóloga de 49 anos que vive na Grande SP trava uma briga judicial com o ex-marido para conseguir de volta a guarda do filho de 8 anos. Ela garante que flagrou o ex abusando da criança, quando ela tinha 2 anos. 

“Meu filho me falou que ‘brincava’ de encostar ‘pipi com pipi’ com o pai dele”, diz ela que tem uma gravação da criança. 

Pais devem ter cuidado ao postar fotos

A psicanalista Ana Iencarelli afirma que teve acesso a imagens de pornografia infantil compartilhadas por pedófilos na deep web (internet de difícil rastreamento) e que foram apreendidas pela polícia. 

Ela diz que fotos e vídeos chegam a ser comercializados por preços que vão de R$ 5.000 a até mais de R$ 50 mil. “Quanto mais nova a vítima, mais cara é a imagem.” Ela afirma que com o maior acesso a tecnologias, os pedófilos conseguem produzir conteúdo criminoso mais facilmente. “Muitas vezes pais e mães ajudam na produção. Já atendi um caso em que a vítima tinha somente 28 dias de vida.” 

Imagens aparentemente inocentes de uma criança de biquíni na praia, divulgadas em redes sociais por parentes, também podem ser reproduzidas sem autorização e usadas por pedófilos em seus compartilhamentos ilegais, explica a psicanalista. 

Secretaria diz que denúncias são apuradas

A SSP (Secretaria da Segurança Pública), gestão João Doria (PSDB), diz em nota que intensifica o combate a pedofilia. A pasta afirma que todas as delegacias do estado estão aptas a registrar e investigar denúncias de abuso sexual contra menores e o consumo e distribuição de material de pornografia infantil.

A secretaria diz que o mapeamento online de pedófilos, além de investigações de campo, são práticas permanentes da polícia no estado de São Paulo. 

“As pessoas envolvidas com essa prática [pedofilia], de forma geral, são do sexo masculino, têm aparência comum e agem de forma sedutora pela internet”, diz trecho de nota. 

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