Dispara o número de policiais militares mortos em acidentes de trânsito

Segundo corporação, além das mortes houve mais de um afastamento diário por causa de acidentes com viaturas em ocorrências desde 2015

São Paulo

Dez policiais militares morreram em acidentes de trânsito durante ocorrências no estado de São Paulo nos dez primeiros meses do ano passado, segundo dados obtidos com exclusividade pela reportagem junto a PM, via Lei de Acesso à Informação.

O número de PMs mortos no trânsito em 2020 é o maior desde 2015, conforme registrado pela corporação. A Polícia Militar não explicou se o aumento no número de casos no ano passado tem relação com ocorrências ligadas à pandemia do novo coronavírus, que teve seu primeiro caso diagnosticado em São Paulo no mês de março do ano passado.

Segundo os dados da PM, desde 2015, ao todo 27 agentes morreram em acidentes de trânsito no estado. Isso representa uma morte a cada dois meses e meio. Apenas em 2019 nenhuma morte por causa de acidentes envolvendo veículos de militares em serviço foi registrada.

Viatura PM batida após perseguição
Viatura da PM ficou destruída após bater contra acesso a condomínio durante perseguição policial na Vila Jacuí (zona leste da capital paulista) - Reprodução 24.mai.20/Redes Sociais

​Além das mortes, a corporação também registrou, ainda entre 2015 e outubro do ano passado, 1.796 afastamentos de policiais decorrentes de acidentes ocorridos durante o trabalho, representando 1,1 caso por dia. O ano com mais ocorrências do tipo foi 2016, com 392.

Na última quarta-feira (14), três policiais militares (de 24, 28 e 51 anos) ficaram feridos após a viatura que ocupavam se acidentar, por volta das 2h, durante a perseguição a um um carro, cujo motorista estava em atitudes suspeitas, na avenida Washington Luís, zona sul da capital paulista. Os agentes, segundo a corporação, permanecem internados e não correm risco de morte.

Os dois homens que estavam no carro perseguido, que não tiveram as identidades informadas, foram encaminhados ao 27º DP (Campo Belo), onde assinaram um termo circunstanciado por dirigir sem habilitação, por lesão corporal culposa (sem intenção) e também por desobediência. Eles respondem ao caso em liberdade.

No ano passado, o soldado Alexandre Leite, 25 anos, morreu após bater a viatura que guiava contra o muro de um condomínio, às 21h51 do dia 23 de maio, quando a vítima perseguia um carro na Vila Jacuí (zona leste da capital paulista). Outro policial que estava no mesmo veículo foi internado em estado grave na ocasião.

Câmaras de monitoramento registraram o momento em que a viatura, ocupada pelos dois policiais militares, bate lateralmente contra o muro.

Leite foi encaminhado ao hospital Santa Marcelina, em Itaquera, onde morreu. O outro PM foi socorrido à mesma unidade de saúde, com ferimentos graves na região do tórax. A corporação não atualizou o estado de saúde do policial ferido até a publicação desta reportagem. As pessoas que eram perseguidas não foram presas.

Civil

Policiais civis também morreram durante o serviço, em acidentes de trânsito. Os registros, porém, são menores que os de PMs.

Entre 2015 e outubro do ano passado, oito agentes Civis morreram em acidentes de trânsito durante o trabalho no estado de São Paulo.

A Corregedoria Geral da Polícia Civil afirma que não houve afastamento de policiais durante o período, por causa de acidentes com viaturas, nos âmbitos administrativo e disciplinar.

Um dos policiais civis que morreram entre 2015 e 2020 é o delegado Ferreira da Rocha, 53. Ele se envolveu em um acidente, quando colidiu a viatura que dirigia na traseira de um caminhão, na noite de 30 de março de 2017, na rodovia Euclides da Cunha, altura do km 498, na região da Cosmorama (501 km de SP).

Lotado no 4º DP de São José do Rio Preto (438 km de SP), local onde trabalhou pela manhã do dia do acidente, o policial seguia sentido Fernandópolis (553 km de SP), onde iria assumir um plantão de 12 horas na central de flagrantes da cidade do interior.

A SSP (Secretaria da Segurança Pública), gestão João Doria (PSDB), afirma que este caso foi investigado pela Delegacia Seccional de Fernandópolis (553 km de SP), que encaminhou o inquérito policial do caso ao poder judiciário em agosto de 2017. “Até o momento, o inquérito não retornou ao distrito policial com cota ministerial para cumprimento de novas diligências”, diz trecho de nota.

A viatura dirigida pelo delegado Davi Ferreira da Rocha ficou completamente destruída após se envolver em um acidente, na noite de 30 de março de 2017, na rodovia Euclides da Cunha, altura do km 498, na região da Cosmorama (501 km de SP). O policial morreu - Divulgação/Polícia Civil

"Cultura de correr riscos"

Para o professor Rafael Alcadipani, associado do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a “cultura de correr riscos” defendida por alguns policiais os coloca em eventuais situações de insegurança, incluindo a morte.

“Basta ver as viaturas da Rota [Rondas Ostensivas Tobias Aguiar] e do Choque saindo dos batalhões 'rangendo pneus'. Aquele malabarismo, sem necessidade nenhuma, é feito por uma questão de identidade com o fato de se pensar ser herói, ser o cara que persegue e prende ladrão”, afirmou o especialista, que também é professor da FGV (Fundação Getulio Vargas).

“Há dois fatores a serem considerados. Um deles é o fato de o policial precisar perseguir o criminoso, usar o carro [ou moto] de forma rápida para prender. O outro é o fato de o policial precisar se preocupar com sua vida enquanto faz isso, que faz parte da essência de ser policial [perseguir bandidos]”, disse ainda.

Polícia Militar

A Polícia Militar afirmou que uma sindicância é instaurada assim que um acidente envolvendo viatura é registrado. São também apurados os direitos e responsabilidades dos envolvidos na ocorrência, acrescentou a corporação.

A PM afirmou ainda dar orientações à tropa sobre prevenção a acidentes de trânsito, para a preservação da integridade física dos policiais e de terceiros.

“O policial militar acidentado pode receber tratamento médico no Centro Médico da Polícia Militar e, enquanto licenciado para tratamento de saúde, permanece recebendo seus vencimentos”, diz trecho de nota.

Caso o acidente ocorra em uma perseguição a ladrões, ou detectada alguma transgressão disciplinar, como imprudência ou “desleixo”, o agente pode responder, ainda segundo a PM, a um processo administrativo, pela transgressão, penal, caso haja crime, e cível por eventuais danos a patrimônio público ou particular.

Em caso de patrimônio público, o PM pode arcar espontaneamente com o ressarcimento ou, caso se negue, pode responder a uma ação de cobrança na Procuradoria Geral do Estado.

Sobre PMs com sequelas e mortos, a corporação afirmou os promover a um posto na hierarquia, além de dar apoio como pensões e indenizações a familiares. A corporação afirmou ainda oferecer apoio psicológico a policiais envolvidos em acidentes e a familiares de agentes mortos em serviço.

Polícia Civil

A SSP (Secretaria da Segurança Pública), gestão João Doria (PSDB), afirmou instaurar uma investigação preliminar sempre que uma viatura da Polícia Civil se envolve em acidente de trânsito. “Geralmente, ocorrem danos pequenos, que são custeados pelo causador do acidente”, diz trecho de nota.

Em caso de morte ou invalidez, a pasta afirmou apurar os casos e pagar indenizações, além de contratar seguro de vida e também promover hierarquicamente o agente morto em serviço.

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