Após quase dez anos, a nutricionista Gabriella Guerrero Pereira foi condenada, nesta segunda-feira (1º), a três anos de prestação de serviços comunitários e ao pagamento de R$ 22 mil a entidades assistenciais pela morte do administrador de empresas Vitor Gurman, 24 anos.
O rapaz foi atingido em uma calçada na Vila Madalena (zona oeste), por volta das 3h50 de 23 de julho de 2011, por um carro de luxo blindado dirigido por Gabriella, quando ela e o namorado voltavam de um bar no Itaim Bibi, também na zona oeste, após ambos consumirem bebidas alcoólicas, como foi confirmado por ela em depoimento à Justiça.
A juíza Valéria Longobardi, da 23ª Vara Criminal da Barra Funda, condenou Gabriella com base em uma decisão do ministro Rogério Schietti Cruz, do STJ (Superior Tribunal de Justiça), que, em 31 de maio de 2019, negou pedido do MP-SP (Ministério Público de São Paulo), que solicitava para que Gabriella fosse julgada por homicídio doloso (com intenção de matar), crime pelo qual ela foi indiciada pela polícia em 2011.
Com a determinação do STJ, que alega falta de provas contra a ré, a nutricionista foi condenada nesta segunda por homicídio culposo, ou seja, sem intenção de matar. Além do pagamento de multa e da prestação de serviços, ela ficará sem direito de dirigir pelos próximos dois anos. Cabe ainda recurso à decisão. A defesa de Gabriella foi procurada pelo Agora, na manhã desta terça-feira (2), mas não respondeu até a publicação desta reportagem.
Em depoimento à Justiça, a nutricionista admitiu ter bebido no Itaim Bibi antes de assumir o volante do Land Rover blindado, pertencente ao seu namorado à época, que estaria sem condições de dirigir porque, segundo Gabriella, ele estava embriagado. O rapaz foi colocado, com ajuda de manobristas, no banco de passageiro dianteiro antes de o casal sair do bar, segundo a policia, na época.
Após trafegar por aproximadamente cinco quilômetros, a nutricionista disse que retirou a mão do volante, para segurar o namorado que, sem cinto de segurança, teria caído em direção ao painel do carro, por causa da embriaguez, conforme consta no depoimento prestado por ela ao TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo).
Logo em seguida, ela perdeu o controle do veículo, capotou e atropelou o administrador de empresas. Um poste chegou a ser arrancado do concreto, em decorrência da força do impacto. A nutricionista teve ciência do atropelamento, segundo o TJ-SP, somente após a chegada da Polícia Militar, que mencionou haver uma vítima no local.
Vitor Gurman foi encaminhado ao Hospital das Clínicas com traumatismo craniano. Ele permaneceu internado, em coma, mas não resistiu após cinco dias.
Os policiais militares que atenderam à ocorrência, segundo consta no processo, estavam sem bafômetro na viatura e, por isso, Gabriella não foi submetida ao teste no local do atropelamento. Ela, porém, admitiu mais de uma vez ter consumido uma "margarita", bebida feita a base de tequila, no bar em que estava junto ao namorado.
Segundo a denúncia feita pelo MP-SP à época, além de ingerir bebida alcoólica, a nutricionista dirigia acima da velocidade permitida na rua Natingui, que é de 30 km/h. Laudo feito pela Polícia Científica indicou que o Land Rover seguia entre 62 km/h e 92 km/h no momento do atropelamento.
Estes elementos, porém, não sustentaram a denúncia de homicídio doloso feita pela Promotoria, convertida pelo TJ-SP para homicídio culposo em 2017 e endoçada, em 2019, pelo STJ.
Em sua decisão pela condenação de Gabriella, nesta segunda, a juíza Valéria Longobardi destacou que contribuíram para que a nutricionista perdesse o controle do carro: o fato de ele estar alcoolizada e ter retirado as mãos do volante de um veículo de grande porte, blindado, “na tentativa de conter o passageiro [namorado]”. “Esse conjunto de circunstâncias fez com que a ré perdesse a direção do veículo”, escreveu.
"É uma vergonha", afirma pai de vítima sobre condenação
O pai de Vitor, o administrador de empresas Jairo Gurman, 62 anos, afirmou ao Agora nesta terça que a condenação de Gabriella “é uma vergonha” e “uma impunidade”. ”A maior tristeza que pode passar um pai é ver uma pessoa matar seu filho e ser condenada a pagar cesta básica”, desabafou, se referindo à multa de R$ 22 mil estipulada pela Justiça.
Ele também criticou decisão judicial que mudou o caso de homicídio doloso (com intenção de matar) para culposo, ou seja, sem intenção. “Isso é uma grande tristeza, não tenho palavras. Minha conclusão é a de que este país em que vivemos é um salve-se quem puder.”
O administrador salientou fatores que, segundo ele, demonstram o risco assumido pela nutricionista ao dirigir carro. “Tem laudos mostrando que ela estava acima da velocidade permitida, além de ter bebido. Fico com uma sensação de vergonha, pelo absurdo de todas as provas estarem aí e não conseguirmos fazer justiça. O que aconteceu com meu filho não foi um acidente, quero reforçar isso, tudo indica que foi um assassinato. Essa é a nossa bandeira.”
Ele disse ainda que seu irmão, um arquiteto de 61 anos, está com depressão e problemas emocionais, decorrentes do acompanhamento de todo o processo, desde a morte do sobrinho. "Meu doce irmão ajudou com tudo, desde o início. Tenho uma gratidão muito grande por ele, que agora não consegue nem falar, por causa da tristeza de acompanhar toda essa impunidade."
Jairo disse caber somente ao MP-SP a possibilidade de recurso à decisão judicial desta segunda. Questionada, a Promotoria não se manifestou até a publicação desta reportagem.
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