A aprovação da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para a venda de produtos à base de Cannabis no Brasil, em 3 de dezembro, foi recebida com ressalvas por especialistas e familiares de pacientes que dependem do canabidiol, o extrato da planta importado dos Estados Unidos.
Para eles, o fato de o cultivo continuar proibido para fins medicinais deverá manter elevado o preço do canabidiol, que trata doenças como epilepsia e dor crônica.
Mãe de um adolescente com epilepsia em consequência de paralisia cerebral, a publicitária Luciana Dutra Mariano, 47 anos, conseguiu na Justiça o direito de receber o canabidiol gratuitamente, direto do governo estadual. Se fosse obrigada a comprar por conta própria, pagaria até R$ 3.000 mensais.
"Já tenho a liberação da Anvisa, que não é o mais difícil. Qualquer um que tenha um médico dizendo que precisa, que tentou outros medicamentos sem sucesso, consegue facilmente. O difícil é comprar, porque é importado e caro", afirma. "Há laboratórios no Brasil que poderiam produzir. Se eles pudessem plantar, eu compraria por um valor mais barato na farmácia."
A bancária Cidinha Carvalho, 52, obteve na Justiça, em 2016, o direito de plantar Cannabis para tratar a filha, que tem síndrome de Dravet, doença que provoca convulsões. Ela também vê com pouco otimismo o aval da Anvisa. "Para mim, apenas viabilizou o que já era permitido, que é o uso do produto importado, custando caro, enriquecendo grandes indústrias. São elas que terão condição de comprar insumos lá fora, ao invés de incentivar o cultivo no Brasil", afirma.
Especialista diz que cultivo sairia por até R$ 50 ao mês
Professor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Unicamp, João Ernesto de Carvalho diz que a liberação do cultivo da maconha em casa, para extração com álcool pelos próprios familiares de quem necessita de canabidiol, baratearia o custo. "De R$ 3.000 ao mês cairia para não mais que R$ 50", afirma.
Carvalho diz ainda que, enquanto foram paralisados no Brasil, os estudos com a maconha seguiram nos Estados Unidos, com desenvolvimento de espécies ricas em canabidiol e pobres em THC (a substância que dá o "barato").
O professor faz um alerta. "As pessoas vão entrar na Justiça e o governo vai continuar a pagar caro por algo que poderia ser barato. A própria empresa interessada dá assessoria para o paciente obter o medicamento por via judicial", diz.
Empresa aponta rapidez no início do tratamento
Analista de projetos científicos e desenvolvimento da HempMeds Brasil, uma das empresas especializadas na importação do canabidiol, Gabriel Barbosa diz que, com a regulamentação, o paciente não vai mais precisar da autorização da Anvisa para usar o produto, o que vai diminuir o tempo para início do tratamento.
"Cai de três meses para 30 minutos, que é o tempo de sair do consultório e comprar na farmácia", afirma.
O representante da HempMeds vê possibilidade de queda no custo. "Parte da cadeia produtiva [embalagem, por exemplo] será feita aqui no Brasil. Tira a operação em dólar e cai para real", diz. "Se fosse permitido o cultivo, a redução seria maior", afirma.
Resposta
A Anvisa afirmou que a regulamentação serve para permitir acesso "com parâmetros de segurança bem definidos". Segundo a agência, voto do relator Antônio Barra traz justificativas para o veto ao plantio, entre elas, que não haveria estudo que comprove que o cultivo nacional promova a redução de custos. O governo estadual, da gestão João Doria (PSDB), diz que o canabidiol do filho de Luciana Dutra deverá chegar para "desembaraço aduaneiro" até o início desta semana.
Saiba mais
O que a Anvisa regulamentou?
- A importação do óleo extraído da Cannabis. A partir dele, é possível oferecer o medicamento a quem precisa e obter registro para a venda em farmácias.
O plantio de maconha foi autorizado?
- Não. O governo federal não autorizou o cultivo da cannabis para a produção do medicamento.
O cannabidiol dá “barato” como a maconha vendida por traficantes?
- Não. O canabidiol é uma das mais de 120 substâncias conhecidas como canabinoides presentes na planta. O que dá “barato” é outra substância da maconha, conhecida como THC. Já há variedades da planta ricas em canabidiol (usado no medicamento) e, por outro lado, com índice muito baixo de THC, insuficiente para produzir alucinação
Qual o benefício da regulamentação?
- Etapa final da produção, como a embalagem, poderá ser feita diretamente no Brasil, bem como a redução do tempo para a compra do medicamento, que ocorrerá em qualquer farmácia, com receita médica
Qual a crítica feita por pacientes e especialistas?
- Toda a produção, desde o plantio, deveria ter sido liberada no Brasil para baratear o custo do medicamento, que é importado. O extrato produzido a partir de duas plantas pelo próprio paciente ou familiar custaria algo em torno de R$ 50 ao mês, sendo que o remédio trazido dos EUA custa até R$ 3.000 no mesmo período.
Quem paga?
- De forma geral, pacientes conseguem o canabidiol por meio de ações na Justiça contra o governo, que é obrigado a fornecê-lo, se constatada a necessidade.
Fonte: Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), Ministério da Saúde, professor João Ernesto de Carvalho, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Unicamp, e Gabriel H. Barbosa, analista de projetos científicos e desenvolvimento regulatório da HempMeds Brasil
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