Um projeto de lei encaminhado à Assembleia Legislativa de São Paulo pelo governador João Doria (PSDB) deverá mudar a gestão de alguns serviços públicos em diversas áreas. O pacotão de medidas prevê desde a concessão de parques à iniciativa privada, a extinção de empresas, autarquias e fundações, como a EMTU (Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos), até mudanças de alíquotas do IPVA (Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores).
O objetivo, segundo o governo Doria, é diminuir o rombo de R$ 10,4 bilhões nas contas públicas provocado pelos gastos extras para o combate à pandemia do novo coronavírus.
A proposta foi protocolada no último dia 12 com pedido de urgência. Se aprovada com o texto original, dará ao governador autonomia para acabar com várias empresas que prestam serviços à população.
Segundo o projeto de lei, no caso da EMTU, por exemplo, a gestão de contratos de concessão do transporte metropolitano será transferida para a Artesp (Agência de Transporte do Estado de São Paulo), e a empresa deixará de existir.
A EMTU administra, por exemplo, as linhas de trólebus do Corredor ABD, que liga São Paulo ao ABC. O projeto não detalha como será essa transferência e se a Artesp fará a fiscalização das linhas, por exemplo, o que também é feito hoje pela EMTU. Mas o governo afirmou em nota que não haverá aumento das tarifas.
O projeto também prevê a concessão para a iniciativa privada de dois centros esportivos e sete parques urbanos estaduais, entre eles o da Água Branca e o Villa-Lobos, ambos na zona oeste de São Paulo.
A proposta, porém, não detalha como será feita essa concessão, mas o governo disse em nota que a empresa que ficar responsável pela gestão dessas áreas deverá se responsabilizar pelos serviços de limpeza, segurança e zeladoria, além de poder promover eventos esportivos, culturais e de lazer.
Já na área da saúde a proposta inclui a extinção da Furp (Fundação para o Remédio Popular), que produz medicamentos que são distribuídos gratuitamente pelo SUS (Sistema Único de Saúde), e a Fosp (Fundação Onocentro de São Paulo), responsável pela análise de 1.200 exames papanicolau por dia e ao menos 700 próteses para pacientes de câncer de cabeça e pescoço.
O projeto não detalha como esse trabalho será feito após o fim da Fosp, o que preocupa pacientes atendidos na fundação.
Especialistas pedem debate antes de plano estadual ser aprovado
Especialistas consultados pela reportagem defendem análise e debate antes de acabar com empresas públicas ou fazer concessões para a iniciativa privada, como prevê o pacotão do governo.
O consultor em transporte Sergio Ejzenberg acredita que o fim da EMTU pode até reduzir custos. Porém, defende a modernização na fiscalização de linhas, como o uso de chips e aplicativos para ter informação em tempo real da quantidade de passageiros, da frota e do tempo de viagem. “Se a Artesp vai conseguir fazer isso? Se houver vontade política e técnicos, sim”, disse.
O diretor-presidente do Instituto Semeia, Fernando Pieroni, disse que a concessão de parques à iniciativa privada é o caminho correto para melhorar os serviços de zeladoria, segurança e iluminação, por exemplo. Segundo ele, pesquisas internas do instituto mostram que a população é a favor dessa forma de gestão. Porém, essa mudança tem que ser feita com base em estudos que precisam ser debatidos com a sociedade. “Por princípio, é uma proposta positiva”, afirmou Pieroni, que disse ser contra qualquer cobrança de entrada nos parques públicos após a concessão.
O professor de planejamento urbano Francisco de Assis Comaru, da UFABC, disse que a extinção da CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano) pode comprometer novos programas de moradia popular, uma vez que hoje a companhia tem autonomia e orçamento próprio, sem depender de repasses do governo. “Temos críticas à forma de operação da CDHU. Mas se é ruim com ela, pode ficar pior sem”, afirmou.
Frequentadora se diz contra a privatização de parques públicos
A possibilidade de os parques públicos do estado passarem para a iniciativa privada preocupa os frequentadores. E um dos motivos é o fato de o projeto de lei do governo não detalhar o que pode acontecer com essas áreas que hoje são usadas para descanso, lazer e prática de esportes.
Frequentadora do parque da Água Branca, na Barra Funda, zona oeste de São Paulo, a DJ Lia Macedo, 36 anos, disse que é contra qualquer proposta de privatização ou de concessão de áreas públicas.
