Quase escondidas pela cidade, pequenas capelinhas contam um pouco da história de São Paulo e da fé. Na pandemia de Covid-19, contudo, muitas deixaram de receber fiéis devido ao tamanho apertado, que poderia provocar aglomerações.
O hiato de celebrações pode deixar marcas na relevância desses templos para as comunidades. “Ainda não sabemos qual vai ser o efeito. Suponho que elas não desapareçam porque a fé das pessoas não morre”, diz o professor Fernando Altemeyer Júnior, chefe do Departamento de Ciências Sociais da PUC. Essa permanência vai depender de como a população e a Igreja marcaram presença no local durante o período.
“É coisa rara ver isso por São Paulo”, afirma Cristiane Amaral, 59. A professora todo dia aproveita o horário de almoço para sentar em frente à Capela Santa Luzia, na Vila Monumento (zona sul). O local, uma casinha branca e azul ao lado de um supermercado, está fechado há quase um ano.
“Muitas pessoas pedem o retorno pela questão afetiva, mas sabem que não é viável”, afirma o padre José Elias Fadul, da Paróquia Nossa Senhora Rainha dos Apóstolos.
As capelas em São Paulo são marcos temporais de algo importante que aconteceu na cidade, de acordo com o professor. Um exemplo é a Capela Nossa Senhora dos Aflitos, na Liberdade (região central), que, apesar de quase ofuscada pelos elementos da cultura oriental, guarda um importante pedaço da história da escravidão na capital —no local, no século 18, havia um cemitério onde eram enterrados escravos e indigentes.
Muitas das capelas não conseguem sobreviver à especulação imobiliária, diz Altemeyer Júnior. Por isso a preservação é tão importante. “O poder público e a cidade têm que pensar em como está a guarda e a preservação desses monumentos porque é uma questão de riqueza cultural. Sem memória, não tem povo, não tem futuro.”
O prédio amarelo da Capela de Santo Antônio, no Pari (região central), quase é engolido pelas paredes cinzas dos vizinhos. Sempre há alguém por lá pedindo uma bênção, diz o cabeleireiro Igor Cruz, 25.
“Bastante gente ainda vem e pergunta se está funcionando. Eles comentam que faz falta”, afirma.
O padre Valdeir dos Santos, há nove meses na Paróquia São João Batista do Brás, conta que, devido à pandemia, ainda não teve a chance de presidir a missa na capela.
Igrejinha para duas pessoas dá cara de interior a vila no Tatuapé
Virar a esquina na rua Ângelo Marinelli, no Tatuapé (zona leste) pode guardar uma surpresa para os desavisados: uma pequena e charmosa capela, onde cabem só duas pessoas, em homenagem a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. Os vizinhos não sabem precisar exatamente a idade dela, mas os mais antigos estimam cerca de 70 anos.
“Quando me mudei para cá, com cinco anos, ela já estava aí”, diz a dona de casa Neide Linkiewcz, 69. O pequenino templo já chegou a receber uma ou duas missas, mas funciona mais como um oratório para a comunidade. “Ela chama a atenção. Vem bastante gente rezar e depois segue”, afirma o aposentado Rubens Sola Prieto, 82. A última missa por lá, ele lembra, foi há cerca de 10 anos.
Segundo a jornalista Sônia Martinez, que mora em frente à capela, há duas versões para a história da construção. A primeira é de que o antigo proprietário daquelas terras tinha muita vontade de ter uma igreja. A outra, que foi construída em homenagem a um operário que morreu durante as obras daquelas casas.
“Já é uma vila com cara de interior quase no centro de São Paulo, e essa igrejinha fecha o pacote”, afirma Martinez. A construção, que era bem mais simples antes, “virou uma catedral”, ela brinca, depois que um dos vizinhos promoveu uma reforma no local.
O arquiteto Osmar Alves, 68, foi quem projetou e também realizou a reforma há cinco anos, e quem cuida do lugar. “Esse é um monumento de paz para todos os moradores daqui.”
Local nasceu para abençoar os viajantes
A história da Capela de Nossa Senhora da Boa Viagem, no centro de São Bernardo do Campo (ABC), fala também sobre o crescimento da cidade. O templo foi construído para abençoar os viajantes que passavam pela região saídos da capital em direção ao litoral.
“A capela está ligada à origem do município. Depois de tanto tempo, esse local ainda é o centro da cidade até hoje. A preservação dele é uma ligação da cidade contemporânea com o passado rural”, afirma Jorge Jacobine, analista de Cultura do Centro de Memória da Secretaria de Cultura e Juventude de São Bernardo.
A rua Marechal Deodoro, onde a igrejinha está, passa hoje num trecho que antes era parte do “caminho do mar”. De local de passagem, São Bernardo começou a crescer por volta de 1812.
O primeiro prédio da capela, ainda de taipa, é de 1814. Ele foi construído como sede provisória da paróquia e assim funcionou até que a igreja matriz ficasse pronta, em 1825. Desde então, a capela deixou de receber missas regularmente.
A capela passou por duas reconstruções. A estrutura atual é da década de 1880. Segundo Jacobine, é uma das construções mais antigas da cidade.
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