Descrição de chapéu Obituário Yoshiharu Kawasaki (1964 - 2020)

Mortes: O último policial a usar lápis e papel para fazer retrato falado em SP

Durante 25 anos, Yoshiharu Kawasaki, o Yoshi, ajudou a Polícia Civil paulista a identificar criminosos, como o Maníaco do Parque

São Paulo

“Fica tranquilo, filho, que vai dar tudo certo”, foram as últimas palavras ditas por Yoshiharu Kawasaki, 56 anos, instantes antes de o investigador aposentado da Polícia Civil ser intubado, por causa de Covid-19, na UTI (Unidade de Tratamento Intensivo) do Iamspe (Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público Municipal), em 27 de novembro.

“Foi impactante para mim. Foi a última vez que vi meu pai, pois sedaram ele depois. Enquanto eu ajudava a empurrar a maca até a UTI, não parei de falar que o amava e para ele ficar tranquilo. Falei que minha irmã e irmão também o amavam e que a gente ia ficar bem”, diz o estudante de tecnologia Gabriel Yoshitaka Kawasaki, 25, filho mais velho do policial aposentado.

Kawasaki cuidou sozinho de Gabriel, do agora oficial da Marinha Bruno Hideki Kawasaki, 23, e da estudante Mariana Shizue Kawasaki, 17. Para isso trabalhava como acupunturista, além de se destacar como retratista da Polícia Civil, função exercida por 25 anos.

O investigador da Polícia Civil Yoshiharu Kawasaki, 56 anos, em ação durante a Flip (Festa Literária Internacional de Paraty), em 2009. Ele foi convidado para fazer retratos falados de personagens literárias, conforme descrições de leitores - Reprodução/O Livreiro TV

Somente com lápis e papel, Yoshi, como era chamado pelos amigos, ajudou na identificação de criminosos, sendo o último a usar este tipo de técnica para fazer retratos falados na polícia paulista, segundo Adalberto Henrique Barbosa, delegado da Divisão de Crimes contra o Patrimônio do Deic (Departamento Estadual de Investigações Criminais).

“Ele desenhou o retrato falado do Maníaco do Parque com absoluta perfeição. Baseando-se, àquela altura, em descrições precárias feitas por uma sobrevivente. Naquela época não havia o moderno recurso dos retratos falados de hoje, elaborados por programas de computador. Era feito na raça”, afirmou o delegado.

O divisionário se refere ao motoboy Francisco de Assis Pereira, condenado a 285 anos, 11 meses e dez dias de prisão por matar ao menos 11 vítimas, entre 1997 e 1998, segundo a Polícia Civil.

O investigador ingressou na Polícia Civil em 14 de setembro de 1992 e "se notabilizou como retratista policial", diz trecho de nota da SSP (Secretaria da Segurança Pública), gestão João Doria (PSDB). Ele se aposentou em 14 de julho de 2018.

Gabriel Yoshitaka disse ainda que seu pai afirmava ter ajudado no esclarecimento de aproximadamente mil casos, graças aos retratos falados feitos por ele.

O desenhista, segundo amigos da polícia, ouvia pacientemente as descrições feitas pelas vítimas, independentemente da idade. Ele costumava perguntar o peso e forma de andar do criminoso, por exemplo, para ajudar nas confecção dos retratos falados.

Em um desses casos, segundo relatado no site Memórias da Polícia Civil, uma menina de 7 anos, vítima de estupro, não falava do caso para ninguém. "Aí surge o Yoshi, com um jeito infantil, dando pulinhos, e pede para ficar a sós com a menina. Duas horas depois [o investigador] surge com um retrato falado, na realidade uma fotografia do autor. A mãe horrorizada grita: 'É o meu tio'."

Em entrevista à revista piauí, em outubro de 2011, o retratista destacou um caso em que um suspeito de homicídio duplamente qualificado, com requintes de crueldade, foi reconhecido por causa do retrato da nuca do suposto assassino, que foi preso em Goiânia por causa do desenho.

Segundo o filho mais velho do investigador aposentado, seu pai desenhava desde a infância e nunca fez cursos. "Era um um autodidata bem-sucedido no assunto", diz.

O talento do policial também foi usado na Flip (Festa Literária Internacional de Paraty), em 2009. Ele foi convidado para fazer retratos falados de personagens, conforme descrições de leitores, para um site de literatura.

O investigador da Polícia Civil Yoshiharu Kawasaki, 56 anos, cuidou sozinho dos três filhos. Ele morreu no sábado (12), após sofrer duas paradas cardiorrespiratórias, segundo familiares. Ele estava internado por causa de Covid-19 - Arquivo Pessoal

Internação

Em 19 de novembro, uma quinta-feira, Yoshi teve calafrios e, segundo o filho mais velho, afirmou se sentir gripado. Ele passou o fim de semana com febre e, na segunda-feira, disse estar melhor. “Ele, inclusive, saiu para fazer as coisas dele, mas quando voltou estava muito cansado e desconfiamos que ele poderia estar com a Covid-19”, afirma.

O policial foi levado ao hospital em 25 de novembro, mas acabou liberado com a orientação de monitorar seus sintomas. Dois dias depois, segundo o filho, uma enfermeira do Iamspe foi à casa da família, na zona norte da capital paulista, e constatou que a oxigenação sanguínea estava com a saturação em 85%, considerada uma emergência clínica, de acordo com a Organização Mundial da Saúde. Yoshi foi levado no mesmo dia ao hospital.

Dois dias depois o investigador foi intubado e, desde então, seu quadro clinico oscilou até o sábado (12), quando Gabriel Yoshitaka foi acordado pela irmã por volta das 5h. “Ligaram do hospital falando que o estado de saúde de meu pai havia piorado e pediram para gente ir para lá.”

Chegando na unidade de saúde, uma médica contou que o retratista não resistiu a duas paradas cardiorrespiratórias e morreu às 4h41. Ele foi enterrado no mesmo dia, no cemitério Vila Nova Cachoeirinha, na zona norte de São Paulo.

A família ainda aguarda resultados de exames com a constatação de que a morte ocorreu em decorrência do novo coronavírus.

A família

Nascido em 25 de novembro de 1964, Yoshi também ajudou e curou muitas pessoas, com seus atendimentos de acupuntura, segundo a filha caçula, Mariana Shizue Kawasaki, 17 anos. "Ele teve uma vida difícil, mas nunca deixou de demonstrar o quanto amava a gente, nunca deixou faltar nada para gente. Ele criou da melhor forma os filhos, deu os melhores momentos e a melhor família que qualquer um queria ter", afirmou ao Agora.

O filho do meio, o segundo tenente da Marinha Bruno Hideki Kawasaki, acompanhou a doença e morte do pai a distância, pois está a trabalho nos Estados Unidos.

No último áudio enviado ao pai, que já estava inconsciente, o oficial afirma emocionado pretender assistir a um filme com ele e com os irmãos, como faziam na infância. "Aqui fora [do hospital] nós estamos lidando tranquilos com a situação, não fique preocupado. Você é um exemplo de homem para gente. Amamos muito você e esperamos ansiosamente sua recuperação. Volta logo para gente", afirmou Bruno, em trecho da última mensagem enviada ao pai.

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