Fevereiro chegou, mas não tem carnaval. Os apaixonados pela folia sentem o peso da realidade imposta por mais de 221 mil mortes provocadas pelo coronavírus no país. Sem aglomeração, beijos e abraços, órfãos da maior festa popular brasileira sonham com o dia em que sorriso no rosto e a fantasia voltarão a tomar conta das ruas e do Anhembi.
“Tenho 62 anos e nunca tive um carnaval tão triste como esse. O que eu estiver fazendo vai ser com tristeza, porque a gente gostaria mesmo é de estar lá no sambódromo”, afirma Eduardo Santos, presidente da Acadêmicos do Tatuapé.
Santos se emociona ao falar das pessoas que se foram por causa da Covid-19, bem como da luta diária para manter vivos o trabalho social da escola e a fonte de renda dos anônimos que constroem o desfile no Anhembi. O presidente da Tatuapé lembra que carnaval também é uma indústria e que a produção ganhou outro ritmo com o adiamento da festa, em princípio, para julho. Diz, porém, que a solidariedade entre todos não deixou os trabalhadores mais necessitados para trás. “Elas almoçam, jantam, tomam café da manhã e da tarde, recebem ajuda de custo para passar por esse período, diminuindo um pouco o sufoco.”
Se a situação já é difícil entre as grandes escolas do Grupo Especial, não teria motivo para ser diferente entre as mais modestas. Na Estrela do Terceiro Milênio, do Acesso 1, o carnavalesco Murilo Lobo ressalta o que é importante. “Estamos priorizando as vidas, porque há riscos que não vale a pena correr”, diz.
Lobo lembra que são muitos os desafios impostos pela pandemia e que a produção segue com os cuidados. Porém, certas atividades são impensáveis de serem realizadas no momento, como os ensaios com a comunidade. “Se surgir alguma situação milagrosa, faremos em julho. Caso contrário, em 2022.”
Artesão deixa Parintins no último barco
O desenhista e artesão Lucas Teixeira dos Santos, 25 anos, deixou mulher e dois filhos em Parintins (AM) para trabalhar na construção dos carros alegóricos do Carnaval paulistano. Especialista em dar forma aos projetos dos carros alegóricos, ele conta que teve sorte de conseguir viajar ainda neste mês, antes de fecharem a saída do estado por causa do coronavírus. “O meu barco foi o último a sair. Tem muita gente, muita equipe pronta para vir e que não conseguiu até agora”, diz Santos.
A saga do amazonense é comum a muitos conterrâneos dele que buscam, no Sudeste, uma forma de manter a família ao longo do ano. Mão de obra para lá de qualificada, os artistas de Parintins ganharam destaque pelo talento nas esculturas do Festival Folclórico dos bois Garantido e Caprichoso, realizado entre junho e julho. Desde então, são convidados pelas escolas de samba.
Na última semana, Santos trabalhava no barracão da Colorado do Brás, onde deve permanecer por sete meses. O desenhista lembrou que, na sua cidade, a situação é crítica, porque a festa do boi de 2020 foi cancelada por causa da pandemia e a de 2021 está longe da certeza. “Se não tiver o boi, não tem trabalho, não gera renda. E o que tinha no caixa da cidade já foi.”
Rainha de bateria da Rosas pausa preparação com desfile adiado
A rainha de bateria da Rosas de Ouro, Ana Beatriz Godoi, já sente falta do carnaval desde dezembro, quando teria dado início a um período de concentração total para fazer o melhor no sambódromo do Anhembi. Com o adiamento do desfile, ela pausou também a preparação. ”A essa altura, eu já estaria sem comer doces desde o Natal“, diz.
Além da rígida dieta, os tratamentos estéticos e o treinamento puxado também estão em suspenso. ”Continuo com o personal, mas no fim de semana dou uma ‘jacadinha’, como um churrasco“, conta.
A rainha da Rosas diz que mata a saudades vendo os desfiles antigos e sabe que o adiamento da festa é necessário. ”Agora seria impossível, inviável“, diz. Ana Beatriz conta que ela própria teve Covid-19, ainda no início da pandemia, e ficou bastante debilitada. ”Meu sogro ficou internado por 15 dias, mas graças a Deus ninguém chegou a falecer.“
A volta da fase vermelha também já ameaça um antigo sonho do marido da rainha de bateria, que era de poder viajar com ela no carnaval. ”Seria a primeira vez que eu viajaria nesta época em 17 anos.“
25 de Março se enfeita para festa, mas falta cliente para fazer folia
A região da rua 25 de Março (centro) vive as vésperas do carnaval com clima bem diferente dos anos anteriores. Apesar da decoração festiva e colorida das lojas de fantasias e adereços, vendedores estão de braços cruzados e sem clientes. Nada de folia.
”Já era para as vendas estarem lá em cima. Não daria nem para andar na loja“, diz o gerente Luiz Gustavo de Oliveira, 50 anos, lembrando dos bloquinhos do ano passado. ”Decoramos, porque não sabíamos o que iria acontecer. Mas agora voltou para a bandeira vermelha e não sabemos nem se haverá feriado“, explica.
A promotora de vendas Giovana Alencar, 20, fica na ladeira Porto Geral indicando clientes para as lojas. Ela conta que, em anos anteriores levava consigo até 30 pessoas em apenas duas horas de serviço e as fantasias se esgotavam. Em uma manhã da última semana, conseguiu não mais que quatro clientes. Pelo tipo de pedido, voltado para a decoração, Giovana suspeita que nem todo mundo permanecerá em casa no carnaval. ”Acho que tem gente que vai fazer umas festas clandestinas, viu.“
Entre aqueles que procuram adereços, nem todos pretendem promover aglomeração. A dentista Edselma Bastos, 50, mora em Belém (PA) e aproveitou a viagem a São Paulo para comprar produtos que vão decorar seu consultório. ”Festa não tem, mas nosso espírito tem que estar firme. Manter a tradição. A gente vê essas lojas lindas e se interessa“, diz. ”Vou levar tudo para meu Pará”, conta.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.