27% dos sequestros relâmpagos são de motoristas de aplicativo

Número corresponde ao levantamento feito entre janeiro de 2019 e setembro de 2020 no estado de SP

São Paulo

Do total de sequestros relâmpagos registrados pela polícia, entre 2019 e setembro do ano passado no estado de São Paulo, ao menos 26,6% ocorreram com motoristas de aplicativo de transporte de passageiros.

O Serviço de Informações Criminais da Divisão Anti-Sequestro, da Polícia Civil, registrou 15 casos de extorsão mediante sequestro no período, durante o qual ocorreram ao menos quatro crimes do tipo, segundo levantamento do Agora.

Ex-motorista de aplicativo que foi vítima de sequestro relâmpago na grande São Paulo - Rivaldo Gomes/Folhapress

Além dos sequestros, a reportagem também apurou que ao menos quatro motoristas de aplicativo foram mortos enquanto trabalhavam. Um dos casos mais recentes foi de um condutor sequestrado, torturado, morto e depois enterrado em uma cova rasa, em 30 de dezembro. Quatro dias depois, cinco pessoas foram presas acusadas pelo crime, na zona sul de SP.

José Vicente da Silva Filho, coronel da reserva da Polícia Militar e ex-secretário Nacional de Segurança Pública, afirmou que a dinâmica criminal se adapta constantemente, inclusive com a tecnologia. “Com aplicativos de transportes [de passageiros] o criminoso chama a vítima onde ele quiser. Isso é uma grande facilidade e cria oportunidades ao crime”, disse.

O coronel, também membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, acrescentou ser necessário às empresas de aplicativo estudar o comportamento dos criminosos, para desenvolver ferramentas que dificultem a ação dos ladrões.

Uma sugestão do oficial seria um sistema que ajude os motoristas a recusar uma chamada suspeita, por meio da identificação do local e horário de onde ela é feita. “Outra opção é o aplicativo pedir para o passageiro mandar uma foto do RG”, exemplificou.

O especialista disse ainda ser importante que as empresas de aplicativo se reúnam com as polícias, para verificar locais com mais incidência de roubo, além de outros crimes, para a confecção de mapas indicando regiões mais críticas. “As empresas precisam refinar sua capacidade de ajudar nesse tipo de incidência.”

Colegas tentam se ajudar nas corridas

Transportando passageiros há cerca de dois anos, na capital e Grande SP, um segurança de 34 anos diz que nunca foi assaltado, mas atribui isso à sorte, aliada ao fato de ele observar sempre o ambiente onde está e o perfil de seus passageiros, antes de eles embarcarem.

“Uma vez, em Osasco [Grande SP], uma mulher chamou a corrida. Quando cheguei, tinham três caras. Vi isso e nem parei meu carro, segui adiante”, relembra.

Ele faz parte de um grupo de troca de mensagens, em um aplicativo, onde recebe e envia informações a colegas sobre locais.

Um corretor de imóveis de 48 anos decidiu trabalhar como motorista de aplicativo no início de 2017, logo após seu filho de 16 anos morrer por causa de uma asfixia, durante uma festa.

Após cerca de dois meses rodando, em 1ª de março o corretor foi vítima de um sequestro relâmpago, na região de Perus (zona norte). “Não faço ideia de onde me deixaram. Apanhei e fui ameaçado por um bandido, enquanto outros pegavam dinheiro de minha conta [R$ 1.300 no total].”

O corretor passou a ajudar no monitoramento de colegas, após estes enviarem mensagens afirmando se sentirem inseguros nas corridas. “Também monitoro minha esposa, que também trabalha com transporte de aplicativo. Quero que ela pare com esse serviço o quanto antes.”

O corretor deixou de transportar passageiros em novembro de 2020, após se recolocar na profissão.

Associação cria ferramenta para auxiliar os condutores de app

Para minimizar a sensação de insegurança de motoristas de aplicativo, a Amasp (Associação dos Motoristas de Aplicativo de São Paulo) criou em 2018 o Rebu (Uber ao contrário), aplicativo desenvolvido para auxiliar os profissionais a monitorar corridas de colegas, em eventuais situações de risco.

