Idosos seguem nas praças em meio à pandemia de Covid-19

Medo da solidão é maior do que o receio de contrair o coronavírus e tira os mais velhos de casa

São Paulo

O medo de ficar solitário e deprimido, a vontade de encontrar os amigos e a fé de que nada de mal vai acontecer tem feito com que muitos idosos sigam nas praças da capital paulista. O costume contraria recomendações médicas e expõe os mais velhos ao risco de contaminação por coronavírus.

O vendedor aposentado Ademir Gravanzola, 73 anos, diz que se informa por canais evangélicos e que confia nos hábitos saudáveis ao longo da vida para se ver livre da Covid-19. “Acho que quem tiver que morrer vai morrer. Você crê em quê? Eu vivo pela fé. Tem pessoa que fala mais em coronavírus do que em Deus”, conta o frequentador da praça Doutor Sampaio Vidal, na Vila Formosa (zona leste).

Aposentados jogam carteado na praça Dr. Sampaio Vidal, na Vila Formosa, zona leste; apesar da determinação das autoridades sanitárias para o distanciamento social, eles continuam indo ao local diariamente 
Aposentados jogam carteado na praça Dr. Sampaio Vidal, na Vila Formosa, zona leste; apesar da determinação das autoridades sanitárias para o distanciamento social, eles continuam indo ao local diariamente  - Rubens Cavallari/Folhapress

Já o comerciante aposentado Fausto Toniolo Vieira, 72 anos, trabalhou a vida inteira na rua e não suporta ficar preso em casa, por isso procura amigos na mesma praça. “Tenho minha mulher com Alzheimer, questões familiares. Se não sair para dar uma distraída, o que vai acontecer? Vai dar tilt”, conta. “Não tem como ficar 24 horas ao lado da pessoa e não dar um ‘diz-que-diz’.”

Vieira afirma que amigos que “trabalham com política” costumam enviar notícias pelo WhatsApp, por onde ele se informa. Contrariando a ciência, as mensagens minimizariam o tamanho da pandemia. “A vida para mim não faz medo. Não tem como você sair fora da sua hora”, diz, convicto.

O também comerciante Carlos Freitas Gomes, 60, passa duas horas por dia na praça Torquato Plaza, em Sapopemba (zona leste), mas tem sempre o filho na cola. “Ele vem me buscar”, diz. Segundo Gomes, o medo tem fundamento. “Tenho amigo que abraçava as pessoas e dizia que cara que comia farinha com jabá não pegava essa doença. Ficou internado no Anhembi e saiu na segunda-feira (29). Quase morreu.”

O conferente aposentado Erasmo Gomes Filho, 66, também tem receio, mas não larga a praça por nada. “Rapaz, quem não tem medo? Se eu pegar, já era. Tive AVC, hérnia, hepatite, fumo há 50 anos e só estou vivo graças ao bom Deus.”

Aposentado diz que sente falta também dos bailes

O aposentado Francisco Costa, 78 anos, não quer parar em casa para não “ficar louco”. Viúvo, ele sonha também com o retorno aos bailes, que frequentava quatro vezes por semana.
Ficar olhando para as paredes depois de arrumar a cama e tomar café não é algo que combina com a vida agitada que sempre teve. “A minha parceira faleceu. A gente estava sempre enfiado nos campos de bola, nas festas.”

Contra todas as evidências, Costa desconfia da gravidade da Covid-19. Nem mesmo a morte de um amigo, há três semanas, com coronavírus apontado no atestado de óbito, serve para convencer o aposentado. “Diz que foi esse o motivo, mas a diabete dele subiu muito.”

Policiais orientam a evitar aglomeração nas mesas

Parte das praças que reúnem idosos na capital conta também com bases da Polícia Militar. Informalmente, policiais afirmam que têm orientado os idosos a evitar aglomeração ao redor das mesas de carteado e dominó. Nem sempre eles têm sucesso em espalhar as rodas.

No largo do Japonês, na Cachoeirinha (zona norte), mesinhas com o tampo quadriculado permanecem, mas o movimento de idosos caiu após a pandemia, segundo frequentadores. “Os próprios policiais alertam para não ficar todo mundo junto”, diz o divulgador Dirceu Ferro, 65 anos.

Mais velhos buscam mais visibilidade

Doutora em psicologia clínica do Instituto de Psiquiatria da USP, Dorli Kamkhagi explica que a praça vai além do espaço onde o idoso consegue socializar e bater papo com os amigos. É o lugar onde as pessoas mais velhas se reconhecem e encontram visibilidade. “Para muitos idosos que estão vivendo ameaçados pelo medo e pela solidão, a praça é um lugar onde se é visto. Pode ser muito perigoso e precisa ser vivido ou visitado com cuidado”, diz.

Dorli afirma que parte dos idosos decidiu negar a pandemia de coronavírus como uma forma de esquecer que todos somos mortais e vulneráveis. Segundo a especialista, esse tipo de comportamento é semelhante ao daqueles que se recusam a usar preservativo em relações sexuais.

A doutora em psicologia explica que familiares precisam conversar com seus idosos, mas não como se fossem pessoas fora do mundo ou crianças. “É preciso lidar de forma adulta e verdadeira. Senão o idoso se sente traído, o que gera raiva, dor e medo”, afirma.

Quando sentir angústia, o idoso precisa usar a experiência de vida para encontrar a calma. “Ele tem de pensar: minha vida não vai terminar agora. Tenho histórias para contar, um legado para deixar, uma linda família e em tudo isso a gente precisa pensar.”

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