Segundo ela, os moradores da capital têm poucas áreas verdes de lazer e são nestas áreas que a população se sente incluída na cidade em que vive. “Se privatizar ou conceder à iniciativa privada, vai dar outra característica aos parques. A natureza não se privatiza. É para todo mundo”, afirmou.
A diretora-técnica da Fosp, Diane Cohen, também criticou a transferência de parte dos serviços da fundação para outras instituições de ensino e pesquisa do estado.
Segundo ela, a mudança dos serviços para cidades do interior, como foi cogitado, não será uma alternativa viável porque os pacientes da Fosp vêm para a capital para o tratamento do câncer e aqui já continuam com o atendimento.
A Fosp faz próteses de olho, nariz e boca para pacientes que tiveram sequelas físicas de câncer de cabeça e pescoço. O trabalho é todo manual. “Se vai manter os funcionários e o atendimento, qual vai ser a economia? De um prédio que é todo adaptado?”, disse.
Oposição se diz chocada com o projeto
O pacotão do governo foi apelidado de “x-tudo” pelos parlamentares da oposição devido à complexidade de temas que estão na proposta. “Ficamos chocados com o projeto, e ainda estamos desvendando. Pelo que vimos, afeta demais a população”, afirmou o deputado Carlos Giannazi (PSol), um dos líderes da oposição na Assembleia Legislativa.
Já o líder do governo, o deputado Carlão Pignatari (PSDB), disse que o projeto foi recebido com “atenção”, o que classificou como normal. Segundo ele, a proposta já recebeu 500 emendas e agora foi para análise nas comissões permanentes. A previsão de Carlão é que o projeto seja votado no fim de setembro.
Governo diz que reformas são necessárias
O governo João Doria (PSDB) disse que as reformas administrativa e tributária previstas no projeto de lei são necessárias para a execução de todas as ações programadas e para que o “estado possa sustentar seus compromissos, incluindo o pagamento de servidores, aposentados e fornecedores”.
Sobre a concessão dos parques, o governo disse que para cada área será elaborada uma modelagem técnica e econômico-financeira, para promover investimentos nos espaços, como novos serviços de alimentação, atividades esportivas e educativas, eventos, entre outros. A concessionária também será responsável pelo custeio de serviços como vigilância, limpeza e manutenção de áreas verdes.
Sobre a extinção da EMTU, o governo disse que a proposta “não trará prejuízo aos usuários”.
O governo informa que a EMTU tem prejuízos acumulados de R$ 1 bilhão, além de uma estrutura administrativa de quase 500 funcionários. A gestão dos contratos será feita pela Artesp, que, segundo o governo, tem mais agilidade para cumprir as atribuições.
Órgãos que serão extintos ou transferidos
Fundação Parque Zoológico
- visitação pública, educação ambiental e conservação do patrimônio público serão transferidos para a iniciativa privada
- pesquisa, gestão de unidades de conservação e fiscalização serão transferidas a entidades de ensino e pesquisa
Furp (Fundação para o Remédio Popular)
- deixará de produzir medicamentos e suas instalações serão transferidas ao estado
Fosp (Fundação Onocentro de São Paulo)
- atividades de prevenção, pesquisa e tratamento serão transferidas para outros órgãos da administração
CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano)
- programas habitacionais do estado serão transferidas para a Secretaria da Habitação do Estado
- empresa será extinta e os bens móveis e imóveis serão destinados a outros usos de interesse público
EMTU (Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos)
- gerenciamento de contratos de concessão de transporte de passageiros será transferida para a Artesp
- empresa será extinta e os bens móveis e imóveis serão destinados a outros usos de interesse público
Sucen (Superintendência do Controle de Endemias)
- controle de doenças transmitidas por vetores e seus hospedeiros serão transferidos para a Secretaria de Saúde do Estado
- órgão será extinto e bens móveis e imóveis serão destinados a outros usos de interesse público
Dasp (Departamento Aeroviário do Estado de São Paulo)
- gerenciamento e fiscalização dos contratos de concessão dos aeroportos do estado serão transferidos para a administração
Iamspe (Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público)
- cria alíquotas de contribuição para beneficiários hoje isentos
Concessão de parques públicos e áreas de lazer e esporte
- Concessão e exploração total e parcial dos parques públicos estaduais: Villa-Lobos, Candido Portinari, Água Branca, Manoel Pitta, Chácara da Baronesa, da Juventude, Ecológico do Guarapiranga e do Complexo Olímpico da Água Branca e Conjunto Desportivo Baby Barioni
Fonte: Projeto de lei 529/2020
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