Segundo Eduardo Lima de Souza, presidente da associação, o projeto oferece um botão de pânico que, após apertado pelo motorista do veículo, informa toda sua rede de contatos sobre a localização do profissional, em tempo real.

“O aplicativo também grava áudio e faz fotos [automaticamente], com o celular aparentemente desligado. Isso ajuda a identificar os bandidos depois”, explicou Souza.

Todos os registros da ferramenta são enviados à uma nuvem, para evitar que os arquivos se percam após o aparelho celular ser eventualmente levado por criminosos.

Além dos recursos emergenciais, o Rebu também alerta sobre áreas onde já ocorreram crimes. Isso ajuda o motorista a decidir se aceita, ou não, uma corrida solicitada na região.

Até o momento, de acordo com o presidente da Amasp, 86 mil motoristas usam o aplicativo em São Paulo e cerca de meio milhão em todo o país.

O aplicativo pode ser baixado somente para o sistema Android.

Sindicato diz que prepara ato no país

O Stattesp (Sindicato dos Trabalhadores com Aplicativo de Transportes Terrestres) realizou uma reunião, na noite da última quarta-feira (13), em que 50 lideranças da categoria iniciaram a organização de um protesto nacional, contra a violência vivenciada por motoristas de aplicativo.

“Até o momento [quinta-feira, 14] 13 estados já confirmaram que irão aderir. A data exata ainda não foi definida, mas o ato deve ocorrer em cerca de um mês”, afirmou o presidente do sindicato, Leandro da Cruz.

O objetivo do ato, acrescentou, é conseguir dialogar com governos e viabilizar um canal direto entre empresas, poder público e prestadores de serviço. “Eu acredito que a SSP [Secretaria da Segurança Pública], faz o trabalho dela, na medida do possível, mas não dá para monitorar e proteger centenas de milhares de motoristas. A grande responsabilidade sobre isso é das empresas”, diz Cruz.

O presidente do sindicato disse ainda que a insegurança dos condutores “é evidente”. “O trabalhador sai de casa, para ganhar o pão, sem saber se volta. Nos últimos tempos, a coisa [violência] só piora.”

Um levantamento feito pelo Stattesp indica que, entre 2011 e o fim do ano passado, cerca de 120 motoristas de aplicativo morreram em ações criminosas no estado de São Paulo.

Empresas dizem adotar medidas de segurança

A Uber diz que vai introduzir a opção de checagem de documentos de passageiros, quando optarem pelo pagamento em dinheiro, no momento em que se cadastrarem. A data da atualização, porém, não foi informada. “A medida vem se somar ao que o aplicativo já exige hoje do usuário que quiser pagar somente em dinheiro: que insira o CPF e data de nascimento”, acrescentou. Caso o motorista se sentir inseguro, ele pode cancelar a viagem e sinalizar à empresa que fez isso por motivos de segurança.

Há ainda uma ferramenta que permite o compartilhamento da localização, tanto do usuário como do motorista. A polícia pode ser acionada pelo mesmo recurso.

A 99 afirmou que seus colaboradores contam com recursos de segurança no aplicativo, como gravação de áudio, monitoramento da corrida por geolocalização, além de câmeras de segurança “que filmam dentro e fora do automóvel”. A empresa afirmou também contar com um recurso para compartilhar rotas com parentes e amigos do motorista, além de um botão de emergência, que é um canal direto com a polícia.

A Secretaria da Segurança Pública, gestão João Doria (PSDB), afirmou que todos os casos registrados pela Polícia Civil são investigados, por meio de Inquérito Policial. “Todos os fatos são apurados, os laudos analisados e as testemunhas ouvidas, a fim de esclarecer a autoria do crime e prender o autor.” Segundo a Polícia Militar, seus agentes atuam com policiamento preventivo e ostensivo, que é reforçado em regiões com mais incidências de crimes

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