As feiras livres da capital paulista são um convite à contaminação pelo coronavírus. O Agora foi nesta sexta (17) a três desses lugares, de norte a sul da cidade, e encontrou grande parte dos feirantes sem máscaras e clientes manuseando e consumindo produtos em volta das bancas, sem qualquer distanciamento.
Funcionária pública aposentada, Eliane Furtado, 61 anos, trabalhou no Ministério da Saúde ao longo da vida e se mostrou incomodada com as cenas que presenciou na feira da rua Pedra Azul, na Aclimação (zona sul), onde a reportagem contou 76 feirantes sem máscaras ou com o equipamento abaixado na altura do queixo.
"Não converso com quem está sem máscara. Fazia um mês que não vinha", diz.
Também na Aclimação, a cuidadora de cães Ariela Munhoz, 21, disse que a falta de cuidado do feirante influencia até a sua opção de compra. "Ele expõe a si mesmo e aos outros. É um motivo a mais para eu não comprar na banca dele."
Na rua Conceição Veloso, na Vila Mariana (zona sul), havia 25 feirantes sem máscara ou usando o equipamento de forma incorreta. "Você realmente vê que o pessoal está se descuidando ou que acaba, também pela situação da feira, tirando para falar alguma coisa", diz o prestador de serviços Ulisses Rocha Franco, 21.
Na feira da rua Carlos Laet, no Jardim São Paulo (zona norte), ao menos nove feirantes foram vistos sem a máscara ou com a máscara no queixo, principalmente nas barracas que vendem verduras. Em geral, os clientes estavam usando máscaras nos lugares visitados.
Para os feirantes, o uso da máscara vai além do incômodo, segundo eles dizem. "Atrapalha para gritar. No meio-dia, tem que fazer barulho para chamar o cliente", diz Ademílson Souza, 34, desde os 10 em feiras.
Vendedor de temperos, Fernando de Oliveira, 34, disse que já ouviu muito dos clientes um "põe a máscara, moço". Mas tenta justificar o fato de permanecer com ela abaixada. "É para gritar e também porque é muita correria, de um lado para o outro na banca para atender todo mundo. Sufoca."
Pastel atrai clientela e quebra a regra
A obrigatoriedade do uso da máscara e a impossibilidade de desfrutar do pastel ao lado do tacho fervente criam um dilema para os aficionados pelo salgado. A situação exige jogo de cintura dos pasteleiros e dose extra de boa vontade por parte dos clientes nas feiras da capital paulista.
O cheiro da fritura atravessa qualquer barreira física ou moral e a dentada na casquinha crocante, ali mesmo, é uma transgressão quase inevitável em tempos de pandemia.
"O pastel é um dos diferenciais. Você está passando, nem tem o intuito de ir à feira, mas para e come. Normalmente, até levo, mas hoje parei aqui rapidinho, porque tenho que voltar para o trabalho", diz o técnico em administração de empresas Elias Pereira.
Em uma das pontas da feira da rua Conceição Veloso, Satiko Umetsu, 74, comanda uma barraca e afirma que é difícil convencer a clientela a se afastar. "A gente fala que não pode, mas eles comem assim mesmo. Não podemos fazer nada", conta. Com a experiência de quem sabe o que vende, ela ainda faz uma concessão aos clientes. "Pastel tem que comer quente, porque é mais gostoso. Quem está passando de moto, de bicicleta, vai para comer", explica.
871 feiras
De acordo com a Prefeitura de São Paulo, a capital paulista conta com 871 feiras livres. São mais de 120 por dia --menos às segundas-feiras. Aos domingos esse número passa de 180. A lista com as feiras pode ser encontrada no site com a relação de feiras da prefeitura.
Trabalho com alimentos exige uso do equipamento
Ao não usar a máscara, um feirante pode contaminar frutas e verduras que estão próximos dele e, em seguida, outra pessoa que pegue o mesmo alimento corre o risco de se contaminar. É o que explica Cristhieni Rodrigues, infectologista do hospital Santa Paula.
"O uso de máscara nesse momento é universal para todos que saem de casa, inclusive nas feiras livres. Sempre que a pessoa conversa com alguém, expele gotículas de saliva e elas podem conter o vírus", diz.
Segundo a especialista, não se sabe ao certo por quanto tempo o vírus fica vivo nas superfícies ou em alimentos. "Existem estudos mostrando que é possível que fique horas", alerta.
"Então não é aceitável, no momento atual, que qualquer um saia de casa sem máscara, em especial alguém que trabalhe com alimentos", afirma a médica.
Ela diz que, mesmo com máscaras, o distanciamento de um metro e meio é necessário porque o equipamento diminui o risco de contaminação, mas não detém 100% dos vírus.
Resposta
A Prefeitura de São Paulo, sob gestão Bruno Covas (PSDB), por meio do Departamento de Abastecimento, diz que desde março foi determinada a distância mínima de um metro quadrado entre as barracas nas feiras livres, com a proibição do consumo de bebidas e comidas no local.
”É recomendado também que os alimentos estejam embalados antes de serem fornecidos à população. Além disso, há disponibilização de álcool em gel nos boxes e pias com sabão em algumas feiras livres da capital.“
Na próxima semana, agentes vistores atuarão nos endereços mencionados pela reportagem para reforçar as normas e a conscientização dos feirantes.
A gestão também diz que a Secretaria Municipal da Saúde, por meio da Coordenação de Vigilância em Saúde, tem realizado, desde o dia 1º de julho, vistorias estratégicas em estabelecimentos comerciais e abordando munícipes para reforçar a importância e a necessidade do uso correto de máscaras de proteção. Os agentes orientam e conscientizam os cidadãos, distribuem folhetos e cartazes para serem fixados nos comércios com orientações sobre a Covid-19 e o uso correto da máscara.
Foram vistoriados 1.640 estabelecimentos e mais de 1.450 pessoas foram abordadas e orientadas para a correta utilização das máscaras, nos grandes centros comerciais nas diferentes regiões de São Paulo e locais com o maior afluxo de pessoas, diz a prefeitura.
A Secretaria de Estado da Saúde, gestão João Doria (PSDB), diz que entre os dias 1º e 15 de julho houve 7.013 inspeções e 20 autuações. Das 20 multas aplicadas, quatro foram na capital.
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