Vacinados contra o coronavírus deixam sufoco e tristeza para trás

Quem recebeu a 1ª dose da Coronavac ganha novo ânimo enquanto imunidade total não vem

São Paulo

A imunidade só chegará semanas após a aplicação da segunda dose, mas quem recebeu a vacina contra o coronavírus em janeiro já sente os efeitos. Não, ninguém ficou verde ou virou jacaré, como assombravam as mentiras espalhadas pela internet. No mundo real, os vacinados contam que a sensação de segurança, a melhora na autoestima e a esperança de dias melhores vieram juntas com a aplicação.

Segundo os profissionais da saúde, não é exagero dizer que a vacina foi, de fato, uma injeção de ânimo depois de tantos meses na linha de frente. “A gente está desde 20 de abril lidando com pacientes com Covid-19 e estar viva já foi uma gratidão imensa”, conta a enfermeira Eliane Alves dos Santos Sales, 45 anos, do Hospital Anchieta, de São Bernardo do Campo (ABC). “Hoje, a gente já tem esperança. Há 30 dias, só tinha a doença. A vacina veio para tirar a gente desse vazio de incerteza e medo”, afirma.

Eliane diz, porém, que só vai se sentir totalmente segura após receber a segunda dose e um exame comprovando que está imunizada. Até lá, nada de abandonar os cuidados. “Todos nós precisamos ter nossas vidas de volta. Isso foi arrancado da gente.”

A enfermeira Cláudia Adriene Silvestre Machado de Melo, 45, trabalha na UPA Paulista, em Guarulhos (Grande SP), e se emociona ao contar do momento em que foi vacinada. “Tenho gratidão pelos cientistas que, mesmo com descrédito de muitos, remaram para chegar a esse resultado. Já mudaram o curso da história outras vezes e, agora, novamente. Estávamos vivendo um luto há um ano”, fala.

Cláudia vive com o marido, ficou seis meses sem ver os pais e diz que a vacina é um alívio para outro trauma que viu ocorrer com outros. “Acredito que todos os profissionais da saúde carregaram o peso nas costas de levar para casa algo mortal. Por sua culpa, um familiar pode morrer”, afirma.

Dose serve de esperança para aproximar famílias

Fisioterapeuta do Hospital Municipal de Urgências, Fábio Quindere Ribeiro, 38 anos, diz que a vacina foi a ponta de esperança para quem se viu, ao longo de 2020, afastado dos familiares. “Só fui ver meus pais depois de sete meses de pandemia. Estou sem encontrar minha avó, de 80 anos, até agora”, conta.
Quindere afirma também que, se fosse possível, cederia a sua dose para os pais ou sogros. Diz que da família vem também as piadas sobre eventuais efeitos colaterais da Coronac. “A brincadeira do jacaré é inevitável. A minha mãe mesmo brincou perguntando se eu já tinha escamas”, conta, bem humorado.

A enfermeira Luana Aparecida Secafem de Freitas, 35 anos, do Centro Hospitalar Municipal de Santo André (ABC), contraiu e se curou tanto do H1N1, em 2009, quanto do coronavírus, ano passado. Desta última vez, ficou internada por sete dias. “A minha irmã chegou a se prevenir e ir atrás do que faria para ter a tutela do meu filho”, afirma.

Vacinada em janeiro, Luana já vê mudanças na relação com as pessoas mais próximas, embora não se descuide. “A própria família se sente mais encorajada a se aproximar”, diz.

Novas cepas do vírus ainda preocupam

Um dos primeiros a receberem a vacina em Osasco (Grande SP), o médico James Willames Pires Barbosa, 32, explica que a felicidade e o alívio não são carta branca para viver como antes da pandemia. A culpa são as variantes do coronavírus, com efeitos ainda pouco conhecidos.

"Todo mundo sabe que estão rolando novas cepas, novas mutações. Isso deixa a gente com o sinal de alerta ligado. Não sabemos se poderemos ser contaminados", diz. Apesar do receio, Barbosa não esconde a alegria por ter recebido a vacina. "Foi o primeiro respiro que a gente conseguiu ter nessa pandemia, sem ficar tão preocupado e perder noites de sono. É o início da luz no fim do túnel. Mostra também para as demais pessoas que vai dar certo."

Em Ribeirão Preto (300 km de SP), a enfermeira Alessandra Paula Silva Soares Medeiros, 45, teve toda a família contaminada e viu o marido, que é médico, ficar cinco dias na UTI no ano passado. Apesar da satisfação e alívio por receber a vacina, diz que é preciso atenção. "Os cuidados permanecem. Não é só receber a vacina e achar que o mundo foi salvo. A gente não sabe nada ainda, a doença é nova", conta.

'Deu um gás na gente, sem dúvida', diz médica do Emílio Ribas

A médica paliativista do Hospital Emílio Ribas Taciana Oliveira lida diretamente com profissionais que estão sempre sob pressão e notou uma mudança no espírito de todos após a vacinação. “É perceptível. Está todo mundo muito feliz, um perguntando para o outro se já foi vacinado. Deu um gás na gente, sem dúvida”, diz.
Segundo Taciana, profissionais da saúde manifestaram, durante a pandemia, sinais de que algo não estava bem, como aumento da irritabilidade, insônia, desgaste com familiares e relatos de consumo excessivo de bebida alcoólica.
Para a médica do Emílio Ribas, o fato de pessoas que trabalham com pacientes serem as primeiras a receberem a vacina pode servir de exemplo para a população, em meio a tantas notícias falsas. “Acho que ninguém mais do que a gente sabe o que pode acontecer. Vimos morrer pessoas jovens”, afirma.
Apesar da felicidade, Taciana lembra que não é hora para relaxar com os cuidados e que o verdadeiro alívio virá com a maior parte da população vacinada.

Assuntos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.